Meio ambiente

Governo Lula quer privatizar três hidrovias da Amazônia

Decreto inclui rios Tapajós, Tocantins e Madeira no Programa Nacional de Desestatização

Roberto Aguiar, da redação

4 de novembro de 2025
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plano prevê a entrega de mais de 3 mil quilômetros de rios amazônicos ao setor privado | Foto: GovBR

Roberto Aguiar, direto de Belém (PA) | Cobertura Especial Cúpula dos Povos/COP 30

O governo federal deu mais um passo no processo de concessão de hidrovias brasileiras à iniciativa privada. Em agosto deste ano, o presidente Lula (PT) assinou o Decreto nº 12.600, que inclui as hidrovias dos rios Tapajós e Tocantins, no Pará, e do Madeira, entre Amazonas e Rondônia, no Programa Nacional de Desestatização (PND).

O plano prevê a entrega de mais de 3 mil quilômetros de rios amazônicos ao setor privado, com o objetivo de ampliar o transporte de soja, minérios e outras commodities. O anúncio ocorre às vésperas da COP 30, conferência do clima da ONU que será sediada em Belém (PA), e tem gerado forte reação de lideranças indígenas e ambientalistas, que apontam riscos socioambientais e ausência de consulta prévia às populações afetadas.

Para movimentos indígenas e socioambientais, o decreto representa um retrocesso na política ambiental e uma ameaça direta à sobrevivência dos povos da floresta.

Essa hidrovia não é para a gente, é para a soja, é para as grandes transportadoras mundiais. Que desenvolvimento é esse, sem a participação dos ribeirinhos, dos pescadores, dos indígenas?”, questionou a indígena Alessandra Korap Munduruku em suas redes sociais. “A COP 30 está chegando, mas a gente já percebe os grandes acordos que estão sendo feitos agora com as grandes empresas”, afirmou.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) também se manifestou. Em entrevista ao portal Amazônia Real, Auricélia Arapiun, liderança do povo Arapiun, classificou o decreto como uma “traição” aos povos tradicionais:

Receber uma notícia dessas de quem deveria proteger nossos rios é um golpe. Fazer hidrovias não condiz com a realidade que estamos vivendo. É como se o governo brasileiro estivesse na contramão do combate à crise climática.

Concessões e estudos técnicos

As privatizações das hidrovias estão previstas no Plano Geral de Outorgas (PGO) Hidroviário, lançado em 2023 pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e pelo Ministério dos Portos e Aeroportos (Mpor). O projeto é desenvolvido em parceria com a estatal Infra S.A. e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sob o argumento de que a concessão modernizará a navegação e reduzirá os custos logísticos.

Os estudos técnicos contemplam três principais eixos:

— Rio Tapajós: cerca de 250 quilômetros de via navegável entre Itaituba e Santarém (PA);
— Rio Tocantins: 1.731 quilômetros entre Belém (PA) e Peixe (TO);
— Rio Madeira: aproximadamente 1.075 quilômetros, entre Porto Velho (RO) e Itacoatiara (AM).

Esses trechos atravessam unidades de conservação, territórios quilombolas, ribeirinhos e indígenas, o que acende o alerta de impactos diretos em comunidades tradicionais e no ecossistema local.

Riscos socioambientais

Ambientalistas afirmam que a privatização das hidrovias vai agravar problemas já existentes, como o aumento do tráfego de embarcações, a pressão por novos portos e o risco de contaminação das águas por mercúrio e agrotóxicos.

Além disso, a intensificação do transporte comercial afetará o modo de vida de ribeirinhos e pescadores, interferindo em áreas de reprodução de peixes e quelônios, e no transporte fluvial de comunidades isoladas.

Segundo especialistas, os estudos de impacto ambiental e social ainda não foram divulgados de forma transparente, o que reforça críticas à falta de diálogo com os povos amazônidas.

Arco Norte e a expansão do agronegócio

As três hidrovias fazem parte do chamado Arco Norte, corredor logístico que conecta a Amazônia ao Centro-Sul por meio de rodovias, ferrovias e hidrovias, facilitando o escoamento de commodities agrícolas e minerais pelos portos do Norte do país.

O projeto envolve também a construção da Ferrogrão e a ampliação da BR-163, com participação de grandes corporações como Bunge, Cargill, Hydro, Alunorte, Grupo André Maggi e Vale — todas com forte atuação no setor exportador.

A expansão do Arco Norte reflete uma aliança entre o governo e o agronegócio, que contrasta com o discurso ambientalista defendido por Lula em fóruns internacionais.

Próximos passos e resistência

De acordo com Otto Burlier, diretor da Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação do Mpor, a primeira concessão deve ocorrer no início de 2026.

Movimentos sociais e ambientais pretendem pautar o tema durante a Cúpula dos Povos, evento paralelo à COP 30, em Belém, com o objetivo de organizar a resistência à privatização dos rios e denunciar o avanço do agronegócio sobre a Amazônia.

O desafio é garantir que as políticas públicas de infraestrutura não aprofundem a degradação ambiental e respeitem os direitos dos povos tradicionais. O governo Lula, como vimos com a autorização da extração do petróleo na foz do rio Amazonas, não tem compromisso com a defesa do meio ambiente. É um governo do grande capital, do agronegócio e das mineradoras.

É preciso organizar a luta e mobilização, de forma autônoma e independente, para derrotar a política do governo Lula que aprofunda a catástrofe ambiental.

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