Entrevista: “O Marco Temporal foi criado para dificultar as demarcações de terras indígenas no Brasil”
Brasílio Priprá é liderança indígena Laklãno-Xokleng, do Território Indígena (TI) Ibirama, de Santa Catarina

19 de abril é o Dia dos Povos Indígenas. O Opinião Socialista entrevistou Brasílio Priprá, liderança indígena Laklãno-Xokleng, do Território Indígena (TI) Ibirama, situado no estado de Santa Catarina.
Brasílio Priprá, que fez parte da criação do Acampamento Terra Livre (ATL), falou sobre o Dia dos Povos Indígenas; a luta pela demarcação de todas as terras indígenas e contra o Marco Temporal; a política do governo Lula para os povos originários; e outros temas.
Leia a entrevista na íntegra:
O que representa o 19 de abril – Dia dos Povos Indígenas – num contexto de crescentes ataques aos direitos originários, tanto na política, como por latifundiários nos territórios?
É lamentável. Na política, o dia 19 de abril representa a luta dos povos indígenas por demarcação em todo o Brasil. O governo federal, o Congresso e o Senado deveriam pautar isso, pois os direitos indígenas são direitos dos seres humanos que cuidam da nossa terra. A gente vê isso com muita preocupação. A sociedade brasileira deveria também se preocupar, pois afeta a água, a natureza e toda a sociedade.
Como a mudança de nomenclatura de “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas” reflete a evolução dessa luta?
A mudança é interessante, pois o povo brasileiro vê indígenas como uma coisa só, quando na verdade somos diversos povos, com culturas e línguas diferentes. Essa mudança nos representa muito nesse ponto.
Qual a situação atual das terras do povo Laklãnõ-Xokleng em Santa Catarina?
A Ação Cível Originária (ACO) 1100 está no Supremo Tribunal Federal (STF) para ser votada, mas o que travou é o pedido de vista proposto pelo Gilmar Mendes, que quer uma conciliação inconstitucional. A gente sabe que isso vai ser derrubado, pois o próprio Supremo vai derrubar por ser inconstitucional.

Protesto do povo Xokleng pela demarcação do território, no ano 2000 | Foto: Clóvis Brighentti/Cimi
Como o julgamento do Marco Temporal no STF impactou essa luta, e o que ainda falta para a garantia efetiva do território?
O Marco Temporal foi criado, não é de agora, para dificultar as demarcações de terras indígenas no Brasil. Os povos indígenas estão muito além da Constituição, estamos aqui muito antes dela ser criada e mesmo assim nosso direito ao território é constitucional. O Marco Temporal é um caminho para dificultar as demarcações, é inconstitucional.
Quais são as principais ameaças enfrentadas pelos povos indígenas em SC (agronegócio, especulação imobiliária, violência policial)?
Na verdade, tem vários fatores. Quando se desrespeita um povo originário, vem de várias situações: da polícia, do agronegócio, do descaso do Estado, do preconceito dos não indígenas que pensam que queremos invadir terras alheias. Nós não precisamos invadir a terra de ninguém, só queremos o que é nosso por lei.
No governo Bolsonaro, houve um desmonte aberto das políticas indigenistas. Agora, sob o governo Lula, como você avalia a atuação do Estado na garantia dos direitos indígenas? Há avanços reais?
Não, não houve avanço. No governo Bolsonaro, houve um desmonte, um desrespeito aos povos. Mas nesse governo falta muito, pois o governo é muito bolsonarista. Isso afeta bastante, pois muitas das terras demarcadas são de pessoas envolvidas no Congresso e no Senado.
O Ministério dos Povos Indígenas, criado por Lula, tem conseguido frear a violência nos territórios ou ainda está refém de alianças políticas com setores do agronegócio e do extrativismo?
Foi criado com esse objetivo, mas é difícil. Em um país grande como o Brasil, eles ainda não têm estrutura para lidar. Quando vão a um lugar, há outro caso a 4-5 mil km de distância. Falta estrutura e investimento para poderem atuar nessas situações.
Qual o papel do Acampamento Terra Livre (ATL) na pressão por direitos em 2025?
O ATL foi criado em 2003. Faço parte da criação, que aconteceu no dia 19 de abril daquele ano. Foi criado para discutir as pautas de educação, saúde e demarcação, principais necessidades básicas dos povos originários. A gente está aí discutindo e sempre trazendo propostas, não só para o governo, mas para o STF, sensibilizando os ministros sobre as pautas indígenas do país.
Como as ocupações e retomadas indígenas têm se fortalecido como estratégia de luta?
Essas retomadas funcionam como forma de demonstrar ao governo a necessidade de demarcação, pois essas terras eram documentadamente território indígena que foi vendido ilegalmente pelo Estado e precisam ser demarcadas corretamente.
Qual a importância da solidariedade de classe entre trabalhadores urbanos, sem-terra e povos indígenas?
Ser solidário aos povos indígenas é para os dois lados. Assim como a periferia sofre nas mãos do Estado por ser minoria, os indígenas também sofrem perseguição, pois a sociedade entende que também somos minoria.
Como o avanço do agronegócio, das mineradoras e dos grandes empreendimentos impacta os povos originários?
É lamentável destruir as terras indígenas por mineração, que vai beneficiar menos de 1% da população e multinacionais. Deveriam encontrar outro caminho para que isso não acontecesse.
É possível conciliar desenvolvimento e direitos indígenas?
Os povos indígenas não são contra o desenvolvimento. O país é grande, e muitas áreas já desmatadas podem ser recuperadas e usadas no agronegócio, na produção alimentícia. Não precisa destruir o que está preservado pela natureza. Dá para conciliar com o desenvolvimento.
Quais as principais batalhas que os povos indígenas enfrentarão nos próximos anos?
Os povos indígenas ainda vão lutar por muitos anos por demarcação e pela preservação do meio ambiente. Não só por nós, mas para proteger toda a sociedade, todo o mundo. Não cobramos nada do governo, pois é da cultura originária preservar o mundo em que vivemos.
Para finalizar, como a juventude indígena e a academia estão se articulando nessa luta e qual seu recado para quem está lendo a entrevista?
Temos muitos jovens na faculdade se formando para defender nossos direitos, para ter estudo e contribuir com nossas necessidades. Mas eu convido toda a sociedade brasileira a abraçar as pautas em defesa da natureza e da demarcação, para garantir um futuro para nossos netos e familiares. A demarcação não é para beneficiar indígenas, é para preservar o que resta da natureza e termos qualidade de ar, de água e de vida para todas as pessoas.