Espuma no Rio Guandu: Uma crise ambiental repetida e já esperada
Os fluminenses começaram a última semana de agosto com as notícias do fechamento da estação do Guandu por conta da presença de uma enorme quantidade de espuma branca no rio que abastece quase toda a região metropolitana. A captação de água permaneceu suspensa durante todo o dia e só foi normalizada ao início da noite. Também ao final do dia, foi revelado pela Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) que o descarte de material detergente que contaminou o Rio Guandu no fim da madrugada desta segunda-feira (28) partiu de uma empresa de Queimados, na Baixada Fluminense.
Uma situação absurda, mas que infelizmente não é novidade para a região metropolitana do Rio, constantemente afetada pela má qualidade da água e por interrupções e/ou falhas de fornecimento. Aliás, não foram poucos os que, no dia de ontem, se lembraram da crise da geosmina que durante semanas deixou a população sem água própria para consumo.
Também podemos dizer, sem medo de errar, que essa não foi a última crise de contaminação de água que os fluminenses enfrentarão. O Rio Guandu é extremamente poluído, contaminado por elevadas quantidades de esgotos domésticos e industriais não tratados.
Bacia Hidrográfica do Guandu: uma das mais importantes do Brasil
Essa bacia é considerada como uma das mais importantes do Brasil, pois dela dependem cerca de 11 milhões e meio de habitantes da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, além de ter no entorno regiões de alta atividade econômica e industrial.
O rio Guandu drena uma bacia com área de 1.385 km². Tem como principais afluentes os rios dos Macacos, Santana, São Pedro, Poços/Queimados e Ipiranga. No seu curso final, antes de chegar à ETA Guandu, desembocam os rios dos Poços/Queimados e Ipiranga, ambos poluídos por esgotos domésticos, efluentes industriais e lixo.[1]
112 milhões de litros de esgotos domésticos in natura por dia
O Rio Guandu e seus afluentes (rios Queimados, Poços e Ipiranga), localizados na Baixada Fluminense, recebem, dos quinze municípios localizados na bacia do Rio Guandu, 112 milhões de litros de esgotos domésticos in natura por dia.[2] Como o esgoto possui nitrogênio e fósforo, e com a presença de luz, além de calor, o ambiente se torna propício para o surgimento de algas (origem da crise da geosmina em 2020). Dos 15 municípios na bacia hidrográfica, apenas três possuem rede de coleta e tratamento de esgoto; ademais, mesmo nesses municípios, os índices de tratamento do esgoto gerado são insuficientes: Nova Iguaçu, 1,45%; Piraí, 19,5%; e Rio de Janeiro, 40%.
Em levantamento realizado de agosto a dezembro de 2019 pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Guandu, verificou-se que, das 78 estações de tratamento de esgoto existentes, 45 estavam com restrições ou paradas por problemas elétricos, mecânicos e, em alguns casos, por ausência de rede de coleta. Em Nova Iguaçu, onde está localizada a ETA Guandu, somente 13 estações de tratamento de esgoto estavam em operação.
A caixa preta da poluição industrial
Atualmente, toda a propaganda do governo e da mídia gira em torno de tentar demonstrar que o grande problema ambiental do estado é o saneamento básico. Como demonstramos acima, é de fato um enorme problema, que gera uma brutal carga poluidora nos rios, lagoas da Bacia Hidrográfica do Guandu e da Baía da Guanabara, mas o peso da poluição industrial é muito alto, em especial porque a indústria é responsável por lançar produtos bem mais danosos ao meio ambiente do que o esgoto doméstico, como o mercúrio e outros metais pesados.
No entanto, quando se buscam informações sobre a poluição industrial do Guandu, o que fica mais evidente é a falta de informações ou até a existência de dados contraditórios. Acreditamos que não é por acaso, existe uma pressão geral da burguesia para parasitar mais um serviço público, o saneamento, e também o interesse das indústrias em não revelar o seu verdadeiro papel na poluição, jogando a responsabilidade na população e no estado.
O Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos (CNARH) dispõe informações sobre os corpos hídricos que recebem os efluentes industriais em pontos de lançamento cadastrados e também pontos de captação de água para fins industriais. A Tabela 14 aponta a quantidade de pontos de captação ou lançamento de efluentes referentes ao setor industrial que estão cadastrados na Região Hidrográfica do Guandu (CBH GUANDU-RJ, s.d.).
Só a disparidade entre os pontos de captação e de lançamento já deixa bem claro o quão falha é a fiscalização ambiental das indústrias. A amplíssima maioria de indústrias que necessita fazer captação de água terá que fazer o lançamento dessa água de após o processamento na sua unidade. É importante deixar claro que o saneamento básico é fundamental na recuperação das águas do Guandu, mas esse foco provavelmente não vai resolver nem 50% do problema de poluição desta importante bacia, o despejo de material detergente nesta semana é uma prova contundente disso.
Na área da Bacia do Guandu existem três grandes polos industriais: os chamados Distritos Industriais de Santa Cruz (10 indústrias), Queimados (16 indústrias) e Campo Grande (14 indústrias). De acordo com os dados cadastrais fornecidos pela FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), existem 162 estabelecimentos na área da região da bacia distribuídos de maneira heterogênea ao longo da mesma (ANA, 2009)[3].
Desses, gostaríamos destacar a área das margens do canal de São Francisco, com a presença de siderúrgicas (Gerdau/Cosigua, CSN Cimentos e CSA), termoelétricas (Inepar e UTE Santa Cruz) e petroquímica (Fábrica Carioca de Catalisadores) e a área fronteiriça entre Rio de Janeiro, Seropédica e Nova Iguaçu (próximas ao ponto de captação de águas para a Estação de Tratamento do Guandu), com a presença de indústrias petroquímicas e de bebidas.
Por fim, mas não menos importante, a qualidade das águas também é afetada pela atividade de extração mineral de areia, sobretudo na sub-bacia do Rio da Guarda, a partir da década de 1960. A extração de areia é uma atividade econômica importante do município de Seropédica, correspondendo a cerca de 70% da produção de areia do Estado do Rio de Janeiro. Tal atividade gera diversos problemas ambientais, listados pela Agência Nacional de Águas (2006), dentre eles: o desmatamento da área que será utilizada, a retirada da camada superior do solo, o assoreamento dos cursos d’água que receberam, ao longo de anos, os rejeitos da mineração, a alteração da paisagem (pela criação de dezenas de lagoas artificiais), a alteração da qualidade das águas subterrâneas promovida pela abertura das cavas (que podem gerar uma possível contaminação), a emissão de poeira no ar (promovida pelo intenso tráfego de caminhões nas estradas de terra que circundam a área de extração), além do rebaixamento do lençol freático.
Por tudo isso, não é de se espantar que um estudo tenha verificado a presença de metais pesados em níveis altíssimos na bacia hidrográfica: todos os metais analisados nos sedimentos coletados no Rio Guandu apresentaram concentrações bastante acima da média mundial, atingindo para Ni, Cu e Fe valores próximos ao do Rio Reno, na Alemanha, quando este era um dos mais poluídos do mundo[4].
Propostas para acabar com a poluição do Rio Guandu
Em julho de 2012, a Unesco colocou as “Paisagens Cariocas entre a Montanha e o Mar” na lista de patrimônios mundiais, no entanto os sucessivos governos, a burguesia do estado e país claramente não valorizam o patrimônio natural do Rio de Janeiro, e a solução para os problemas ambientais no Rio, como no mundo, só pode ser garantida enfrentando os interesses da burguesia, em especial os seus lucros.
Propomos a universalização do saneamento básico, com centralidade na coleta e tratamento de esgotos, mediante um plano de obras públicas estatais, associado à reestatização da CEDAE e de todo o serviço de água e esgoto. É urgente também garantir um sistema de coleta de lixos sólidos e reciclagem do maior número de materiais possíveis, zerando o descarte nos rios e baía da Guanabara.
É fundamental iniciar desde já estudos para determinar o grau de contaminação do Guandu por efluentes industriais e garantir uma fiscalização rigorosa de todas as empresas que lançam efluentes nos rios.
Defendemos que as grandes empresas devem ser imediatamente obrigadas a aplicar os mais modernos sistemas de tratamento de efluentes e de gases emitidos. As que não cumprirem devem ser duramente multadas e as que reincidirem no descumprimento de regras ambientais ou causarem desastres ambientais devem ser estatizadas. Para além disso, essas empresas devem pagar um imposto especial para ressarcir as populações do impacto ambiental e também garantir subsídios para que as pequenas empresas possam aplicar os planos de tratamento de efluentes e gases. Propomos também a proibição de lançamento de efluentes tóxicos nos rios com água para consumo humano.
A solução definitiva para a crise hídrica no Rio de Janeiro e no mundo passa por romper com a lógica capitalista. Só a nacionalização do controle sobre os recursos hídricos pode garantir o abastecimento de toda a população, sem disparidades ou desperdícios e que a utilização doméstica e industrial se dê com o menor impacto ambiental possível.
[1] Evolução da qualidade das águas da bacia do Rio Guandu, estado do Rio de Janeiro in Brazilian Journal of Animal and Environmental Research, Curitiba, v.4, n.2, p. 2672-2685- abr./jun. 2021
[2] http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/artigo/1415/caminhos-para-viabilizacao-da-convergencia-de-interesses-na-despoluicao-do-rio-guandu-rio-de-janeiro-brasil
[3] Conflitos municipais no planejamento hídrico regional: o exemplo da Bacia do Guandu/RJ / Alene de Oliveira Barbosa; orientador: Luiz Felipe Guanaes Rego; co-orientador: Rafael da Silva Nunes. – 2020.’
[4] Influência de atividades industriais na poluição por metais no Rio Guandu, Baía de Sepetiba-RJ, Friedrich Wilhelm Herms Handerson agnaldo de almeida Lanzillotta, in Bacia Hidrográfica dos Rios Guandu, da Guarda e Guandu-Mirim/Comitê da Bacia Hidrográfica Guandu/ organizado por Décio Tubbs Filho, Julio Cesar Oliveira Antunes, Janaina Silva Vettorazzi. — Rio de Janeiro: INEA, 2012.