Meio ambiente

Nem mais uma boiada: Mobilização popular contra o retrocesso ambiental

Jeferson Choma

29 de maio de 2025
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Coluna do PSTU durante protesto contra mudanças climáticas em São Paulo, 2024 | Foto: Sérgio Koei

A única maneira de derrotar o Projeto de Lei 2159/2021, apelidado de “PL da Devastação”, é tomando as ruas de todo o país. E elas já estão sendo organizadas para acontecerem entre os dias 1° a 7 de junho. Na capital paulista, a manifestação será no próximo dia 7, às 14h, em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista.

O PL foi aprovado pelo Senado no último dia 20 e consiste em um pacote de destruição ambiental tão sonhado pela bancada ruralista. O projeto, relatado por ruralistas como Confúcio Moura (MDB-RO) e Tereza Cristina (PP-MS), foi aprovado sem debate, sem votação nominal e – o que é extremamente grave – sem a menor resistência do governo Lula, mostrando mais uma vez a submissão do PT ao agronegócio e ao grande capital.

O texto do PL implode o licenciamento ambiental no Brasil, facilitando licenças para termelétricas, hidrelétricas e linhas de transmissão, sob o pretexto de “segurança energética”. Medidas que flexibilizam o licenciamento ambiental, mesmo para empreendimentos de alto risco comprovado, como barragens de mineração, cujos rompimentos em Mariana (2015) e Brumadinho (2019) resultaram em 291 mortes e mais de 1.469 km de rios contaminados.

O projeto também transfere para os estados e municípios a autonomia para definir quais projetos podem ser isentos de licenciamento. Na prática, o licenciamento deixará de existir, pois governos e políticos sacrificarão proteções ambientais para atrair investimentos privados. Além disso, essa medida fragiliza a fiscalização ambiental que, além de extremamente sucateada nos estados e municípios, sofrerá uma enorme pressão do poder político e econômico.

Vejam, mesmo com o licenciamento ambiental atual essas catástrofes ocorreram. Imaginem um cenário com uma lei muito mais frouxa. Trocando em miúdos, isso significa que novos “Brumadinhos” e “Marianas” serão catástrofes rotineiras neste país.

O projeto também vai atingir as Terras Indígenas, os Territórios Quilombolas e as Unidades de Conservação (Parques, Reservas Extrativistas, Ecológicas etc.), ao excluir do licenciamento as Terras Indígenas e Quilombolas ainda não regularizadas e ao considerar Unidades de Conservação apenas em caso de impacto direto. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), essa mudança pode deixar desprotegidos cerca de 40% dos territórios indígenas e mais de 96% das comunidades quilombolas sem titulação. Por baixo, o cálculo do ISA estima que o desmatamento pode aumentar em uma área equivalente ao tamanho do estado do Paraná.

“Mãe de todas as boiadas”

A aprovação do PL, que também foi apelidado de “Mãe de todas as boiadas”, vai “destravar” dois projetos essenciais defendidos pelos poderosos. Um deles é a pavimentação da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus. Hoje ela se encontra abandonada, mas sua revitalização vai significar a abertura de mais uma frente de desmatamento, queimadas, exploração de madeira, invasão a terras indígenas, do boi e da expansão da fronteira da agricultura capitalista, o chamado agronegócio. Isso ocorreu com a abertura de todas as estradas na Amazônia. O caso da BR-319 é ainda mais grave, porque vai levar a destruição para a região central da Amazônia, onde a floresta ainda está intacta. O desmatamento nessa região vai levar a Amazônia ao colapso, à diminuição de chuvas na região e em grande parte do país (o fim dos “rios voadores”) e sua conversão em uma savana degradada, emitindo mais carbono do que absorvendo, acelerando o aquecimento global. Além de liberar novos vírus que poderão varrer a Terra com novas pandemias. É por isso que a BR-319 é conhecida como a “Estrada do fim do mundo”.

O projeto também facilita a liberação da exploração do petróleo na costa da Amazônia, que não será feita apenas pela Petrobrás, mas também por muitas multinacionais como a Shell. A exploração de petróleo nessa região extremamente sensível pode comprometer ainda mais a Amazônia, seus corais e manguezais – a maior faixa contínua de mangues do mundo – e populações indígenas e camponesas.

Dando nome aos bois

Mas precisamos dar nome aos bois da “Mãe de todas as boiadas”. Tanto o Congresso quanto o governo têm interesses na flexibilização do licenciamento ambiental para “destravar” a pavimentação da BR-319 e a exploração do petróleo na Margem Equatorial.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), político do Amapá, está de olho nos royalties do petróleo da Margem Equatorial, assim como todos os políticos do estado. O senador Omar Aziz (PSD-AM), base de sustentação do governo, é um defensor radical da BR-319. E muitos outros congressistas do agronegócio querem abocanhar as riquezas minerais das terras indígenas, quilombolas e de camponeses tradicionais.

Como demonstra a reportagem de Rafael Moro Martins, do portal Sumaúma, o governo, na prática, também colaborou com a aprovação do projeto. O governo sabia da gravidade da situação e de toda a articulação dos ruralistas para aprovar o projeto, mas não moveu uma palha para impedi-lo.

Ocorre que o próprio presidente Lula já defendeu a exploração de petróleo na Amazônia, criticando o IBAMA, e também a pavimentação da “Estrada do fim do mundo”.

Além disso, o ministro dos Transportes, Renan Filho, e o das Minas e Energia, Alexandre Silveira de Oliveira, são ferrenhos defensores desses projetos. Já o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, defendeu o projeto de lei aprovado pelo Senado.

O governo Lula é um firme apoiador do agronegócio, um modelo de agricultura capitalista pautado na grande propriedade de monocultura para exportação, amparado por um capitalismo monopolista financeirizado, que prosperou, justamente, em todos os governos do PT.

Prova recente disso, é o Plano Safra 2024/2025 do governo federal: o maior da história em volume de recursos, com R$ 508,59 bilhões – R$ 400,59 bilhões só para a agricultura capitalista. É essa dinheirama que financia a expansão das novas fronteiras agrícolas, seja o Matopiba (região formada por partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, oficializada por decreto em 2015), seja o Amacro (região formada pelo sul do Amazonas, norte do Acre e de Rondônia), que registraram os maiores índices de queimadas, desmatamento e conflitos agrários em 2024.

Há uma narrativa recorrente, defendida por setores da esquerda governista, que retrata o governo como “refém de um Congresso reacionário”, dominado por partidos aliados da direita. No entanto, essa tese não resiste a uma análise factual.

Em última instância, o governo não apenas fortalece o agronegócio, mas também reforça e reproduz as condições objetivas que sustentam o fortalecimento da bancada ruralista e a manutenção de um modelo neocolonial, que posiciona o país como produtor de commodities e, consequentemente, contribui para o avanço da extrema direita.

Os ataques à Marina Silva e o silêncio de Lula

É nesse contexto que o Senado promoveu o show de horrores contra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com ataques machistas e racistas, no último dia 27 de maio, durante sessão na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal (leia aqui a nota de repúdio emitida pela Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU).

Entre outras declarações ofensivas, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou que “a respeita como mulher, mas não como ministra”. O senador, um ferrenho defensor da BR-319, já havia dito em abril que tem vontade de “enforcar” a ministra. Já o presidente da comissão, Marcos Rogério (PL-RO), ordenou que a ministra se colocasse “no seu lugar”. Essas falas não se limitam a demonstrações de desrespeito: configuram exemplos claros de violência política de gênero, empregada para constranger, humilhar e deslegitimar mulheres em posições de poder e tomada de decisão. Por isso, devem ser veementemente repudiadas.

Tenho muitas diferenças com Marina Silva. A primeira delas é que sua política para a questão ambiental procura conciliar o inconciliável: regular a exploração do meio ambiente pelo capital. Isso é impossível; basta ver o fracasso de todas as COPs e dos Acordos Climáticos para deter o aquecimento. Uma política que leva à conciliação com o agronegócio e com as multinacionais que têm aprofundado a destruição de nossos biomas e a exploração de nossos povos. A defesa do meio ambiente deve ser travada contra o capitalismo, o principal responsável pela catástrofe climática. Mas apesar dessas grandes diferenças, nada justificativa tolerar práticas misóginas e racistas que violam a dignidade de uma mulher negra, amazônida, com uma trajetória marcada pela luta e pelo reconhecimento internacional.

A bancada ruralista não hesitou em mostrar toda sua boçalidade contra uma ministra de Estado. Imaginem o que eles fazem contra homens e mulheres humildes, apartados do poder político e econômico. Pior ainda é que praticamente nenhum senador governista defendeu Marina das agressões. Alguns até fugiram, como foi o caso do sionista Jaques Wagner (PT-BA). O presidente Lula, por sua vez, até agora não saiu em defesa da ministra.

A insustentável posição de Marina Silva no governo Lula evidencia os limites da estratégia de “disputar por dentro” um governo que, na prática, promove a expansão do agronegócio e a exploração desenfreada de petróleo. Está se repetindo, em um dramático contexto de emergência climática, a mesma história de ingerência sobre a legislação ambiental que levou a construção de Belo Monte e saída de Marina Silva do ministério do Meio Ambiente do segundo mandato de Lula.

Protesto contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas e contra a ‘Estrada do fim do mundo’ | Foto: Roberto Aguiar/Opinião Socialista

A saída está nas ruas

Não há dúvidas que setores do governo e do Ministério do Meio Ambiente já consideram “negociar”  mudanças no PL. Mas a saída para o movimento socioambiental não está no “mal menor” — ou seja, em reformas cosméticas ao PL da Devastação, negociadas com um Congresso dominado por ruralistas e inimigos do meio ambiente. Não basta ajustar algumas vírgulas em um projeto que, em sua essência, legitima a destruição.

É hora de enterrar a boiada de vez. E isso só será possível com mobilização popular. A história do movimento socioambiental, de Chico Mendes, passando pelo movimento indígena até hoje, prova que direitos são conquistados na luta. Por isso, é fundamental tomar as ruas e fortalecer as manifestações que estão marcadas em todo o país. Só a pressão direta e organizada pode frear a agenda predatória e garantir justiça socioambiental.

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