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Leninismo sim, Stalinismo não! A vida de Alexei Kosterin da oposição comunista na URSS

Luís Morona, de São Paulo (SP)

13 de outubro de 2025
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Kosterin teve uma vida marcada pelos processos da revolução russa de 1917, foi ao longo de sua vida um veterano bolchevique, que pelas contradições históricas sofreu com o processo de destruição e burocratização da URSS, perseguido e expulso do partido três vezes

Kosterin nasceu em 1895 na província de Saratov, na Rússia, filho de um metalúrgico qualificado. Envolveu-se no movimento revolucionário aos 16 anos, seguindo o exemplo de seus dois irmãos mais velhos, e passou três anos na prisão por suas ações.

Nos momentos de tensões políticas, juntou-se aos bolcheviques em 1916. Seus pais também aderiram ao partido em 1918. Após a Revolução Bolchevique de 1917, Kosterin foi enviado para organizar destacamentos partidários no Cáucaso do Norte.

Capturado pelo Exército Branco do general Denikin, conseguiu escapar sob fogo para a Chechênia. Em 1920, foi nomeado comissário militar da região e, posteriormente, tornou-se secretário do Comitê Regional do Partido Cabardiano. Em 1922, mudou-se para Moscou, onde trabalhou como escritor e jornalista, publicando sua primeira coleção de contos em 1924.

Apesar de sua história de luta, Kosterin foi preso em 6 de maio de 1938, acusado de ser um “elemento socialmente perigoso” e sentenciado a cinco anos em um campo de trabalho, sendo essa sua primeira expulsão do partido.

A perseguição política

Após a morte de Lênin, o isolamento da URSS e a guerra civil que matou um setor da classe operária que fez a revolução, a Rússia começou a dar passos largos no processo de burocratização.

Um processo que desaguou nos ataques e expurgos realizados aos antigo bolcheviques do Comitê Central do partido e da maioria que ousava criticar os erros internos e externos do partido comunista da URSS. Esse processo foi destruindo o partido internamente, expulsando e assassinando todo um setor revolucionário de 1917 e toda uma nova geração de revolucionários.

Esses expurgos afetaram Kosterin, que foi preso principalmente por ser um crítico, ou seja, ter uma opinião divergente da burocracia do partido que dominava com mãos de ferro a ‘’democracia’’ interna do partido onde nada mais se tinha do partido bolchevique e toda a sua história de democracia interna, intensos debates e divergências abertas entre os militantes

Vida pós-prisão

Após cumprir sua pena, Kosterin viveu nas províncias de Rostov e Saratov, trabalhando como civil por dois anos. Com a morte de Stálin em 1953, retornou a Moscou e foi reintegrado ao partido em 1955.

Logo após a morte de Stálin, se deu início ao XX Congresso denunciando os crimes de culto à personalidade. Porém, esse processo de ‘’aparência democrática’’ não poderia ir até o fim.

Se o falso processo de “desestalinização parcial”, e a defesa de liberdades na URSS, fossem até o fim, o próprio processo faria com que a burocracia se visse ‘’desnudada’’ diante dos trabalhadores e isso afetaria todo alto escalão da URSS, mostrando que eles estiverem junto a Stálin durante os anos de crimes contra os comunistas e pela destruição dos processos revolucionários.

Mesmo assim, sob a liderança de Kruschev, houve certa abertura, e Kosterin viu nesse momento uma oportunidade de mudança. Ele acreditava que, com a morte de Stálin e o processo de desestalinização, se abriria uma novo processo de disputa interna pelo enfraquecimento da burocracia.

Em sua volta à militância, começa a fazer campanha em nome dos chechenos , tártaros da Crimeia e outras pequenas nações que tinham sido submetidas à deportação em massa durante a guerra, pela qual ele foi expulso do PCUS em 1958, mas depois readmitido novamente.

Oposição ao stalinismo

Kosterin defendia o retorno a Lênin, um regime socialista democrático contra a caricatura de socialismo que é o stalinismo. Nas palavras dele:

Socialismo marxista-leninista, limpo da lama, regenerado e capaz de desenvolver-se em plena liberdade.

Essa ‘’plena liberdade’’ esteve presente nos tempos da revolução russa, onde o partido bolchevique era uma ferramenta de crítica à realidade e tinha intensos debates, e não um aparato de funcionários e senhores que viviam de privilégios.

Lutando pelos ‘”princípios leninistas” na defesa do partido de Lênin contra a burocracia construída a partir das mortes expulsões dos mais diversos lutadores orquestrada por Stálin, Molotov, Karagqechiv e muitos outros.

Revoltas dos trabalhadores

Foi assim que, em 1968, um ano que explodiu em revoltas no mundo, como na França, também ocorreu a Revolução Tcheca de 1968 que foi intensamente reprimida pelos tanques do partido da URSS.

Juntas, levantaram-se como revoltas e diversas oposições isoladas e clandestinas, que ganhavam cada vez mais força. Eram vozes que demonstravam o nascimento de uma oposição que colocava a necessidade de um combate decisivo contra a burocracia e pela construção e pelo socialismo na URSS.

É nesse sentido que Kosterin aparece, pois setores da oposição tem sua tradição apoiada no bolchevismo e Kosterin representava um símbolo dessa tradição. Esses grupos de pessoas de oposição nascidos e construídos antes e durante de 1968 tem como seus integrantes como diz Broué:

(…) pessoas de todas as gerações e das mais diversas condições, mas todos estão marcados por sua fidelidade ao bolchevismo e à tradição revolucionária de outubro.

Nessa ocasião, encontram-se pessoas ilustres como: Pavel litvinov, Piotr Yakir, Tukhachevski, Piotr Grigorenko, Ivan Yakimovich, Anatoli Marchenko, larissa Bogoraz, Olga Yoffe, Arina Yakir, Valeria Novovordskaia, Irian Belgorodskaia e Lina Kaplan e muitos outros conhecidos e desconhecidos influenciados por Kosterin e lutando por um programa que muitos no passado pagaram com a vida.

Kosterin e a oposição

Kosterin vai ganhando um setor do ativismo em torno de si, principalmente de escritores, poetas e historiadores. Esse ativismo tinha como ferramenta a utilização de samizdtas ( Os “samizdat” eram cópias feitas, geralmente, a mão ou datilografadas) onde colocavam suas críticas

No decorrer dos processos os samizdats da oposição vão circulando com textos expondo denúncias a burocracia, como coloca Broué

os textos da oposição denunciam a burocracia como um setor privilegiado, gerado e apoiado pelo aparato do partido, e culpado de ter usurpado em seu próprio benefício o poder político, se utilizando para sua manutenção no poder de sua polícia política e, no geral, de métodos opostos não só ao espírito do comunismo, mas também a própria letra da constituição soviética

A burocracia não perde tempo e se lança contra a oposição, que vai sendo duramente atacada com mentiras, prisões e acusações falsas. Isso ajuda Kosterin a ganhar mais adeptos, sendo o principal signatário de uma carta aberta acusando o governo soviético de violar os direitos humanos, acrescentando que:

Existem vários milhares de presos políticos, sobre os quais quase ninguém sabe, que estão em campos e prisões. Eles são obrigados a condições desumanas de trabalho impostas, em uma dieta de semi-fome, expostas às ações arbitrárias da administração. Depois de cumprirem suas sentenças, eles ainda são submetidos a perseguição extrajudicial e muitas vezes ilegal

A Morte de Kosterin

Com a movimentação de Praga de 1968 diversos textos, abaixo-assinados públicos e declarações são assinadas e distribuídas para as pessoas. Kosterin e outros lutadores colocam a necessidade de um socialismo feito pelas bases. A KGB antiga NKVD partiu para cima dos oposicionistas, que, em sua grande maioria, já tinham passado por prisões, hospitais psiquiátricos, campos de trabalho e ameaças sofridas.

Essas prisões de vários oposicionistas fizeram com que o grupo da oposição realize o primeiro ato público depois de 40 anos contra a polícia política, na Praça Vermelha. Isso inflamou vários jovens e incitou diversas pichações e panfletagens, contribuindo para que a oposição ganhasse força. Yakimovich escreveu um texto com a linha dos oposicionistas: “Leninismo, sim! Stalinismo, não!”

Kosterin, não pode participar dessas manifestações pois estava acamado por um primeiro infarto que o acometeu. Mesmo acamado foi chamado pelo partido da URSS para ser expulso novamente , mas não pode comparecer pois sofreu de mais um ataque cardíaco vindo a falecer, respondendo o partido com uma última carta dizendo que estava se demitindo do partido, onde afirmava:

Com a carteira do partido ou sem ela, fui, sou e seguirei sendo marxista-leninista, comunista e bolchevique. Assim tem sido minha vida, desde a juventude até o túmulo

Seu enterro foi marcante, como diria Broué um ‘’renascimento’’, pois a última manifestação pública e crítica por ocasião de enterro foi a do camarada Yoffe durante as falas da oposição de esquerda com Rakosvky e Trotsky, que nessa época já haviam sido assassinados .

Grigorenko um membro da oposição declara que foi a primeira assembleia livre(…) depois de várias décadas de silêncio asfixiante.

É diante de sua tumba que Anatoli Yakobson, outro membro da oposição o chama de ‘’bolchevique leninista “, termo utilizado pela oposição de esquerda na URSS em 1930 e pelos trotskistas, cujos alguns sobreviventes Anatoli conviveu nos campos de concentração.

Como não ser impressionado pela força do espírito desse homem; esse homem que preservou suas convicções no meio dessa massa sombria de pessoas, gangrenada por preconceitos e ideias pré-concebidas; esse homem que preservou suas convicções através das torturas da casa de Vaskov, do horrível Magadan onde foi preso em maio de 1938, e do campo de concentração de Kolyma; que preservou as suas convicções mesmo após a “reeducação” feita pelos fariseus e hipócritas dos fanáticos e pequeno-burgueses. Olhando a vida desse homem, só se pode dizer, “Realmente, os homens de outubro eram uma geração forte”

Eu amava Alexis Kosterin por causa de seu grande espírito; Amava-o como cidadão. Uma empatia que fluiu de nossos destinos compartilhados, sem dúvida, também desempenhou um papel. Mas eu o amava particularmente pela clareza de seu pensamento, por sua fidelidade às suas ideias.

Kosterin um ‘’bolchevique leninista’’?

A burocratização na URSS enterrou os princípios do Bolchevismo, destruiu sua democracia interna, o partido de combate, o partido vivo, que tinha em torno deles revolucionários que dedicaram sua vida à revolução e que pertenceram ‘’a uma geração sacrificada pela História’’

A oposição comunista na URSS não conseguiu fazer uma ligação com a oposição de esquerda de 40 anos atrás e o programa da Quarta Internacional. Pela censura na época e o apagamento quase total das figuras e livros da oposição de esquerda e seus distanciamentos. O pouco que tiveram acesso foi um texto de Leon Trotsky sobre a Revolução Russa em um samizdat.

Nesse sentido, por mais que chegassem à necessidade de uma restauração do partido de Lênin e o fim dos privilégios e da burocracia, não conseguiam ligar esses problemas com a questão internacional e se adequar a um programa de superação dos seus problemas, levando muitos da oposição a uma total desmoralização durante os anos, passando a renegar o marxismo.

Kosterin nos campos de trabalho da NKVD tinha se convencido que o ‘’marxismo-leninismo tinha sido sepultado e que o partido de Lênin tinha deixado de existir’’. Mesmo assim, não parou de lutar nenhum dia.

Como coloca Leon Trotsky em Stalinismo e Bolchevismo:

As qualidades morais bolcheviques de abnegação, desinteresse, audácia e desprezo por todo ornamento e falsidade – as maiores qualidades do ser humano! – derivam de sua intransigência revolucionária a serviço dos oprimidos

Por fim podemos colocar as últimas falas de Kosterin, como significado importante contra o stalinismo e a burocratização da URSS:

Sou um soldado do exército revolucionário leninista, um representante da geração que caminhou ao lado de Lênin, e por esta razão, arriscando a minha vida até meu último suspiro, e inclusive depois da minha morte, lutarei pelas ideias e pela doutrina definidas por Marx, Engels e Lênin

Kosterin foi um desses que nunca perdeu sua convicção revolucionária. Mesmo diante da repressão, manteve sua luta por um socialismo livre da burocracia e da opressão. Seu legado permanece como um exemplo de resistência e compromisso com os ideais de Outubro! Como muitas das suas gerações que caíram lutando por um mundo livre!

Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.
Bertolt Brecht

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