O porto de Maricá e a hipocrisia do discurso ambiental do PT
A discussão sobre o porto de Maricá escancara, de forma muito mais concreta do que qualquer discurso internacional, o abismo entre o que se promete ao mundo e o que se pratica. Em plena COP30, onde o Brasil se apresenta como defensor do meio ambiente e da transição energética, o que vemos em Maricá, município governado pelo PT, é exatamente o contrário: um projeto destrutivo, alinhado aos interesses das grandes corporações, que ameaça ecossistemas e modos de vida tradicionais. O porto de Maricá revela, de forma direta e inescapável, que nenhum compromisso climático tem valor quando o próprio país usa o discurso ambiental como cortina de fumaça para legitimar a devastação.
Quando se caminha pela margem do canal de Ponta Negra, na cidade de Maricá, região metropolitana do Rio de Janeiro, é possível ver, além dos barcos de pescadores que resistem à rotina da maré, uma intrigante placa com os seguintes dizeres: “Porto, não! ”. Sozinha, fincada no chão, ela parece silenciosa. Mas, concretamente, representa um grito coletivo — a resistência de um povo contra o que pode se tornar um dos maiores crimes ambientais já cometidos em um dos mais belos recantos do Brasil: a construção de um pólo naval no bairro do Jaconé, projeto apoiado por todos os governos, desde o prefeito Quaquá (PT) até Lula, passando pelo assassino Cláudio Castro, e criticado de forma unânime por ambientalistas Brasil afora.
O projeto do porto no Jaconé ameaça não apenas a paisagem, mas a essência da cidade. Em nome de um suposto progresso, pretende-se destruir ecossistemas frágeis, dunas, restingas e até formações geológicas únicas, como as icnofósseis (pegadas de dinossauros que contam parte da história do planeta), as areias granuladas e, inclusive, as rochas da praia observadas por Charles Darwin entre 1832 e 1836, patrimônio científico mundial fundamental. O que se vende como desenvolvimento, na verdade, é uma sentença de morte para a natureza e para a identidade de Maricá.
Tecnicamente, o porto projetado para Jaconé nasce como um terminal de águas profundas voltado à cadeia do petróleo, exigindo dragagens contínuas, quebra-mares, píeres e estruturas que remodelam todo o fundo marinho. Mas, quando observado de perto, fica evidente que essa engenharia monumental não responde às necessidades da população, e sim aos interesses de grandes grupos econômicos que lucram com o avanço da fronteira petrolífera. A retórica do “progresso” serve apenas para mascarar que a natureza, mais uma vez, é tratada como obstáculo a ser removido para garantir a circulação de mercadorias, independentemente do que isso custe à vida local.
A proposta de um polo naval acoplado ao porto, com estaleiros, pátios industriais e áreas de armazenamento pesado, segue a mesma lógica. Não se trata de gerar trabalho para o povo de Maricá, mas de consolidar uma zona industrial voltada à reprodução do capital, onde a supressão da restinga, o aterro de áreas sensíveis e a instalação de estruturas poluentes aparecem como meros “detalhes operacionais”.
O modelo de negócio que sustenta o empreendimento, baseado em parcerias público-privadas, escancara a velha fórmula pela qual o Estado assume os riscos e o setor privado fica com os lucros. É a socialização das perdas e a privatização dos ganhos, com isenções fiscais, licenças facilitadas e infraestrutura pública colocada a serviço de grandes corporações, muitas delas estrangeiras. A população recebe promessas; os investidores recebem garantias.
Por trás desse projeto se escondem interesses internacionais, principalmente da China, que há anos busca controlar recursos naturais em diversas partes do mundo. O que parece apenas um porto brasileiro é, na verdade, uma peça em um tabuleiro geopolítico muito maior — um movimento estratégico para garantir o escoamento do petróleo do pré-sal das bacias de Campos e Santos e reforçar a dependência econômica do Brasil em relação às potências imperialistas. Assim como na Amazônia devido à Margem Equatorial de pré-sal, em Maricá, a mesma costa que hoje abriga pescadores e famílias pode, em breve, ser tomada por navios cargueiros, ruído industrial e águas contaminadas por petróleo.
O que causa indignação é ver um governo que se diz defensor do meio ambiente e da soberania nacional apoiar uma obra desse tipo. O Partido dos Trabalhadores, que tantas vezes discursa sobre sustentabilidade e justiça social, se contradiz ao patrocinar um projeto que beneficia corporações estrangeiras e ameaça comunidades locais. É a velha história do progresso que serve a poucos e destrói o que pertence a todos, que já conhecemos muito bem: Macaé, Serra Pelada e Cubatão são apenas alguns dos exemplos mais chocantes, e a Margem Equatorial na Amazônia. Cada nova estrutura é uma promessa de riqueza imediata e uma certeza de desequilíbrio a longo prazo. O petróleo pode até gerar lucro, mas o preço que se paga é alto: poluição, perda da biodiversidade e o apagamento de modos de vida tradicionais.
Maricá não precisa de um porto para prosperar — precisa de políticas sustentáveis, de incentivo à pesca artesanal, ao turismo ecológico e à educação ambiental. O verdadeiro desenvolvimento é aquele que preserva, e não o que destrói. Aquela pequena placa à beira do canal, com seu “Porto, não!”, talvez pareça insignificante diante de tantos interesses poderosos. Mas ela carrega algo que nenhuma grande obra consegue comprar: a consciência de que o futuro não pode ser construído sobre os escombros da natureza.