Internacional

“Não dá mais pro bolso”: Crônica da Situação Argentina

Os trabalhadores estão carregando o suficiente para um ou dois dias. Frente à brutal perda do poder aquisitivo no último período, o salário simplesmente "no alcanza"

Eduardo Henrique, do Rio de Janeiro (RJ)

8 de fevereiro de 2024
star5 (4 avaliações)
Manifestantes e transeuntes em frente ao Congresso comemoram o revés de Milei na votação da Lei Ómnibus
Manifestantes e transeuntes em frente ao Congresso comemoram o revés de Milei na votação da Lei Ómnibus

Durante toda a quarta-feira, e agora já passando das 8h da noite, as filas na Constitucción, uma espécie de Central do Brasil da capital argentina, só fizeram crescer. Numa situação quase surreal, o sistema de carregamento de créditos para o cartão de transporte entrou em pane. De um dia para o outro, o valor das passagens mais que triplicou e milhares de pessoas deixaram de ter crédito suficiente para subir no ônibus para ir ou voltar do trabalho.

Provavelmente, amanhã a cena se repetirá em algum grau, porque os trabalhadores estão carregando o suficiente para um ou dois dias. Frente a brutal perda do poder aquisitivo no último período, o salário simplesmente “no alcanza”. Amanhã, quem conseguir juntar mais 1000 ou 2000 pesos passará 40 minutos na fila. Outros, caminharão 40 minutos para economizar uma passagem. Ou terão a indignação espirituosa da senhora que subiu no ônibus e pediu para algum “cidadão de bem” lhe pagar o boleto, já que agora “somos todos livres”.

Milei lamenta-se do outro lado do muro pela puxada de tapete que tomou da direita tradicional, manda tuítes ameaçadores durante a madrugada (que ficou mais esquisito ainda ainda pelo fuso horário, mas parece que teve um pouco de insônia mesmo) e dobra a aposta. Diz que se não aprovam a Lei Ómnibus, os ajustes vão ser mais duros, os governadores traidores terão que bancar suas ações e que não vai mandar mais projeto de lei alguma para o Congresso, dando a entender que governará por decreto todo o ano de 2024.

Um novo e mais nocivo gás de pimenta, junto com a lei anti-manifestações vão a juízo, mas a Ministra Bullrich manda recado pro juiz na televisão e promete agora republicar a Doctrina Chocobar – forças federais de segurança poderão disparar sem dar voz de alto. E um deputado oficialista dá entrada em um projeto para derrogar a lei de aborto.

O fracasso da inabilidade e arrogância da “Liberdade Avança” na Câmara dos Deputados foi uma reviravolta aparentemente inesperada por todos (ainda que agora já apareçam uma turma do “eu já sabia”- sem contar o despreparo de quem assessorou ao lunático da Casa Rosada a retirar a Lei sem avisá-lo que se ia voltar a estaca zero – serviu de momento de alívio ou consolo (junto com a notícia da morte do carniceiro Sebastián Piñera, aliás). Mas é apenas a página 2 desta história.

As contradições são grandes. Nas filas do SUBE, o tal cartão de transporte, estão também aqueles que estão satisfeitos porque agora vão se ajeitar as coisas, apesar de que eventualmente tenha que caminhar de Once à 9 de Julho. À senhora citada também lhe responderam que fosse pedir a Cristina (K) que lhe pagasse o boleto. Assim como em uma situação que nenhuma geração jamais presenciou, não são raros os que acham que a polícia tem que ter mais poder de “porrada”.

O movimento sindical não pode cantar vitória ou dar-se por satisfeito pelo julgamento de inconstitucionalidade da Reforma Trabalhista. Os petroleiros nem o restante da população não podem relaxar porque a YPF não será totalmente privatizada, menos ainda porque seguem na berlinda desde a energia nuclear até a tecnologia de satélites, passando pelo bando de fomento. Se por um lado o kirchnerismo já fala do “Teorema da Semana Santa” (a suposta deadline para resolver a inflação ou não seguirá governando), se os investidores querem saber se Milei tem condições de governar, para nada se pode confiar ou apostar que o parlamentou ou judiciário irão frear a ganância do capital.

Mais que nunca, a resposta está na convocatória classista e unitária, que aposte na mobilização dos trabalhadores, que apresente um calendário, um novo paro general ou o que seja. Que deixe nítido que o inimigo de Milei – e ele já o identificou -, quem pode golpeá-lo de morte, é o socialismo, é a luta da classe operária. Porque todos por aqui, inclusive os apoiadores de Milei ou os resignados, não podem deixar de transparecer quem está pagando esta conta.

Seguramente, não seria a sensação térmica de quase 40 graus, o número de pessoas em situação de rua ou o aumento da criminalidade que mais impactaria um carioca em Buenos Aires. Mas esse “Basta!“, este “Já deu!” meio que estampado na cara de cada portenho.

Obs: Nosso correspondente é do RJ mas está de ferias em Buenos Aires

Atualização às 19h45 – Dia 08/02: Nesta Quinta-Feira, para se vingar dos governadores, Milei corta o subsídio do transporte. Em Córdoba, pode passar de $340 para $1.100!!