O novo massacre em Jenin e a Palestina que não se rende
Publicado no Portal da LIT-QI
“As cenas em Jenin foram aterrorizantes. Há fogo real em todas as direções e casas estão sendo demolidas. É difícil esquecer o som dos gritos. Eles continuam ecoando na minha cabeça.” Assim o jornalista Ameed Shahada, da TV Al Araby, descreve o que presenciou no campo de refugiados de Jenin na manhã da última segunda-feira, dia 3 de julho.
Jewish pogroms against native Palestinians in Jenin Refugee Camp continue.
pic.twitter.com/oOFckN9hRk— Palestine Info Center (@palinfoen) July 4, 2023
A ofensiva sionista seguiria até o dia seguinte, deixando rastro de destruição, mortes, 120 palestinos presos políticos e 3 mil expulsos violentamente de suas terras e casas. O que permanece intacto é o ânimo da resistência, que não se rende.
Ao final de mais esse massacre em Jenin, por terra e ar, foram 12 palestinos mortos e 100 feridos. Ambulâncias e médicos eram impedidos de entrar para resgatá-los. Israel disparou gás lacrimogêneo até mesmo dentro do hospital local.
As Palestinians are forced out of their homes in Jenin Refugee Camp due to Israeli occupation aggression, Israeli enemy troops rain the families with tear gas. #JeninUnderAttack https://t.co/RvJb5aD3rQ
— Palestine Info Center (@palinfoen) July 3, 2023
Entre as cenas aterrorizantes descritas por Ameed Shahada, que se viu sob cerco e com sua câmera destruída ao ser alvejada propositalmente, a imagem emblemática da contínua Nakba (catástrofe com a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada): milhares de palestinos, crianças, jovens, mulheres e homens, sendo obrigados a deixar tudo para trás, com a roupa do corpo e o pouco que conseguiram carregar, em busca de um novo refúgio.
Ao lado de toda a barbárie documentada amplamente, esta cena aparecia ao lado da imagem dos refugiados de 1948 deixando sua terra na Nakba em posts de palestinos. Há mais de 75 anos não havia internet e celulares. A informação não chegava em tempo real, mas havia correspondentes no local. Todavia, sob a cumplicidade internacional, o mundo fechou seus olhos para a limpeza étnica, que culminou em 800 mil palestinos expulsos violentamente e mais de 500 aldeias destruídas, além de 15 mil mortos.
Passou da hora de cercar os palestinos de solidariedade internacional efetiva e ativa, exigindo de todos os países o reconhecimento do apartheid israelense e ruptura de relações econômicas e diplomáticas com Israel.
O campo
Parte dos refugiados da Nakba se tornaria deslocada internamente, abrigando-se no campo de Jenin, um dos 19 estabelecidos na Cisjordânia, território palestino ocupado em 1967, pela UNRWA (agência de assistência aos refugiados palestinos). O campo de Jenin foi criado em 1953. Entre 1º. e 11 de abril de 2002, meses antes da Segunda Intifada (levante popular iniciado em 28 de setembro daquele ano que se seguiria até 2005), forças de ocupação sionistas promoveram um massacre por terra e ar que resultou em 52 palestinos assassinados, 400 casas demolidas e muitos expulsos mais uma vez. O campo foi destruído, vindo a ser reconstruído depois pela UNRWA.
A estimativa é que 13 a 15 mil viviam ali até a segunda-feira; depois desse terrível dia, 12 mil permanecem. Os demais, filhos e netos dos sobreviventes da Nakba, enfrentaram o que seus antepassados sofreram em 1948 – o anúncio sionista era de que seriam massacrados se não deixassem o campo em duas horas, e bombas de gás tóxico foram disparadas nas casas para a expulsão.
A vulnerabilidade no campo é grande. Os refugiados palestinos amontoam-se nos seus 0,42km2, em condições insalubres e precárias, convivendo com esgoto a céu aberto, falta de água e eletricidade, desemprego e miséria, além das frequentes e criminosas incursões sionistas.
Em 11 de maio de 2022, durante uma das incursões israelenses, um sniper matou a jornalista da Al Jazeera, Shireen Abu Akleh. Em 26 de janeiro último, Jenin foi atacada mais uma vez: dez palestinos tombaram, outros 20 ficaram feridos. E em 21 de junho, foram oito martirizados e 50 feridos, quando, pela primeira vez desde a Segunda Intifada, Israel recorreu também a ataques aéreos na Cisjordânia. Somente neste ano, são cerca de 200 palestinos assassinados, incluindo 33 em cinco dias de bombardeios a Gaza em maio último, além de pogroms perpetrados por colonos em Huwara e Turmus Aya.
Mas também muita resistência, que protagonizou cenas inusitadas de derrubada de drones, helicópteros israelenses alvejados e tanques cercados. Após este novo massacre em Jenin, palestinos chamaram greve geral, protestos irromperam por toda a Cisjordânia, com enfrentamentos às forças de ocupação nas ruas, e uma resposta veio em Tel Aviv, deixando feridos sete israelenses.
Resistência não está derrotada
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu declarou que a ofensiva no campo visava acabar com o foco do “terrorismo” – com o apoio do imperialismo estadunidense. As lideranças sionistas depois afirmaram que encerrariam o ataque bárbaro porque os objetivos teriam sido cumpridos.
Nem uma coisa nem outra. Não se trata de “terrorismo”, mas de resistência, popular e agora armada, absolutamente legítima ante colonização, limpeza étnica, apartheid, ocupação. Terrorismo é do Estado de Israel, todos os dias, há mais de 75 anos, na contínua Nakba que enfrentam os palestinos.
E não, a resistência heroica e histórica não está derrotada. Mostra disso é que a juventude palestina divulgava que, em parede do campo, logo após essa onda de destruição que reduziu as ruas de Jenin a um monte de destroços, escreveu-se: “De Jenin a Gaza, retornaremos.”
Jenin é reconhecido pelos palestinos como símbolo da resistência. Por suas próprias condições degradantes, tem semeado na juventude que sente que nada tem a perder nova resistência que se espraia para outras partes da Palestina. Uma resistência armada, que forma brigadas armadas e se autointitula Toca dos Leões, descrente das lideranças tradicionais.
Netanyahu enfrenta a crise interna em que está assolado tentando nadar no sangue palestino para reverter a queda de sua popularidade, seguindo a recuperação alcançada após mandar bombardear Gaza mais uma vez em maio. Praxe em um estado colonial, para quem os corpos palestinos nada mais são do que peças no seu hediondo tabuleiro político, em que avança a cada movimento na limpeza étnica.
Intifada à espreita
O que não pode, contudo, deter é que a cada massacre, a cada mártir palestino, dez outros se levantam. Segundo pesquisa do Centro Palestino para Pesquisa Política e de Opinião divulgada em 26 de junho último, mais de 2/3 dos palestinos entrevistados na Cisjordânia e em Gaza acreditam que Israel não celebrará seu centenário e que, no futuro, o povo palestino poderá recuperar a Palestina e os refugiados, retornarem as suas terras. A dita solução de dois estados está cada vez mais em baixa.
A mesma pesquisa indica queda na popularidade do Fatah e do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, com 80% exigindo sua renúncia. Cresce também o número dos que creem que a existência da Autoridade Palestina favorece Israel, sendo que metade diz que seu colapso ou dissolução serve aos interesses palestinos.
Pesquisa anterior, de março último, indica que 78% dos palestinos entrevistados apoiam a resistência armada e 61% esperam a erupção de uma terceira Intifada. Esta segue à espreita e virá, cedo ou tarde. Rumo à Palestina livre, do rio ao mar.