Lutas

O Estado, famílias e empresas enriqueceram com a escravidão. Exigimos do Estado e do governo Lula Reparação Histórica concreta ao povo negro!

Inquérito do MPF expõe o enriquecimento da burguesia brasileira e internacional com a escravidão no Brasil.

Claudio Donizete, operário do ABC e da Secretaria de Negros e Negras do PSTU

20 de fevereiro de 2024
star4.33 (6 avaliações)
Procurador da Republica Júlio José Araújo Junior, Procurador do Ministério Público Federal, em Audiência Pública do MPF, sobre o papel do Banco do Brasil no financiamento do trafico e escravidão no Brasil, em Madureira/RJ na Quadra da Escola de Samba Portela, em dezembro de 2023.
Procurador da Republica Júlio José Araújo Junior, Procurador do Ministério Público Federal, em Audiência Pública do MPF, sobre o papel do Banco do Brasil no financiamento do trafico e escravidão no Brasil, em Madureira/RJ na Quadra da Escola de Samba Portela, em dezembro de 2023.

Em entrevista ao Portal Opinião Socialista, o professor e doutor Rosenverk Santos Estrela, do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe e Prof° de Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro brasileiros da UFMA, diz sobre a importância da luta por Reparação Histórica do processo de escravidão no Brasil, as denuncias do papel do Banco do Brasil no financiamento desse processo e as perspectivas do inquérito do Ministério Publico Federal, a partir da participação do movimento negro, sob a ótica e programa apresentado pelo Quilombo Raça e Classe no ultimo dia 9 de Fevereiro, em consulta pública aberta pelo MPF, como subsidio para discussão estratégica das saídas históricas que envolvem o povo negro e quilombolas até os dias de hoje na busca por Reparação da Escravidão.

Rosenverk, Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe

Rosenverk, Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe

Cláudio: Quais as expectativas desse processo de pesquisa e de denuncia do Ministério Público Federal (MPF), aonde historiadores vem apresentando a centralidade do BB no financiamento do tráfico negreiro, junto ao estado, suas instituições e os interesses da burguesia?

Rosenverk: Esse é um momento importante da história de luta de nosso povo. Há muito tempo temos denunciado o racismo e suas conexões com o capitalismo. Há muito tempo temos denúncia como a burguesia, a classe dominante e as instituições de poder do Brasil se beneficiaram da escravização de africanos, africanas e seus descendentes, bem como se beneficiam até os dias de hoje do racismo. Por essa razão, é muito importante a pesquisa histórica demonstrando com fatos e números como o BB e seus acionistas cresceram e enriqueceram como os recursos do tráfico. O BB é só o começo. Sabemos que outras instituições financeira, empresas e famílias enriqueceram com o dinheiro do tráfico ilegal de seres humanos. Dessa forma, a representação do MPF é um marco histórico que não podemos ignorar e nem minimizar. É um marco para ampliar nossas denúncias e exigir medidas concretas de Reparação Histórica para nosso povo!

Cláudio: O BB pediu perdão e vem afirmando seu compromisso de políticas afirmativas e de compensação à população negra. Essas medidas e a postura do BB correspondem as expectativas do mn e como estão respondendo a isso?

Rosenverk: O pedido de perdão é insuficiente. Aliás, estamos cansados de pedidos de perdão. Isso se tornou uma norma quase que de absolvição dos crimes cometidos por indivíduos, instituições e até países imperialistas. O Compromisso com Políticas de ações afirmativas é importante. Todas as instituições do Estado devem fazê-la. Mas é insuficiente também. Muitas organizações do Movimento Negro – que são governistas e buscarão defender o governo e suas instituições – defenderão e acharão suficiente essas medidas paliativas do BB. No nosso caso, do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe, consideramos as ações afirmativas importantíssimas, mas devemos avançar e aprofundar para medidas mais estruturas e verticais, ou seja, exigimos medidas de Reparação. Não nos conformaremos com medidas paliativas. O BB tem lucros recordes a cada ano e tem recursos e estruturas para tomar medidas mais concretas e significativas.

Cláudio: Como o BB, na opinião do QRC, deve pagar pelos seus crimes contra os negros e quais medidas são necessárias para avançar?

Rosenverk: Deve pagar com medidas de Reparação. Fizemos um documento e protocolamos junto ao MPF com nossas propostas e exigências, além de nossa caracterização sobre a política de Reparação. O BB tem condições e deve cumprir. Diante de quase 400 anos de escravização e séculos de racismo e desigualdade, não podemos titubear e vacilar. Não podemos nos contentar com medidas paliativas e insuficientes e, também, não podemos ser condescendes com quem enriqueceu e se locupletou com o dinheiro do tráfico ilegal de nosso povo. Por essa razão, dentre as muitas de nossas propostas, podemos citar:

  • Que o Banco do Brasil financie as pesquisas e trabalhos de campo antropológicos para demarcação de todos os territórios quilombolas existentes no país;
  • Que o Banco do Brasil financie todo o processo de titulação de todos os territórios quilombolas existentes no país;
  • Que o Banco do Brasil financie a infraestrutura de saneamento, construção de moradias, construção de escolas, garantira de equipamentos de trabalho, construção de postos de saúde, formação de professores e professoras na educação escolar quilombola e garantia de financiamento para as atividades produtivas de todos os territórios quilombolas existentes no Brasil;
  • Que o Banco do Brasil apresente um plano específico de construção de moradias populares – a preço de custo – para a população negra no país;
  • Que o Banco do Brasil apresente um plano de financiamento da estrutura de saneamento básico dos territórios negros no Brasil, no campo e na cidade;
  • Que o Banco do Brasil apresente um plano de financiamento de implantação e melhorias do transporte público para trabalhadores negros e negras dos territórios negros, inclusive com “tarifa zero” a população negra;
  • Que o Banco do Brasil apresente um plano específico de financiamento de projetos de pesquisas para pesquisadores negros nas universidades brasileiras, inclusive sobre o processo de escravidão, seu financiamento e estruturação no Brasil;
  • Que o Banco do Brasil garanta bolsas estudantis de permanência a todos os estudantes negros presentes em escolas da educação básica e universidades públicas brasileiras;
  • Que o Banco do Brasil apresente um plano de reforma e ampliação das escolas de educação básica públicas do país;
  • Que o Banco do Brasil NÃO financie empresas e empresários – de qualquer ramo – envolvidos, direto ou indiretamente, em crimes de racismo e trabalho escravo contemporâneo;
  • Que o Banco do Brasil anistie as dívidas financeiras de todos os correntistas negros – funcionários públicos, trabalhadores de carteira assinada, pequenos produtores da agricultura familiar, trabalhadores informais e desempregados– pertencentes ao quadro de clientes, exceto os grandes empresários e empresas;
  • Que o Banco do Brasil tenha uma política de valorização de carreira dos seus funcionários pretos e partos, garantindo acesso a cargos de gerência, igualdade, equidade e valorização salarial;
  • Que o Banco do Brasil financie a confecção de livros, jogos, materiais audiovisuais e didáticos de combate ao racismo e distribua nas escolas e universidades públicas;
  • Que o Banco do Brasil financie projetos, eventos acadêmicos e sociais cuja finalidade seja o conhecimento e combate ao racismo;
  • Que o Banco do Brasil financie projetos de intercâmbio entre escolas e universidades brasileiras com universidades e escolas do continente africano;
  • Que o Banco do Brasil financie um grande projeto de pesquisa e divulgação sobre a memória da escravidão e os beneficiários contemporâneos desse crime lesa humanidade;
  • Que o Banco do Brasil financie um grande projeto de incentivo, proteção e valorização das religiões de matriz africana e cultura negra;
  • Que o Banco do Brasil financie a construção de “Museu Nacional sobre a Escravidão no Brasil e de Combate ao Racismo”;
  • Que o Banco do Brasil inverta sua política de financiamento da agricultura, favorecendo a agricultura familiar e não o agronegócio;
  • Que o Banco do Brasil financie programas internos dentro de sua instituição que valorize as Mulheres Negras, incentivando inclusive que elas ocupem cargos de chefia e liderança;
  • Que o Banco do Brasil financie programas voltados para a promoção e incentivo de Mulheres Negras no campo da Ciência;
  • Que o Banco do Brasil promova e financie políticas de combate ao Machismo em relação às mulheres negras
  • Que o Banco do Brasil promova e financie políticas de combate à LGBTfobia, TRANSFOBIA e outras formas de discriminação e violência à comunidade LGBTQIA+

Cláudio: A questão histórica da reparação da escravidão no Brasil, com a titulação dos territórios quilombolas no documento que enviaram ao MPF parece ser central, quais avanços vcs esperam formalmente do BB e do governo Lula? E quais os próximos passos?

Rosenverk: Não esperamos muita coisa ou nada de estrutural do BB ou do governo Lula. Eles continuarão com medidas paliativas e políticas de ações afirmativas – que volto a ressaltar, são importantes, mas insuficientes. Quanto ao próximo passo, considero que é fundamental que as organizações do Movimento Negro possam se reunir nacionalmente, ampliar e aprofundar as discussões em torno da Reparação Histórica e que tenhamos propostas e exigências unificadas em torno dessa pauta. É fundamental não capitularmos ao governo e às propostas paliativas do BB. É fundamental que a política de Reparação não seja minimizada ou desvirtuada em sua essência. Temos que estar juntos – no diálogo e na luta – com o movimento quilombola, com os movimentos negros, com as organizações populares e não retroceder em nossas propostas. Várias entidades do movimento negro governista recuaram e até desvirtuaram e esqueceram as Políticas de Reparação. Nossa tarefa é recuperar essa Política, recuperar a luta nas ruas e avançar na conquista e garantia de direitos para o nosso povo. É necessário Aquilombar para Reparar!

Intervenção de Elias José Alfredo, do Quilombo Raça e Classe, durante Audiência Pública do MPF, sobre o papel do Banco do Brasil no financiamento do trafico e escravidão no Brasil, em Madureira/RJ na Quadra da Escola de Samba Portela, em dezembro de 2023.

Intervenção de Elias José Alfredo, do Quilombo Raça e Classe, durante Audiência Pública do MPF, sobre o papel do Banco do Brasil no financiamento do trafico e escravidão no Brasil, em Madureira/RJ na Quadra da Escola de Samba Portela, em dezembro de 2023.