Nacional

Meta fiscal: Pequenas desavenças, grandes acordos

Polêmica sobre meta fiscal não tira o grande acordo que une Lula, Haddad, Lira e banqueiros em torno ao Arcabouço Fiscal

Diego Cruz

8 de novembro de 2023
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Causou certo alvoroço a fala do presidente Lula, no último dia 27, dando a entender que o governo não cumpriria a chamada “meta fiscal” para 2024, que ele próprio fez aprovar no Congresso Nacional. Para ser honesto, ele nem chegou a dizer que não cumpriria, mas, sim, afirmou que “o que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal, a gente vai cumprir, o que eu posso dizer é que ela não precisa ser zero”.

O que é essa “meta fiscal”? É o objetivo colocado pelo governo para os próximos anos, tanto no Arcabouço Fiscal (o novo Teto de Gastos que, tal como o teto de Temer, restringe os gastos públicos para pagar a dívida aos banqueiros), como no próprio orçamento de 2024. Zerar o déficit significa “empatar” a arrecadação com os gastos, excluindo dessa conta o principal deles: os juros da dívida.

O próprio mercado já contava com o não cumprimento do déficit zero. Não por falta de empenho do governo, diga-se, já que houve cortes na Saúde, na Educação e, mais recentemente, em pesquisa, através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A questão é que, para atingir isso, o governo teria que arrecadar pelo menos R$ 168 bilhões a mais. E o que vem acontecendo é justo o contrário, entre outros fatores, pela desaceleração da China e o caráter dependente da economia brasileira.

Jogada ensaiada

Na frente das câmeras, Lula reclama do mercado; mas, na prática, toda a sua política econômica é voltada aos interesses dos grandes monopólios nacionais e internacionais. 

O Arcabouço saiu do gabinete de Haddad, com o acordo de Lula e Arthur Lira, e com uma meta considerada “ambiciosa”, a fim de atender a esse mesmo mercado; ou, em bom português, os banqueiros, os grandes fundos de investimentos, como a norte-americana BlackRock, que faz fortuna parasitando o país com os juros altos. E, para isso, liberou algo como R$ 8 bilhões do “orçamento secreto” para comprar votos no Congresso.

Criou-se um quadro de uma crise interna no governo, em que a tal “ala política”, pressiona por mais gastos, enquanto outra, a “econômica”, capitaneada por Haddad, estaria comprometida com o ajuste e o mercado. Esse clichê do policial bom e o policial mau resiste aos fatos. Lula, Haddad, Arthur Lira e o Centrão, bem como os banqueiros e o conjunto da burguesia, estão unificados em torno do novo teto. 

As diferenças se resumem a abrir um espaço mínimo no orçamento, de uns 0,25%, a fim de viabilizar algumas poucas obras mirando as eleições, mas que não representam nenhuma mudança significativa do regime de austeridade e cortes de gastos. Uma rusga também atiçada pelas últimas pesquisas que já revelam um desgaste do governo.

Privatização avança

Enquanto resolve o tamanho do arrocho para os próximos anos, o governo avança com as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e as privatizações em praticamente todos os setores: do saneamento básico, mantendo a Eletrobrás privada (estamos vendo o resultado disso em São Paulo), até os presídios.

Programa

Revogar o Arcabouço Fiscal e todos os tetos de gastos

Para reverter o sucateamento dos serviços públicos, e impedir o seu aprofundamento, é preciso revogar por completo o Arcabouço Fiscal de Lula, e todos os mecanismos de ajuste fiscal, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), substituindo-a por uma Lei de Responsabilidade Social. 

É preciso parar de pagar a dívida aos banqueiros, redirecionando essa grana para Saúde, Educação, emprego, moradia, saneamento e reforma agrária, parando todas as privatizações, revogando as terceirizações e retomando as empresas entregues, sob controle dos trabalhadores.

Privilégios

A balela da taxação dos super-ricos

No final de outubro, a Câmara aprovou a taxação dos chamados “fundos exclusivos”, uma espécie de fundo que, só para ser aberto, requer R$ 10 milhões. Calcula-se que só 2,5 mil brasileiros tenham esse tipo de conta, que acumularia, no total, um montante de R$ 756 bilhões.

A própria existência desses fundos é uma excrescência, já que seus rendimentos não são taxados. O magnata só paga uma taxa de 15% quando vai sacar a grana. Enquanto um trabalhador, que recebe pouco mais de dois salários mínimos, é taxado na fonte, pelo Imposto de Renda, e uma família de baixa renda deixa grande parte de seu rendimento em impostos sobre o consumo, esses super-ricos engordam suas fortunas sem pagar um centavo.

Presentão de Natal

O que o projeto apresentado pelo governo, e alterado na Câmara, faz? Impõe uma taxação de 15% sobre os rendimentos a cada seis meses, como outros fundos. Bom, não é? O problema é que ele baixa essa taxa do saque de 15% para 8%. 

O que vai acontecer, então, é que esse pessoal vai simplesmente trocar de fundo, por outro que continua isento, como o fundo de investimento do agro, o Fiagro. Alguém que tenha acumulado R$ 10 milhões após anos de isenções, poderia tirar esse dinheiro deixando R$ 1,5 milhão de imposto. Agora, só vai desembolsar R$ 800 mil. Um presente de Natal aos super-ricos.

Desonerando os ricos

Não é à toa que a Medida Provisória do governo Lula tenha sido elaborada no governo Temer e defendida por ninguém menos que o próprio Temer. Ao invés de taxar os ricos, vai desonerar ainda mais, causando um prejuízo avaliado em R$ 20 bilhões.