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Etiópia (1935-1937): Há 90 anos, tropas de Mussolini ocuparam a Abissínia. Lições de solidariedade internacional

César Neto

10 de outubro de 2025
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Tropas fascistas de Mussolini invade a Etiópia em 1935

As manifestações multitudinárias e sincronizadas em defesa da Palestina assustaram a burguesia mundial e deram novo alento as lutas dos povos semicoloniais. Para muitos é um fato novo, mas queremos recordar a luta contra a ocupação da Abissínia (atual Etiópia) pelas tropas de Mussolini e a reação do movimento de massas, em especial dos antifascistas e do movimento negro.

A primeira derrota italiana na tentativa de ocupar a Abissínia

Como continuidade da Conferência de Berlim, 1884-1885, a Itália — dez anos depois, já controlando a Eritreia — resolveu estender o território e avançar para dominar a Etiópia.

Em 1895 começou uma grande guerra para os padrões da época, as tropas italianas estacionadas na  Eritreia conseguiram resultados positivos no inicio, mas foram derrotados e humilhados na Batalha de Adwa, que forçou os soldados italianos se retirarem de volta para Eritreia.

Oito mil soldados italianos morreram nessa batalha. Essa foi a primeira grande vitória de forças africanas contra o imperialismo europeu. Esta guerra se transformou em um símbolo do nascente movimento pan-africanista, garantindo a vitória do povo etíope até 1935-1937.

Através de Mussolini, a Itália volta a atacar

A crise de 1929, começou a corroer o prestigio de Mussulini diante das massas e da própria burguesia que o via como o salvador do comunismo (1919-1920). As massas trabalhadores sofriam desemprego profundo, os cortes salariais contínuos e a brutalidade implacável da polícia e do serviço secreto OVRA (Organizzazione per la Vigilanza e la Repressione dell’Antifascismo | Organização para a Vigilância e a Repressão do Anti-Fascismo).

Com o prestigio em declínio, Mussolini tentou uma cartada nacionalista e a ocupação da Etiópia mostraria sua força e ainda lavaria a alma italiana depois da derrota de 1895.

A IV Internacional, à época, através do ‘Manifesto da IV Internacional sobre a guerra imperialista e a revolução proletária mundial’ (maio/1940),  ampliava essa caracterização:

Os países coloniais sofrem suas próprias crises internas e as dos centros metropolitanos. Nações atrasadas, que ontem, entretanto, eram semi-livres, hoje estão escravizadas, (Abissínia, Albânia, China…). Todos os países imperialistas necessitam possuir fontes de matérias-primas sobretudo para a guerra, ou seja, para uma nova luta por matérias-primas. A fim de enriquecerem posteriormente, os capitalistas estão destruindo e devastando o produto do trabalho de séculos inteiros.

 Aliás, esse manifesto parece que foi escrito para os nossos dias.

Mussolini invade a Etiópia

De março a setembro de 1935, Mussolini enviou inicialmente 177 mil soldados italianos que desembarcaram com armas e equipamentos de transporte na cidade portuária de Massaua (Eritreia).

Ao final de 1935, havia doze divisões de infantaria italianas, aproximadamente 685 mil soldados, para as colônias italianas ao redor da Etiópia. A Itália também recrutou soldados adicionais dessas colônias. Além disso, dispunha de artilharia pesada, veículos terrestres e aéreos, além de amplos suprimentos.

A guerra na Abissínia foi conduzida com toda a crueldade imaginável, incluindo o uso do gás mostarda, numa evidente transgressão à Convenção de Genebra, assinada pela Itália em 1925. Além, é claro, da utilização dos métodos da OVRA: campos de concentração, extermínio em massa, prisão, tortura e enforcamentos públicos como rotina praticada pelo Exercito fascista de Mussolini.

Exército fascista de Mussolini pratica enforcamento da população etíope

A reação do movimento negro

Quando  exército de Mussolini avançou sobre uma Etiópia indefesa, iniciando uma ocupação brutal, experimentando novas armas,  incluindo armas químicas como gás mostarda, os negros ao redor do mundo, desde aldeões analfabetos da África Ocidental até mulheres da classe trabalhadora no Harlem, se revoltaram contra o ataque italiano. A defesa da Etiópia os uniu.

No Congresso Pan Africano de 1921, WEB Du Bois afirmava que  “a independência da Abissínia, Libéria, Haiti e São Domingos” era uma pré-condição necessária para relações de convivência pacifica entre as raças. A invasão da Etiópia por Mussolini derrubou essa pré condição. O Haiti, a Libéria e a Etiópia eram um dos poucos países negros a manter sua independência. Após a Conferencia de Berlim apenas dois países mantiveram sua independência: Etiópia e Libéria. Mas a só Libéria manteve essa condição, pois estava sob a influencia direta da Firestone Natural Rubber Company.

A raiva contra a ocupação italiana tomou conta do mundo. Em Trinidad, estivadores boicotaram navios italianos e se recusaram a ajudar a descarregá-los. Nas pequenas ilhas de São Vicente e São Cristóvão, em 1935, ocorreram motins. E em Santa Lúcia, uma filial local dos Amigos Internacionais da Etiópia escreveu uma moção condenando o embargo britânico de armas à Etiópia. Na Jamaica, pais tiraram seus filhos das escolas depois que rumores infundados proliferaram alegando que italianos haviam sido enviados para envenená-los.

As autoridades coloniais britânicas e membros do governo dos Estados Unidos demonstraram um ataque de pânico com essa nova consciência racial internacional.

Foi na Grã-Bretanha, no entanto, que o legado da luta contra a invasão da Etiópia teve o maior impacto. A invasão da Etiópia uniu vários jovens ativistas negros — das Índias Ocidentais, dos Estados Unidos e da África — em torno de uma causa comum. Alguns eram trotskistas, outros stalinistas, enquanto outros eram pan-africanistas e nacionalistas negros. Mas todos eles, de maneiras curiosas, se encontrariam pela causa da luta pela independência da Etiópia.

Os presentes na Grã-Bretanha na época de agosto de 1935 formariam os Amigos Africanos Internacionais da Abissínia. Nessa época, a maioria deles estava se afastando do marxismo, embora usassem uma análise marxista para ajudá-los a entender o imperialismo. Esse grupo seria reconstituído dois anos depois como o International African Service Bureau, a principal organização que representava os interesses negros na Grã-Bretanha, incluindo trabalhadores em greve na Jamaica e comunidades subjugadas na África. Em seu comitê executivo, havia nomes como: T. Ras Makonnen, Wallace Johnson, Azikiwe, CLR James, Amy Ashwood Garvey, Padmore e Jomo Kenyatta. Dentro de seu círculo de influência também estava um jovem Kwame Nkrumah, que se tornaria o primeiro presidente de Gana.

A resistência nos Estados Unidos

Já antes da invasão das tropas de Mussolini, em fevereiro, foi organizado em Nova York  o Comitê Provisório para a Defesa da Etiópia com a participação de mais de vinte organizações do Harlem, que representavam à época mais de 15.000 pessoas. Esse Comitê, convocou uma primeira manifestação para protestar contra os preparativos da Itália para invadir a Etiópia. Essa manifestação contou com três mil participantes. Foi aprovada as seguintes resoluções:

— A Etiópia precisa de dinheiro, armas e munições;
— Enviar notas de protesto a Mussolini, à Liga das Nações e ao Secretário de Estado norte-americano;
— Organizar uma manifestação com 50 mil pessoas no Harlem;
— Os moradores do Harlem devem boicotar os negócios italianos, dinheiro esse que é usado para “apunhalar nossos irmãos negros pelas costas”.

Em junho, Samuel Daniels, presidente da Associação Pan-Africana de Reconstrução, e Harold H. Williams, representante da Liga Etiópe da América, fizeram uma viagem de carro por todo país para recrutar voluntários para lutar na Abissínia. Recrutaram, segundo Daniels mais de 17.500 voluntários, sendo 200 em Boston, 5.000 em Detroit, 8.000 em Chicago, 2.000 em Kansas City e Missouri, 1.500 na Filadélfia e 850 em Nova York.

As atividades pró-Etiópia por parte do movimento negro assumiram muitas formas. Protestos e apelos ao governo italiano, à Liga das Nações, ao governo inglês e autoridades americanas; boicote aos produtos e comércios italianos; campanhas para arrecadar contribuições financeiras e voluntários para lutar na Abissínia.

É bom lembrar que nessa época o movimento negro norte-americano sobrevivia ao linchamento, super exploração dos trabalhadores rurais, privação de direitos concedidos aos brancos, segregação nas escolas, trens e hospitais, em síntese uma situação de escravidão continuada.

A luta em defesa da soberania da Etiópia foi decisivo na construção da consciência do movimento negro norte-americano. Uma consciência que partia de reivindicar suas origens africanas, assim como da necessidade de acompanhar a política externa norte-americana.

A luta em defesa da Etiópia desenvolveu duas questões fundamentais: o primeiro foi o crescimento do sentimento pan-africano; o segundo, a construção do orgulho negro.

A derrota italiana

A derrota italiana se deu em primeiro lugar pelas enormes manifestações nos Estados Unidos e na Europa. A heroica luta da resistência etíope, com menos armas e tecnologia, custou como mínimo em 250.000 mortes. Os italianos foram expulsos pelas tropas inglesas em 1941 ao tentarem ocupar possessões britânicas.

Milhares de negros e antifascistas desconhecem essa história que levou às ruas pessoas dispostas a um acerto de contas com o racismo e o fascismo. As mobilizações foram sem dúvidas a primeira derrota do modelo fascista, que nos permite dizer hoje que vidas negras importam e que serve também de lição para dizer vidas palestinas importam.

Mais uma vez voltamos ao  ‘Manifesto da IV Internacional sobre a guerra imperialista e a revolução proletária mundial’ (maio/1940):

Independentemente do curso da guerra, cumprimos nosso objetivo básico: explicamos aos operários que seus interesses são irreconciliáveis com os do capitalismo sedento de sangue; mobilizamos os trabalhadores contra o imperialismo; propagandeamos a unidade dos operários de todos os países beligerantes e neutros; chamamos a confraternização entre os operários e soldados dentro de cada país e entre os soldados que estão em lados opostos das trincheiras no campo de batalha; mobilizamos as mulheres e os jovens contra a guerra; preparamos constante, persistente e incansavelmente a revolução nas fábricas, moinhos, aldeias, quartéis, no front e na frota.

Este é o nosso programa. Proletários do mundo, não há outra saída que unir-se sob o estandarte da Quarta Internacional!

— Viva a solidariedade internacional dos trabalhadores!
— Longa vida aos que lutam!
— A classe trabalhadora que derrotou o fascismo saberá derrotar o sionismo!

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