Nos governos progressistas do PT, no Piauí, a ideologia do “Bem Viver” não se sustenta
Neste Novembro Negro, celebramos os 330 anos da imortalidade de Zumbi e Dandara dos Palmares, símbolos da resistência contra a escravização e, ao mesmo tempo, é o mês em que se realizará a II Marcha Nacional de Negros e Negras, cujo tema é “Reparações e o Bem Viver”.
O conceito do “Bem Viver” entra neste cenário como uma ferramenta de conciliação entre as mazelas do sistema capitalista e a esperança de um mundo mais justo.
O conceito de “Bem Viver” vem da cosmovisão das comunidades tradicionais da América do Sul, os Sumac Kawsay, na língua quéchua, e foi, inclusive, incorporado nas constituições do Equador e da Bolívia. A princípio, o conceito tem um fundo de críticas ao sistema capitalista. Denuncia a exploração, a crescente desigualdade social e a destruição da natureza, que estão na essência do sistema capitalista.
Concordamos, aqui, com a concepção original deste conceito (defendida pelos povos originários), de oposição e combate às ações do capitalismo à natureza e à humanidade, porém, denunciamos e divergimos da sua utilização ideológica pelos ditos governos progressistas do PT, que a transformaram em uma concepção de igualdade inclusiva, na crença de um capitalismo humanitário menos selvagem.
Há décadas os governos petistas vêm construindo uma ideologia de que, através do progressismo e da ilusão da solidariedade dos países imperialistas, podemos acabar com o capitalismo. Daí vêm os projetos de economia solidária, o orçamento participativo e a inclusão social através das políticas compensatórias (Bolsa Família, Pé de Meia, Fome Zero etc.).
Contudo, o que vemos, na prática, é que a busca deste mundo possível projetado pelos governos do PT, especialmente os governos petistas no Piauí, não mudou em nada a realidade da classe trabalhadora, dos oprimidos e excluídos. E mais, não mudou a essência do capitalismo que é o lucro, a exploração e a opressão, mantendo sua lógica de barbárie.
Se não, vejamos. Na lógica do “Bem Viver” petista, no Piauí, as suas políticas e ações de humanização do capitalismo não o impediram de constituir um estado onde a desigualdade e a exploração do povo negro ainda imperam. Um estado onde metade da população negra (47,2%) vive na pobreza, segundo dados do estudo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil” (IBGE/2021).
Na busca incessante de implementar a sua ideia do “Bem Viver” nas suas ações governamentais, o governo liberal de Rafael Fonteles aprovou, inclusive, uma lei que determina o enfrentamento à injúria racial e ao racismo (Lei nº 8.308/2024).
Contudo, na prática, dados revelam o total abandono da pauta negra por esse mesmo governo, ao afirmarem que, apesar de termos a maior proporção de pessoas autodeclaradas negras no Brasil, com 9,3% de pessoas pretas e 64,3% pardas, que somam 73,6% da população do estado (IBGE/2022), somos, também, o estado que tem a maior proporção de municípios sem órgãos de igualdade racial no Nordeste (173 municípios, segundo dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do IBGE).
Um estado que pratica o genocídio da juventude negra e a desigualdade salarial
Em época de carnificina ao povo negro no país, a exemplo do ocorrido no Morro da Penha, no Rio de Janeiro, o Piauí também se revela como um estado que promove uma política de genocídio da juventude negra.
Em 2024, 87,5% das pessoas mortas por ações policiais no Piauí eram, em sua maioria, jovens negros, de baixa renda e com pouca escolaridade, de acordo com o relatório Pele Alvo, da Rede de Observatórios da Segurança. Mais da metade das vítimas tinha até 29 anos. A faixa de 18 a 29 anos concentrou 44% dos casos. Pesquisadores relacionam a violência policial à pobreza e à desigualdade. Segundo eles, o Estado atua de forma mais repressiva em áreas com menos acesso a recursos.
E quando analisamos o quesito de rendimento mensal, as diferenças salariais por raça e gênero, em nosso estado, são tão profundas que a política do “Bem Viver” não consegue esconder. O 4º Relatório de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios, divulgado em 3 de novembro de 2025 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), aponta que mulheres negras recebem, em média, 46% menos do que homens brancos.
No que tange ao rendimento salarial entre mulheres negras e não negras, então, a desigualdade dispara. Mulheres negras ganham, em média, R$ 2.383,22, enquanto mulheres não negras recebem R$ 3.299,84, o que representa uma defasagem de 27,8%.
Diante desse cenário, percebe-se que não há “bem viver” possível dentro da ordem capitalista, que nasceu amparada na escravidão e se mantém com o racismo e a exploração. Mesmo com toda força hercúlea que os governos petistas progressivos buscam concretizar com suas políticas de ações compensatórias e de “humanização” do capitalismo.
Reparação histórica da escravidão por saúde, educação, trabalho, moradia e lazer
A luta por reparação histórica da escravidão é parte da luta por uma revolução socialista. Somente com reparações históricas, de raça e classe, poderemos acabar com esta sociedade de classes, com esta sociedade onde os meios de produção privada determinam a lógica, a exploração e a opressão.
Para isso, não há atalhos e facilidades. Não conseguiremos acabar com o capitalismo senão através de uma profunda revolução socialista. Uma revolução que acabe com o racismo, a opressão e a exploração.
Por mais que a ideologia do Bem Viver, apropriada pelos governos neoliberais e petistas, tente nos fazer acreditar que a saída é individual, nós entendemos que a saída é coletiva, e não através do empoderamento, do empreendedorismo, e sim através da nossa luta e organização com o conjunto da classe trabalhadora, de homens e mulheres.