O caso Avibras: A indústria de defesa em um país dominado

Está em curso a entrega da Avibras ao capital estrangeiro. Atualmente, dois grupos empresariais disputam sua compra, escancarando a desindustrialização e a desnacionalização da indústria brasileira. Esse processo não só representa a perda de soberania nacional, mas também demonstra o total descaso com os recursos públicos e, pior ainda, o desprezo absoluto pelos milhares de trabalhadores qualificados que construíram a empresa ao longo de seis décadas.
Fundada em 1961 por engenheiros do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a Avibras tornou-se um símbolo da indústria de defesa nacional. Reconhecida mundialmente pelo desenvolvimento de sistemas de mísseis, foguetes de artilharia e veículos militares, sua trajetória sempre esteve ligada à produção estratégica e à independência tecnológica do Brasil.
Ainda na década de 1960, passou a integrar o Programa Espacial Brasileiro, desenvolvendo o primeiro foguete espacial nacional para estudos atmosféricos e meteorológicos. Nos anos 1970, foi responsável por grande parte da cobertura de telecomunicações do país ao fabricar antenas parabólicas para a Telebrás. Durante a década de 1980, consolidou sua relevância global ao exportar sistemas de defesa como o ASTROS, posteriormente incorporado ao Exército Brasileiro nos anos 1990. Nos anos 2000, expandiu sua atuação com projetos como o Míssil Tático AV-TM, o Veículo de Reconhecimento AV e o VANT (Veículo Aéreo Não Tripulado), reforçando sua parceria com as Forças Militares Brasileiras. Agora, a possibilidade de sua venda não só compromete esse legado, mas também entrega tecnologias sensíveis a interesses estrangeiros, colocando em risco a soberania nacional.
A crise da Avibras: desnacionalização e abandono estatal
Em 2022, quando a empresa entrou com pedido de recuperação judicial, estudos do ILAESE (Instituto Latino-Americano de Estudos Sócio-Econômicos) apontaram que a crise enfrentada era de liquidez temporária, e que sua estrutura patrimonial robusta permitiria a obtenção de financiamentos. Além de possuir um patrimônio líquido expressivo, a Avibras mantinha contratos estratégicos de fornecimento com as Forças Armadas brasileiras, e seus produtos despertavam grande interesse no mercado internacional. No entanto, o proprietário da empresa optou por negociá-la, aproveitando a alta valorização do setor de defesa em um cenário de conflitos globais crescentes. Nenhuma medida efetiva foi tomada para reativar as vendas de seus produtos. Enquanto isso, o governo brasileiro continuou priorizando importações, em vez de promover a autossuficiência nacional, ignorando deliberadamente o papel estratégico da Avibras.
Desde 2023, diversas empresas estrangeiras manifestaram interesse em comprá-la. Por quais razões sondam a Avibras como aves de rapina? A empresa possui tecnologia de ponta, proximidade com os principais institutos de pesquisa do país, como o ITA, centenas de trabalhadores qualificados, produtos de defesa de interesse global e uma estrutura de produção financiada pelo Estado brasileiro ao longo de décadas.
O Edge Group dos Emirados Árabes e a companhia australiana DefendTex, foram os primeiros a entrar em tratativas, mas o negócio não evoluiu. Em seguida, a chinesa Norinco demonstrou interesse, mas houve pressão governamental para barrar a transação, temendo reações dos EUA. No final de 2024, surgiu um investidor secreto, cuja identidade permanece oculta. Já em março de 2025, dois grupos disputam a aquisição: o conglomerado saudita Black Storm Military Industries, cujo interesse foi oficialmente confirmado pela Avibras e um consórcio formado pelo grupo Brasilinvest, de Mario Garnero, o Abu Dhabi Investment Group (ADIG), o fundo americano GF Capital e a Akaer.
Caso a Avibras seja entregue ao grupo saudita, o Brasil perderá o controle sobre tecnologias essenciais, afetando diretamente programas estratégicos das Forças Armadas. Já o consórcio com a Akaer, que conta com participação acionária estrangeira (inclusive da sueca Saab e da francesa Altran), também representa um risco iminente para a soberania tecnológica do país. A Akaer, empresa do setor de defesa que mais cresce no Brasil, agora deseja uma fusão com a Avibras. Mas até onde essa fusão vai? Para integrar ou para liquidar a empresa? O que está em jogo aqui não é apenas um negócio, mas o futuro da indústria de defesa nacional.
O Ministério da Defesa e o Exército acompanham as negociações, mas apenas para validar a desnacionalização da empresa, injetando mais recursos públicos em um negócio que beneficiará o capital estrangeiro. Em 2024, o Ministério da Defesa declarou que a transação era apenas uma relação comercial privada e que, posteriormente, avaliaria se a Avibras continuaria sendo classificada como Empresa Estratégica de Defesa. Desta forma, os recursos públicos repassados para a Avibras em financiamento de projetos simplesmente serão embolsados pelo proprietário.
Gestão privada de recursos públicos
A maior parte do endividamento da Avibras é com a União, incluindo BNDES, FINEP, Banco do Brasil e milhões em débitos tributários. No processo de recuperação judicial, 68,6% do passivo fiscal corresponde a dívidas federais. Ou seja, a empresa foi amplamente financiada com recursos públicos, mas, em vez de ser incorporada ao patrimônio nacional, segue sendo gerida como um negócio privado à beira da entrega ao capital estrangeiro. O povo brasileiro investiu bilhões nessa indústria estratégica. Se alguém tem direito a assumir o controle da Avibras, são os trabalhadores – e não os capitalistas que apenas sugam as riquezas geradas pelo Estado.
A política de importar equipamentos militares, em vez de fortalecer a indústria nacional, é uma escolha deliberada que prejudica o desenvolvimento tecnológico do país, destrói empregos e condena o Brasil à dependência externa. A crise da Avibras em 2022 escancarou esse problema: enquanto 420 trabalhadores enfrentavam o risco de demissão, com quase 500 em lay-off, o Exército Brasileiro fechava um contrato de R$ 5 bilhões com um consórcio italiano para a compra de veículos militares. Isso, apesar de os trabalhadores da Avibras já terem demonstrado capacidade técnica para produzir equipamentos semelhantes.
Desde os anos 1980, a indústria de defesa brasileira tem sido sucateada. O país, que já figurou como o quinto maior exportador mundial do setor bélico, viu suas principais empresas estratégicas serem desmontadas. Nos anos 1990, a ENGESA faliu, a Embraer foi privatizada e passou a ser controlada por capital estrangeiro, e a Avibras foi deixada à própria sorte. Agora, a promessa de investimento de R$ 112,9 bilhões no setor, por meio do programa “Nova Indústria Brasil” e do PAC Defesa, não passa de uma cortina de fumaça. Sem um plano real de soberania, esses recursos servirão apenas para fortalecer empresas controladas pelo capital internacional, em vez de recuperar a capacidade produtiva nacional.
Estatização: a única saída para preservar a soberania nacional

Foto Sindmetal/SJC
A única solução viável para o Brasil não é vender a Avibras para grupos estrangeiros, mas sim estatizá-la, sem indenização aos acionistas, e colocá-la sob controle dos trabalhadores. A indústria de defesa não pode ser tratada como uma simples mercadoria; ela é um pilar estratégico da soberania nacional e deve ser gerida com esse objetivo.
Desde o dia 18 de março de 2022, os trabalhadores da Avibras estão em greve. A produção só foi retomada em momentos pontuais, sob a supervisão do Sindicato e do Comitê de Greve, para garantir que os recursos fossem destinados ao pagamento de salários. Ainda assim, permanecem há 22 meses sem salários e sem plano de saúde, enfrentando adoecimento, divórcios e até mesmo a morte de colegas. Mais de mil trabalhadores qualificados foram forçados a buscar sustento em aplicativos ou empresas menores, enquanto outros 500 se desligaram da empresa. O saber acumulado ao longo de décadas por esses trabalhadores – a base do desenvolvimento tecnológico da Avibras – está sendo descartado. Esse é o verdadeiro atraso para o país: desperdiçar conhecimento nacional em nome dos interesses do capital estrangeiro.
O planejamento da Defesa Nacional precisa passar pela estatização das grandes empresas do setor, integrando-as aos institutos científicos e universidades públicas. Somente assim, será possível desenvolver tecnologia própria e romper com a dependência do Brasil em relação ao complexo industrial militar internacional.
Não se trata de incentivar a produção de armamentos. O Brasil precisa de muito mais do que isso para garantir sua soberania: necessita de uma base industrial forte, de segurança alimentar e da capacidade de fornecer bens essenciais ao seu povo. Somos contra as guerras imperialistas que massacram povos ao redor do mundo, mas também somos contra a submissão total do Brasil às potências que comandam esse sistema. Para reverter esse quadro, é fundamental um projeto de nação independente, baseado na soberania e no controle popular sobre a indústria de defesa.