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Insanidades do capitalismo: Em Barra do Piraí (RJ), as enchentes são facilitadas

PSTU Rio de Janeiro

1 de março de 2025
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Foto: Fabrício Monzo Ribeiro (cortesia)

Glauco Aiex Corrêa¹, do Rio de Janeiro

Governos municipais e estaduais passados conseguiram convencer a opinião pública de que as dragagens periódicas dos rios Piraí e Paraíba do Sul, perto do centro da cidade de Barra do Piraí, são necessárias e eficientes como intervenções preventivas das enchentes de verão da nossa cidade. Mas… não são. De nada adiantam dragagens sem proceder às outras medidas que vão de fato resolver o problema. Nas últimas décadas, assistimos jogar-se fora quantias extraordinárias de dinheiro público com essas dragagens seguido do rápido assoreamento dos leitos dos rios logo após as primeiras chuvas do verão consecutivo, retornando quase ao mesmo ponto do ano anterior. Isso porque, com esse tipo de dragagem, estão tentando corrigir apenas a consequência do assoreamento, e não sua causa: a erosão do solo.

Barra do Piraí pode ser bem protegida das enchentes por suas barragens?

Por outro lado, dispomos do que pode se tratar de um sistema sofisticado de contenção de enchentes em Barra do Piraí: as barragens reguladoras de vazão, as represas de Santa Cecília e Santana, além da barragem do Funil, em Resende/Itatiaia. O manejo adequado e sincronizado dessas barragens no verão, a estação das chuvas em nossa região, poderia reduzir significativamente o impacto econômico e ambiental para a população ribeirinha, na maioria das cheias. Trata-se de operar as represas com o menor nível de água possível, mais vazias possíveis, para poderem reter o grande volume de água que sempre chega, proveniente das chuvas dessa época do ano. Seria aproveitar as estruturas que os dois rios em questão já possuem, situadas antes que suas águas cheguem a bairros populosos que sempre sofrem os desastres provocados por suas cheias.

Entretanto, isso não acontece. As figuras abaixo são a representação gráfica no nível do Rio Paraíba do Sul durante os anos de 2022/23 e 2024/25, à montante da barragem Usina Elevatória Santa Cecília, fornecido pelo aplicativo Hidroweb, da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico). O nível do rio é dado em metros, medido em relação ao nível do mar (altitude).

No gráfico de 2022/23 fica evidente que, exatamente durante o verão, a Light opera essa barragem no seu maior nível possível, sem variação significativa, não deixando nenhuma margem (volume de espera) para se tentar evitar uma eventual catástrofe. Logo nessa época do ano, a barragem ficou cheia o tempo todo, com pequenas variações no nível d’água que não chegaram a 25 centímetros!!

Já no gráfico de 2024/25, apesar da variação do nível da água ser maior nos meses do verão, em torno de 1 metro, também não é uma variação que crie um grande volume de espera para conter a vazão causada pelas chuvas.

O desinteresse do ONS

O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), uma entidade de direito privado bancado em 97% pelos consumidores de energia elétrica do país (cobrado na conta de luz), em seu Manual de Procedimentos e Operação de 21/12/2022, apresenta as diretrizes do manuseio da barragem Santa Cecília, garantindo a tranquila transposição da mercadoria água para a Baixada Fluminense e a geração da mercadoria energia elétrica no caminho. Trata-se de soluções típicas de quem não tem nenhum interesse em evitar as enchentes à jusante, onde se encontra Barra do Piraí, apenas olhando à montante das barragens. Diz o manual, causando indignação aos mais sensíveis:

A Usina Elevatória de Santa Cecília tem como restrição de nível mínimo, para permitir o bombeamento, a cota 352,00 m, devido ao alto índice de assoreamento do reservatório, que se avalia já ter comprometido cerca de 50% do seu volume útil. […]

A cidade de Barra do Piraí […] sofre, portanto, a influência das cheias tantos no Rio Paraíba do Sul como no Rio Piraí, seu afluente pela margem direita (ver reservatório de Santana). Quando a vazão defluente atinge cerca de 1100 m³/s, começam a ser atingidas residências ribeirinhas e as longarinas de duas pontes rodoviárias que, além de ligarem o centro da cidade aos bairros da margem esquerda do Rio Paraíba do Sul, são de grande importância para a malha rodoviária do Estado do Rio de Janeiro. O tempo de recorrência dessa vazão é de 2 anos, o que reflete a severidade da situação. Ultrapassada essa restrição, é grande o incremento de danos para cada incremento de vazão, já que, além do problema das pontes, existem alguns bairros densamente habitados, situados na planície de inundação do Rio Paraíba do Sul. Em duas ilhas do Rio Paraíba do Sul, estão localizados, respectivamente, um bairro densamente habitado e um clube socioesportivo, cuja ponte de acesso foi totalmente destruída na cheia de 2000, onde a vazão máxima atingida foi de 1651 m³/s, atingindo várias áreas próximas ao centro da cidade e um grande número de bairros. (Manual, 2022, p. 20).

E, em 2025, repetem a mesma história do Manual de 2022, continuando:

[…] É conveniente, também, notar que existe cerca de 3200 km² de área incremental entre os reservatórios de Funil e Santa Cecília, o que, aliado à capacidade desprezível de regularização do reservatório de Santa Cecília, faz com que a principal atuação da LIGHT nos episódios de cheia se concentre no monitoramento das vazões a montante, principalmente em Volta Redonda, e na emissão de avisos à Defesa Civil do Município.(Manual, 2025, p. 19).

É claro que precisamos de previsões e avisos antecipados mais precisos sobre a data, a hora e a velocidade de subida das águas, as cheias dos nossos rios, como aconselha o ONS à Light. Mas recomendar apenas isso é muito pouco e beira o cinismo.

Por que a Light não opera nossas barragens do jeito certo?

O que transparece é que o único objetivo da Light é o lucro em curto prazo e, no caso dessa empresa, lucro sobre serviço/recurso essencial à vida, um grande absurdo por si. A Light não realiza uma dragagem permanente desses reservatório, que seria altamente recomendado pelo ONS, fossem seus relatórios minimamente preocupados com nossa sociedade, ou por não existirem dispositivos legais obrigando a Light a realizar uma manutenção adequada dos reservatórios que operam, como, por exemplo, estas represas para a transposição da água do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu, de Barra do Piraí para a Baixada Fluminense, ou por não haver cobrança.

E no verão? O abastecimento de água do Grande Rio seria prejudicado?

Desde que a Light, atualmente até por dever moral, consiga dragar eficientemente os 50% dos volumes destas represas que estão assoreados, não haveria motivo para temer um desabastecimento de água no Grande Rio na época das chuvas em nossa região. Isso porque atualmente a Light abastece parte do Grande Rio regularmente, no verão, utilizando apenas metade do volume da represa Santa Cecília a metade não assoreada, segundo o relatório do ONS. Significa, então, que é muito possível termos nossas enchentes amortecidas, sem comprometer o serviço de abastecimento de água da capital, quando a Light utilizar 100% do volume dessa represa dada como exemplo. Menos assoreamento, melhor qualidade da água a percorrer os equipamentos de geração de energia elétrica. Benefícios também para a própria Light.

Uma outra vantagem do aumento das capacidades das represas com a dragagem à montante seria o cumprimento integral do contrato de concessão da Light no que concerne a minimizar impactos ambientais e ao mesmo tempo manter a vazão mínima para o rio Guandu, pelo menos no período chuvoso (cláusula quinta, item XV, subcláusula quarta, pág. 9 – link abaixo). Hoje a Light não libera uma dada vazão diariamente necessária para limpar a calha do rio Paraíba do Sul, contribuindo para seu assoreamento constante e interminável.

O que devemos fazer?

Agora, precisamos nos organizar e exigir urgentemente:

  1. Um estudo aprofundado, feito pelos organismos ambientais e de gestão de recursos hídricos competentes, ANA (Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico) e ANEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), por exemplo, que considere a população ribeirinha como prioridade em suas análises. Que as recomendações provenientes desse estudo se sobreponham a qualquer outra recomendação, seja dada pelo ONS ou pela Light;
  2. Manejo adequado e simultâneo das barragens (Funil, Santa Cecília e Santana) dos rios Paraíba do Sul e Piraí no verão, pela Light, de dezembro a abril, objetivando evitar ao máximo as enchentes em Barra do Piraí;
  3. Dragagens custeadas pela Light, realizadas permanentemente, durante todo o ano, nos reservatórios de Santa Cecília, Santana e Funil, com bombas de sucção elétricas;
  4. Recomposição do corredor da mata atlântica ao longo dos rios e reflorestamento das encostas do município, custeadas pela Light, como compensação aos danos já causados;
  5. Controle efetivo da erosão em toda a Bacia do Rio Paraíba do Sul, visto que o assoreamento dos rios e reservatórios é consequência do manejo inadequado do solo, como por exemplo linhas de plantio “morro abaixo”. Obrigatoriedade mínima do crescimento e preservação da vegetação natural nos topos dos morros. Aplicação de multas altas aos causadores de erosão.

Queremos evitar muitos danos

Devemos exigir essas ações ou continuaremos sob o risco permanente das enchentes facilitadas pela Light, sempre que chover muito. São os danos: perda de alimentos, móveis, eletrodomésticos, roupas, veículos, objetos pessoais, insumos, roças e criação; doenças em pessoas e animais; desalojamento de famílias; falta de fornecimento de água potável; perda dos estoques e do faturamento diário das lojas e indústrias por dia de fechamento por calamidade; comprometimento ou destruição de construções particulares e obras de infraestrutura pública; desmoronamento de encostas junto aos rios; mudança de curso dos rios, pondo em risco futuro outras construções; impedimento do tráfego ferroviário no ramal Rio-São Paulo; impedimento do tráfego rodoviário sobre todas as pontes do centro da cidade e muito mais prejuízos evitáveis para milhares de barrenses. Sem contar aqui o número de vidas perdidas ao longo dos anos nas nossas enchentes periódicas.

É assunto muito sério

Não dá pra deixar serviços tão essenciais como a transposição das águas dos rios e a produção e distribuição de energia elétrica nas mãos de parasitas do mercado financeiro e de empresas estrangeiras. Esses nunca cuidaram e nunca cuidarão, nem das bacias hidrográficas, nem da população do nosso país.

Será necessário reestatizar a Eletrobrás, a Enel e a Light para reestabelecer os serviços com total responsabilidade social e ecológica. Todos os trabalhadores dessas empresas e a população que usam seus serviços devem assumir o controle delas. Assim, as tarifas exorbitantes que são cobradas podem ser reduzidas e seus lucros podem ser usados para a melhoria dos serviços e da redução do impacto ambiental nas bacias dos nossos rios, ao invés de só servirem para encher o bolso de meia dúzia de bilionários.

1 – Engenheiro Agrícola (UFV-97). Comerciante varejista de calçados com estoques localizados à margem do rio Piraí. Militante do PSTU e do movimento SOS Barra do Piraí. Conselheiro do COMBARRA (2025/26). Nascido e criado ao lado de rios e trens, entre os morros da Barra.

Alguns links úteis

  1. Contrato de concessão da Light:

https://www2.aneel.gov.br/aplicacoes/contrato/contratos_gtd/CGTD9601LIGHT.pdf

  1. Operador Nacional do Sistema Elétrico:

https://www.ons.org.br

  1. Busca no site do ONS pelos artigos sobre Barra do Piraí:

https://www.ons.org.br/Paginas/busca.aspx?k=barra%20do%20pira%C3%AD

  1. ONS – Manual de Procedimentos de Operação (2025):

https://www.ons.org.br/MPO/Documento%20Normativo/2.%20Cadastros%20de%20Informa%C3%A7%C3%B5es%20Operacionais%20-%20SM%205.11/2.3.%20Cadastros%20de%20Informa%C3%A7%C3%B5es%20Operacionais%20Hidr%C3%A1ulicas/CD-OR.AE.PBS_Rev.14.pdf#search=barra%20do%20pira%C3%AD

  1. Videoaula sobre assoreamento de rios:

https://www.youtube.com/watch?v=TltlXAeeI0Q&ab_channel=TerraNegra

  1. Videoaula sobre erosão:

https://www.youtube.com/watch?v=WmjG4NVYmkE&t=44s&ab_channel=EducaPeriferia

  1. Telemetria da Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico, App Hidroweb no Google Play Store:

https://play.google.com/store/apps/details?id=br.gov.ana.hidroweb&hl=pt_BR&gl=US

  1. Telemetria local online:

https://anelisie.com.br/rio.htm

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