Ministério Público Federal reforça pedido para que a CEF abra seus arquivos sobre poupança de escravizados
Ação faz parte de iniciativa do Movimento Quilombo Raça e Classe para trazer à tona relação de bancos com a escravidão no Brasil
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou, no último dia 17 de outubro, que a Caixa Econômica Federal (CEF) apresente um plano de identificação de todas as contas abertas por pessoas escravizadas, ou ex-excravizadas, em seu acervo. O MPF deu 30 dias para a entrega desse plano, e 180 dias para a divulgação completa dessas poupanças, apresentando não só os nomes dos titulares, como a destinação dos valores (se foram sacados, retidos ou transferidos após a abolição).
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A iniciativa decorre de uma representação do movimento Quilombo Raça e Classe (filiada à CSP-Conlutas), ao Ministério Público contra a CEF, exigindo a prestação de contas sobre poupanças de pessoas escravizadas no Século XIX. A partir disso, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão abriu um inquérito civil sobre o tema. É a primeira vez que um banco público está sendo intimado a prestar informações sobre a sua relação com a escravidão no país.
O MPF já havia intimado a CEF para que a instituição informasse quais medidas estava tomando para organizar e catalogar o acervo histórico sobre esse período. Segundo a investigação, “a CEF apresentou informações desencontradas. Inicialmente, informou dispor de 85 cadernetas de poupança pertencentes a pessoas escravizadas; posteriormente, indicou a existência de 140 documentos desse tipo, além de 173 livros com registros diversos”. O banco, contudo, alegou que a pesquisa não abarcou o acervo completo, e que parte do material ainda não foi catalogado e digitalizado.
Segundo o MPF, “a ausência de informações organizadas sobre essas contas e sobre o destino do dinheiro indica possível negligência da empresa pública e representa uma forma de apagamento da memória e da história da população afrodescendente”. A nova recomendação do MPF é assinada pelo Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Júlio José Araújo Júnior, e encaminhada ao Presidente da CEF.
Entenda o caso
Um ano após a promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, a Caixa (fundada dez anos antes) começou a aceitar a abertura de cadernetas de poupança de pessoas escravizadas. Geralmente, essas poupanças eram economias guardadas para que a própria pessoa comprasse sua alforria, ou a de parentes. Há fortes evidência, porém, que, após a abolição da Escravidão, em 1888, parte dessas poupanças ficaram retidas. Esse confisco serviu para aprofundar a desigualdade social após a Abolição formal da escravidão, perpetuando a marginalização da população negra ao longo das gerações seguintes.
Diante da abertura do inquérito e da intimação do MPF, a diretoria da Caixa Econômica Federal tentou se justificar afirmando que não existem registros de poupanças ou conta corrente de escravizados retidos pelo banco. No entanto, apesar de afirmar que a instituição conta com 15 mil metros de documentos da época preservados, relata que demorariam duas décadas para a completa organização e catalogação desse material, numa mostra que a direção do banco não está interessada em investigar a relação da instituição com a escravidão.
A ação provocada pelo movimento contra a Caixa Econômica Federal faz parte de um processo mais amplo, de investigação histórica para trazer à luz a relação promíscua de cumplicidade entre Estado e instituições financeiras na escravização de milhões de pessoas durante três séculos. Grandes bancos, como o Banco do Brasil, que hoje, embora ainda estatal, gera bilhões em dividendos para acionistas privados, e cuja riqueza foi construída através de trabalho escravo no Brasil. Um capítulo dessa história está sendo revelado por sérias pesquisas acadêmicas, como a de Keila Grinberg.
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“Essa nova iniciativa do Ministério Público Federal é importante, mas não basta, precisamos continuar pressionando para que a direção da CEF pare de enrolar e apresente todas as informações sobre sua relação com a escravidão”, exige Cláudio Donizete, do Movimento Quilombo Raça e Classe e da Secretaria de Negras e Negros do PSTU. “Essa luta é para mostrar a responsabilidade não só do Estado, mas das instituições financeiras que cooperaram com o crime da escravidão no Brasil e que têm, portanto, responsabilidade na reparação histórica da população negra”, completa.
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