Internacional

Israel monitora ativistas pró-Palestina em todo o mundo, incluindo no Brasil

Ativistas, coletivos e jornalistas aparecem em relatórios do Ministério da Diáspora de Israel. Soraya Misleh, militante do PSTU e da LIT-QI está na lista

Jorge H. Mendoza and Marcel Wando, de São Paulo

6 de outubro de 2025
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Soraya Misleh, jornalista palestino-brasileira e militante do PSTU e da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI)

O governo de Israel tem monitorado ativistas pró-palestina em todo o mundo e os classificado como agentes antissemitas. Desde o final de 2024, o Ministério dos Assuntos da Diáspora e Combate ao Antissemitismo (MDA) vem publicando um relatório semanal das mobilizações ao redor do mundo e as principais pessoas e organizações envolvidas. Nos relatórios, cada um dos eventos são classificados numa escala de potencial de violência o que mostra bem o caráter do monitoramento e a tentativa de criminalização das críticas à Israel. O Ministério produz os relatórios com base em inteligência de redes sociais, monitoramento tecnológico e fontes abertas e admite que não é um estudo rigoroso e sistemático.

Embora os relatórios sejam classificados como restritos e não divulgados, é possível acessá-los pelos portais do governo sionista. O Opinião Socialista analisou 30 desses relatório e constatou que dezesseis organizações e ativistas brasileiros têm seus nomes listados (veja tabela abaixo). São comitês de solidariedade, frentes de luta, movimentos sociais, ativistas e jornais de esquerda.

Na mira do sionismo

Entre as menções mais frequentes, está a ativista síria-palestina Rawa Alsagheer. “Esse é um sinal de fraqueza. Isso só mostra para nós o quanto é frágil a ocupação sionista”. Rawa faz parte também da casa cultura Al Janiah, mencionada nos relatórios, e também da Samidoun – Rede de Solidariedade aos Prisioneiros Palestinos. O Ministério da Defesa de Israel a considerada uma organização terrorista desde 2019. “É um sinal de desespero em um momento que eles não estão ganhando em Gaza. Momento em que eles mostram suas forças só pelo bombardeio e assassinando civis. Todo mundo agora sabe o que é o lobby sionista e como ele funciona”.

Soraya Misleh, do PSTU, também aparece na lista. Soraya é jornalista palestino-brasileira, autora de livros sobre a questão palestina e membro da Frente em Defesa do Povo Palestino em São Paulo. “Eles sempre fizeram isso e para mim não é surpresa. Há muito tempo a gente sabe que tem o nome na lista. Tanto é que eu tive duas entradas negadas na Palestina, dizendo que eu era uma ameaça à Segurança de Israel. Como se eles fossem um Estado que está se defendendo. Essa é uma retórica mentirosa”.

Os militantes e a imprensa ligada ao Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT) também estão na lista. Entre eles Bruno Gilga que, no momento dessa matéria, encontra-se detido em Israel junto com outros membros da Flotilha Sumud, da qual a CSP-Conlutas faz parte também. Para Diana Assunção, esse monitoramento tem caráter político, “para dar subsídios e informações para as práticas do Estado de Israel, para constranger e coibir aqueles que lutam contra o genocídio na palestina”.

Coluna do PSTU e da LIT-QI no ato em São Paulo (SP) em apoio à resistência palestina

Protestos antissemitas

Um fato curioso sobre os relatórios é que eles dizem classificar os protestos como sendo antissemitas, de acordo com uma escala de potencial de violência. Contudo, para os mencionados na lista, essa é uma falsa equivalência. Segundo Diana, essa é mais uma “propaganda política querendo confundir a luta contra o massacre do povo palestino com antissemitismo. Isso é um crime e um absurdo”. Para ela, a crítica da ideologia sionista e suas práticas coloniais não podem ser confundidas com preconceito e ódio contra os judeus. São coisas totalmente diferentes.

Soraya Misleh vai na mesma linha. “Não existe esse sinal de igual entre antissionismo e antissemitismo. Esse sinal de igual é posto para intimidar e criminalizar a crítica”. Segundo Soraya essa é uma diferenciação muito importante e tem sido muito discutida inclusive pelos judeus antissionistas, aquelas e aqueles que não tem acordo político com o projeto político do Estado de Israel que busca sequestrar a identidade religiosa dos judeus para esconder seus crimes. Para Soraya, ao lado dos investimentos militares, o investimento em vigilância é prioritário para um Estado colonial, racista, supremacista e de apartheid. Isso tudo faz parte de uma propaganda ideológica permanente que os sionistas chamam de hasbara, palavra em hebraico que quer dizer “explicação”.

O papel do MDA

O Ministério dos Assuntos da Diáspora e Combate ao Antissemitismo (MDA) de Israel, criado em 1999, conecta o país com a diáspora judaica global (120 mil no Brasil) e se propõe a combater o antissemitismo, promovendo ações de intercâmbio e diplomacia. Liderado por Amichai Chikli desde 2023, o MDA intensificou o monitoramento de protestos anti-Israel via relatórios semanais restritos, usando inteligência digital para prever riscos a ativos israelenses. No Brasil, o MDA colabora com a Confederação Israelita no Brasil (CONIB), relatando um aumento de 70% em incidentes antissemitas em 2024, ligados a tensões após a escalada de 7 de outubro.

A saída do Brasil da Aliança Internacional de Memória do Holocausto (IHRA) em julho de 2025, após apoio à ação de genocídio contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ), foi criticada pelo MDA como “vergonhosa”, agravando laços diplomáticos. Mesmo que o governo Lula não tenha feito nada além de declarações e tenha mantido todas as relações econômicas, comerciais e militares com Israel, o fato é que o MDA tem feito um forte lobby para que governos adotem as definições do IHRA de antissemitismo, o que, na prática, enquadra qualquer crítica aos crimes de Israel como prática antissemita.

Por isso críticos veem o MDA como parte da “hasbara“, a diplomacia pública e propaganda ideológica sionista, que rotula críticas à ocupação como antissemitismo, silenciando ativistas pró-Palestina no Brasil e globalmente. Relatórios que mapeiam protestos, como o de agosto de 2025, são acusados de vigilância excessiva. Ou seja, muito mais do que combater o antissemitismo, o MDA na verdade tem servido como lobista e como blindagem aos crimes da ocupação sionista na Palestina.

Intimidação?

Apesar de classificarem como tentativa de intimidação, os mencionados nas listas não parecem nem um pouco intimidados; aliás, pelo contrário. “Isso mostra o quanto eles estão incomodados com a existência de uma casa cultural e política no centro de São Paulo [Al Janiah]. Com esse incômodo nós ficamos felizes, orgulhosos de estar nessas listas. Isso prova que nossa voz está chegando, que está incomodando”, afirmou Rawa. Ela ainda completou: “Podem sair mil listas, eles nunca vão para a gente.”

Soraya conta que, para os palestinos, se você não foi preso ainda nas masmorras sionistas é porque não está realmente defendendo a Palestina, pois todos serão presos em algum momento. Perguntamos a ela ela como é ter o nome na lista e a resposta foi: “considero isso como um serviço prestado ao povo palestino”. “Se eles estão pondo nossos nomes na lista, é porque estamos incomodando”.

Sobre a efetividade dos atos de solidariedade, Soraya diz que é importante aumentar o isolamento do Estado genocida e ampliar as denúncias, ecoando as vozes palestinas. “Se estamos incomodando eles a esse ponto, de perseguir, monitorar, vigiar e expor pessoas, é muito importante também dizer que o Brasil deve romper relações imediatamente com o Estado de Israel, que tenta intimidar e criminalizar protestos dentro do país. Isso é um completo absurdo”.

Organizações mencionados

Organização Menções Principal Motivo da Menção
Frente Palestina São Paulo 17 1. Oposição à Exportação de Aço: Planejamento de ações contra a exportação de aço brasileiro para a indústria militar israelense em Santos. 2. Protestos Anti-Trump: Oposição às declarações de Donald Trump sobre “deslocamento forçado” de palestinos. 3. Rompimento de Relações: Vigília pela ruptura das relações diplomáticas Brasil-Israel.
MST 10 Listado em protestos multi-cidades contra as declarações de Donald Trump sobre deslocamento forçado de palestinos.
Coletivo Palestina Livre – Baixada Santista 4 Planejamento de protestos contra a exportação de aço brasileiro para uso militar israelense no Porto de Santos.
BDS Brasil 4 Participação em ações para bloquear a saída de navio com 50 toneladas de aço brasileiro no Porto de Santos, destinado a uso militar israelense.
Esquerda Diário 4 Apoio à Flotilha Global Sumud e protestos contra a postura da Alemanha em relação a Israel.
Faísca Revolucionária 4 Participação em eventos de solidariedade com Gaza e apoio à Flotilha Global Sumud.
Al Janiah 2 Casa cultural citada por exigir o fim da ocupação e participar de vigília pela ruptura das relações diplomáticas Brasil-Israel.
Ação Antifascista São Paulo 1 Participação na vigília de 24h pedindo a ruptura das relações diplomáticas Brasil-Israel.

Ativistas mencionados

Nome Menções Principal Motivo da Menção
Rawa Alsagheer 12 Ativista listada como influenciadora em protestos contra Donald Trump e na vigília pelo rompimento das relações Brasil-Israel.
Thiago Ávilla 11 Apoiador de protestos contra declarações de Donald Trump sobre o “deslocamento forçado” de palestinos em várias cidades brasileiras.
Letícia Parks 4 Ativista em manifestações de solidariedade com Gaza, apoio à Flotilha e protestos contra o colonialismo.
Diana Assunção Soubihe 4 Listada em eventos de solidariedade com Gaza, apoio à Flotilha e protestos anti-coloniais.
Bruno Gilga Rocha 4 Integrante de eventos e protestos em apoio à Flotilha Global Sumud e em solidariedade à Palestina.
Soraya Misleh 2 Jornalista e ativista palestino-brasileira listada por apelos pelo fim da ocupação e críticas a declarações de Donald Trump.
Leonardo Péricles Vieira 1 Organização de vigília de 24h em São Paulo pedindo ruptura imediata das relações diplomáticas Brasil-Israel.
Vivian Mendes 1 Participação na vigília de 24h pedindo a ruptura das relações diplomáticas Brasil-Israel.
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