Nem verde, nem justa: a COP 30 e o teatro climático do capitalismo
Quando Belém, capital do Pará, foi escolhida para sediar a 30ª Conferência das Partes da ONU sobre o Clima (COP 30), o governo Lula apressou-se em apresentar o evento como símbolo da “liderança ambiental” do Brasil. Na prática, o que se prepara é mais um espetáculo de marketing verde — o trigésimo de uma série que nunca enfrentou as causas estruturais da catástrofe climática.
Depois de vinte e nove conferências, o planeta está mais quente, mais desigual e mais devastado. A Amazônia arde, geleiras desaparecem e as populações mis vulneráveis, negras, indígenas e trabalhadoras seguem empurradas para territórios cada vez mais inabitáveis.
A razão é simples: a COP não é uma reunião da humanidade contra o aquecimento global, mas uma cúpula das classes dominantes para gerir os lucros da destruição.
Sob o discurso da “transição verde”, governos e corporações tentam salvar o capitalismo, não o planeta. Créditos de carbono, finanças climáticas e compensações ambientais não passam de novos instrumentos de especulação e privatização da natureza.
Enquanto os países imperialistas mantêm intactos seus padrões de produção e consumo, tentam impor aos países dependentes a função de “prestadores de serviços ambientais” — vendendo floresta, água e trabalho barato sob o rótulo da sustentabilidade.
O duplo discurso do governo Lula
O governo Lula encena protagonismo climático internacional, mas concretamente sua política é de continuidade com a lógica extrativista e dependente.
A liberação da perfuração para a exploração de petróleo na Margem Equatorial pela Petrobrás, com apoio direto do Ministério de Minas e Energia e da própria presidência, expõe uma contradição brutal: o mesmo governo que se coloca como “guardião da Amazônia” abre caminho para a destruição da costa norte por petrolíferas multinacionais, como a Shell, Total, ExxonMobil e outras.
Essa decisão, longe de demonstrar “soberania energética”, expressa a subordinação estrutural da economia brasileira ao imperialismo e ao rentismo.
A COP 30, sediada no coração da Amazônia, é o palco ideal para legitimar essa farsa: discursos sobre “economia verde”, painéis sobre “diversidade e inclusão”, patrocínios de bancos e petroleiras, enquanto a classe operária e as populações pobres e ribeirinhas continuam sem saneamento básico, moradia ou transporte.
Belém: a cidade-sede da COP e a contradição viva da classe trabalhadora
Recentemente, enquanto chefes de Estado se preparavam para desfilar em Belém sob o ar-condicionado dos auditórios da COP 30, os operários e operárias da construção civil da cidade protagonizaram uma das greves mais combativas do país.
Foi uma greve histórica, que enfrentou as grandes empreiteiras que lucram com a Belém “sustentável” e conquistou além de aumento de salários, a reclassificação profissional para as mulheres operárias — um marco na luta contra a desigualdade de gênero no interior da própria classe trabalhadora.
A greve evidenciou a hipocrisia da COP 30: a cidade que simboliza a “esperança verde” é, para o povo trabalhador, símbolo da desigualdade ambiental e social que o capitalismo produz.
Essas trabalhadoras e trabalhadores, que em condições precárias e sob sol escaldante, constroem os prédios e hotéis que abrigarão a elite da COP, são as mesmas e os mesmos que vivem em bairros sem infraestrutura básica, com esgoto a céu aberto, transporte precário e salários arrochados.
As mulheres negras e o clima: corpos e territórios sob ataque
A crise climática tem cor, gênero e classe. São as mulheres negras — trabalhadoras domésticas, catadoras, ribeirinhas, camponesas — as mais atingidas pela destruição ambiental e pela precarização econômica.
A cada enchente, seca ou onda de calor, são elas que enfrentam o colapso do cuidado, a falta de moradia, a fome e o desemprego.
Na Amazônia e nas periferias urbanas do resto do país, o racismo ambiental se manifesta na ausência de saneamento, na contaminação da água, na especulação imobiliária e na repressão policial que acompanha os despejos.
É nesse contexto que ocorre a Marcha Nacional das Mulheres Negras 2025, convocada para 25 de novembro sob o lema “Por reparação e bem-viver”. Trata-se de uma mobilização importante que reunirá milhares de mulheres das periferias, quilombos e movimentos de base de todo o país.
Sua pauta — reparação histórica, soberania sobre os territórios, trabalho digno e políticas públicas — é inseparável da luta climática. Enquanto a COP discute “mecanismos de mercado”, a marcha precisa denunciar que não há bem-viver possível sob o capitalismo.
Nesse sentido, é lamentável a posição política que defende a maioria da direção da Marcha, ligados ao PT, PCdoB e PSOL, de sustentação ao governo Lula. Isso impõe limites à própria radicalidade do movimento. O apoio a um governo que, na prática, mantém a exploração, o racismo e a devastação ambiental é incompatível com a defesa de reparação e bem viver.
Nós, mulheres do PSTU, que construímos o MML (Movimento Mulheres em Luta) e o Quilombo Raça e Classe, e que estaremos na Marcha das Mulheres Negras o faremos a partir de uma localização de independência de classe e de oposição de esquerda ao governo Lula e em solidariedade internacional às mulheres e povos em luta em todo o mundo.
O verdadeiro caminho para conquistar reparação e bem viver para as mulheres negras é o da auto-organização popular, e não o dos ministérios cooptados por um governo que serve ao agronegócio e às petrolíferas.
A natureza de classe da COP: um pacto entre burguesias e imperialismo
A COP 30 é o exemplo mais acabado do que Lênin chamou de “aliança dos capitalistas para explorar o mundo”. Os países imperialistas prometem fundos climáticos que nunca se concretizam, enquanto impõem aos países dependentes a tarefa de “preservar” o meio ambiente sob regras de mercado.
As classes dominantes locais — como a burguesia brasileira — atuam como sócias menores: ganham contratos, subsídios e visibilidade internacional, mas mantêm intactas as estruturas de dependência e superexploração da força de trabalho.
O discurso da “inclusão de gênero e raça” na COP serve como verniz para legitimar a mesma ordem que expulsa, empobrece e violenta as mulheres negras e trabalhadoras.
O movimento de mulheres trabalhadoras precisa desmascarar essa operação ideológica: não há “justiça climática” possível sem ruptura com o sistema que destrói a vida e o planeta para garantir lucro a uma minoria.
As “soluções verdes” do capitalismo são como a caridade burguesa: tentam apagar com marketing o sangue e o suor das e dos que constroem o mundo real.
Por uma alternativa socialista e internacionalista à crise climática
A luta contra a catástrofe ambiental é uma luta contra o capitalismo. É preciso construir uma saída operária, popular e internacionalista — que una a classe trabalhadora, a juventude, os povos indígenas, camponeses e ribeirinhos, com as mulheres na vanguarda — em torno de um programa de transição ecológica socialista.
Pela estatização sob controle operário das empresas de energia, mineração e transporte, com reconversão produtiva ecológica; proibição imediata da perfuração na Margem Equatorial e anulação de todos os contratos com multinacionais predatórias; investimento público massivo em saneamento, moradia e infraestrutura nas periferias e comunidades amazônicas; e pela socialização do trabalho doméstico e de cuidados.
Essas medidas não cabem dentro da COP, mas fora dela — nas ruas, nas greves, nas marchas e nas mobilizações que questionam o poder do capital.
Enquanto eles negociam o planeta, nós lutamos pela vida
A COP 30 será o grande palco das contradições do Brasil de Lula: um país que sedia uma conferência “verde” enquanto perfura petróleo, privatiza o saneamento e destrói direitos trabalhistas.
Mas também será palco da resistência organizada das mulheres negras e trabalhadoras — das que marcharão em Brasília, das que constroem Belém com suas mãos, das que enfrentam a fome e a lama com dignidade e rebeldia.
Enquanto a burguesia discute “neutralidade de carbono”, a classe trabalhadora exige justiça social, racial e ambiental. Essa justiça só virá com a superação do capitalismo e a construção de uma sociedade socialista. Porque o planeta não precisa de mais uma COP — precisa de uma revolução.
São Paulo, novembro de 2025