Colunas

No les gusta

Lena Leal

31 de janeiro de 2025
star4.93 (15 avaliações)

“Piensa en la ambición inútil de fijar momentos. Piensa em todas las veces que vio gente tratando de guardarse algo fresco para siempre. De ganarle una batalla – alguna – al passo del tiempo. Todos pierden.” – Tiempo muerto, Margarita García Robayo

Estava em Bogotá. Era 2017 e procurava um livro de escritora colombiana; a capa me capturou. Livros são assim; muitas vezes temos a impressão de que nos escolhem num jogo de sedução em que o acaso e as coincidências definem o que será lido. A imagem, baseada em desenho do designer catalão Enric Satué, ilustra um terrário – micro-habitat geralmente usado para vários tipos de plantas – que encapsula, feito bolha, o que pode ser visto como um casal heterossexual e duas crianças. O abro agora e exercito meu castelhano enferrujado enquanto o som da TV invade a leitura silenciosa com notícias da violência espetaculosa infringida aos imigrantes latinos já nos primeiros dias do governo do extrema-direitista Donald Trump.

Sobre a autora

Margarita García Robayo nasceu em Cartagena de las Índias (Colômbia) em 1980 e, aos 18 anos, se mudou para Buenos Aires onde consta que vive até hoje. É autora das novelas Hasta que pase um huracán (2012), Lo que no aprendi (2013), Tiempo muerto (2017) e Educação sexual (publicada na Revista Piauí em 2020). Também é autora de vários livros de contos e recebeu o Prêmio Literário Casa das Américas 2014.

Língua afiada: sobre preconceitos, desamor e desenraizamento

Lucia e Pablo são um casal latino-americano – ela venezuelana; ele colombiano – que ascendeu socialmente e compõe uma típica família de classe média residente na região de New Haven, em Connecticut, cidade natal da prestigiada Universidade de Yale. Com formação acadêmica, dois filhos pequenos e um autofágico desejo de sucesso, enfrentam a crise terminal de seu casamento. Escrito na terceira pessoa e alternado com as vozes dos protagonistas, já nas primeiras páginas causam desconforto as caracterizações recheadas de preconceitos de classe contra outros latinos e pobres. O desdém permanente à empregada doméstica dos pais da protagonista denota uma das facetas da personagem Lucia, que escreve textos sobre questões de gênero em revista feminina famosa e se apresenta como progressista em relação à diversidade de orientações sexuais.

Por sua vez Pablo é professor numa escola secundária voltada aos latinos e não esconde um profundo desinteresse por seus alunos, o que é compartilhado por outros personagens secundários. Em sua “crise de meia idade” deseja escrever uma novela com traços heróicos em relação à sua região originária, ao mesmo tempo que se sente ressentido pelo suposto isolamento que sua mulher impôs após o nascimento dos gêmeos.

As recordações nebulosas de situações constrangedoras que construíram o distanciamento – uma zona de desinteresse mútuo entre ambos – deixam escapar, com maestria e sarcasmo, o uso de tiques de discriminação racial e de classe típicos de uma pequena burguesia pretensiosa e arrogante. A linguagem mordaz e muitas vezes sem qualquer traço de compaixão com as limitações alheias revela o desejo doentio de se distanciar de possíveis conexões na condição de imigrantes. Nesse jogo de identidades fluidas, muitas das discussões entre o ex-casal refletem as distintas formas de se relacionar com seu “passado latino”. Pablo passa uma ideia de recomposição com sua origem, mesmo que a noção de pátria seja confusa e carregada de contradições. Mas é Lucia que a rejeita firmemente, cuja história pessoal passa por mudanças permanentes com sua família de origem pequeno-burguesa abastada. Quando perguntada por seus filhos de 7 anos sobre de onde ela vem, responde rapidamente – “De aqui, de nossa casa”. Cabe destacar também o quanto a questão da maternidade/paternidade está presente na novela e de certa forma surge como uma âncora para o vazio existencial dos personagens.

Piscina vazia em New Haven

De tantas imagens possíveis de se construir através do talento de Margarita Robayo, talvez a da piscina inflável murcha me surja como síntese desse lar desfeito em New Haven, em pleno feriado de 4 de julho. Pablo a olha, murcha no pátio. Iria inflá-la para as crianças que agora estão distantes, num apart-hotel em Miami. Mas nada me causou mais impacto do que os momentos em que o pequeno Tomás verbaliza, sem travas na língua, seu sentimento de asco ao se deparar com russos, venezuelanos e negros: – No me gustan…

A negação e aversão ao diferente emergem na criança como subproduto dessa fuga para lugar nenhum, para esse tempo que morre.

Mais textos de Lena Leal
WordPress Appliance - Powered by TurnKey Linux - Hosted & Maintained by PopSolutions Digtial Coop