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IA or not IA? Eis a questão

Considerar só uma técnica é ingênuo, mas não precisamos condenar

Jorge H. Mendoza

27 de abril de 2025
star5 (6 avaliações)

A Inteligência Artificial tem sido tema de muitos debates. Por alguns ela é celebrada como a última maravilha técnica da humanidade. Para outros, ela promete um futuro mais eficiente, criativo e livre. Há aqueles ainda para quem ela é um cavalo de Troia, pronto para destruir empregos e precarizar ainda mais a vida. Mas entre a euforia e o pânico, falta encarar o óbvio: a IA não é o problema. O problema é o mundo em que ela nasce — um mundo comandado pelo lucro, não pela necessidade humana.

Uma técnica é só uma técnica assim como uma ferramenta é só uma ferramenta, certo? Não sejamos tecnologicamente ingênuos. Nenhuma delas é totalmente inocente. Quero dizer, toda ferramenta carrega as marcas da sociedade que a produziu. A máquina a vapor, a eletricidade, a internet — foram todas potencialmente revolucionárias. Mas de todo o potencial, apenas a parte que servia aos interesses do capitalismo foi utilizada, determinando a direção e o modo como essas técnicas se desenvolveriam. A IA segue o mesmo roteiro: nasceu como possibilidade, mas vira mercadoria. Celebrá-la como “neutra” é tão ingênuo quanto achar que um remédio é criado apenas pela paixão científica, ignorando os interesses do bilionário mercado farmacêutico que financia sua produção. Criticar a indústria farmacêutica não é negar a importância dos remédios — é recusar que a saúde humana seja tratada como um negócio. O mesmo vale para a IA.

O falso debate sobre “neutralidade técnica” precisa ser superado. A IA poderia, sim, ser usada para aliviar o trabalho pesado, democratizar o conhecimento e expandir a criatividade humana. Mas na realidade atual, ela serve a outra finalidade: substituir pessoas por algoritmos para cortar custos e concentrar lucros. É por isso que, quando se discute a substituição de fotógrafos, designers e ilustradores por sistemas automáticos, não se está falando de progresso inevitável — mas de uma decisão brutal: quem pode ser descartado para satisfazer o balanço financeiro?

Cada imagem gerada a custo zero sem pagar um artista não é apenas uma vitória da eficiência: é um ato de expropriação silenciosa. É a transformação da criatividade em mercadoria barata, da cultura em algoritmo repetitivo. Mas essas questões já estavam postas antes. Não é a IA que escolhe isso. É o capitalismo.

O verdadeiro problema nunca foi a técnica. Sempre foi quem a controla. A IA poderia ser usada para libertar seres humanos de trabalhos penosos, para ampliar o acesso ao saber, para dar mais tempo livre à criação e ao pensamento. Na indústria farmacêutica, ajudar o desenvolvimento de novas moléculas e substâncias sintéticas com potencial de cura. Mas sob o comando do capital, seu potencial vira arma contra quem trabalha. A promessa de emancipação vira ameaça de precarização.

Recusar a IA seria tão absurdo quanto recusar antibióticos porque laboratórios exploram a saúde para gerar dividendos. A tarefa não é destruir a técnica, mas libertá-la. Não é rejeitar o progresso, mas arrancá-lo das mãos de quem o explora e o usa com fins estreitos.

Por isso, a pergunta central não é “usar ou não usar IA?”.

A pergunta deve ser: vamos deixar que as novas forças produtivas sigam servindo à lógica de exploração — ou vamos tomá-las para construir uma outra sociedade? Porque no final, a verdadeira escolha não é entre IA e humanidade.

É entre capitalismo ou emancipação.

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