O que não te contaram sobre a Isenção do Imposto de Renda de Lula e Arthur Lira

A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quarta-feira, 1, o projeto do Governo Federal estendendo a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil (hoje já é isento quem recebe até R$ 3.036). O projeto foi aprovado por unanimidade pelos 493 deputados presentes no plenário, da esquerda institucional, passando pelo centrão até a extrema direita bolsonarista.
A medida tem um impacto inicial que, num país cuja renda média é de pouco mais de R$ 3 mil, não é desprezível. Significaria, caso passe no Senado, que 9,4 milhões de trabalhadores deixarão de pagar o imposto. Quem recebe na faixa da isenção, R$ 5 mil, por exemplo, deixará de ter descontado R$ 335 todo o mês e R$ 4.467 no ano.
Para quem recebe de R$ 5 mil a 7.350, incidirá uma alíquota progressiva. Após esse valor, no entanto, nada muda, e o contribuinte continuará pagando o teto do IR, de 27,5%.
Desfiando o novelo desse projeto
Será mesmo que o “Congresso dos Ricos” foi acometido de uma súbita consciência social e, através de um projeto relatado por Arthur Lira (PP-AL), resolveu expiar todos os seus desmandos, avançando para a redução das desigualdades sociais? Difícil acreditar, não é?
A primeira coisa importante de se entender é que o governo e a Câmara dos Deputados não aprovaram a atualização da tabela do Imposto de Renda. O projeto simplesmente estabelece uma faixa fixa de isenção até os R$ 5 mil, uma escadinha até os R$ 7.350, e depois já descarrega a alíquota máxima de 27.5%. Ou seja, quem recebe R$ 7.350 vai continuar descontado algo como R$ 760 todos os meses.
Se isso representa um certo impacto num primeiro momento, principalmente no ano eleitoral de 2026, ao permanecer fixa ela tende a perder seus efeitos no decorrer dos anos com a inflação. Em não muito tempo, todos os que hoje se enquadram na faixa de isenção, sairão dela para encarar já a alíquota máxima.
Segundo a Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), o projeto do governo seria uma medida que, se hoje aparece como um avanço, por outro lado ela reduz a pressão por uma verdadeira atualização da tabela, que acumulava uma defasagem de 154%. Defasagem que, apesar de ter se agravado nos governos Temer e Bolsonaro, se manteve durante todos os governos do PT.
O que significa essa defasagem? Na prática, desde 1996, os trabalhadores mais pobres foram, ano após ano, pagando mais impostos, sem o governo precisar fazer nada. Cálculos da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) revelam que, caso a tabela fosse corrigida pela inflação desde 1990, a faixa máxima do IR deveria estar acima dos R$ 10 mil, e não dos R$ 7.350 previstos no projeto.
Durante três décadas os trabalhadores tiveram confiscados uma parte cada vez maior de seus salários. Os governos Lula e Dilma mantiveram essa defasagem, com correções irrisórias. Temer e Bolsonaro congelaram a tabela, e agora Lula e o Congresso Nacional “corrigem”, temporariamente, uma pequena parte do que foi tirado dos trabalhadores.
Uma verdadeira atualização da tabela do Imposto de Renda “custaria”, segundo cálculos do Ministério da Fazenda, algo como R$ 100 bilhões, o que o governo afirma ser inviável. Mas, para efeitos de comparação, só as isenções às grandes empresas, multinacionais e ao grande agronegócio custaram R$ 546 bilhões no ano passado.
O engodo da taxação dos “superricos”
O discurso do governo e do Congresso Nacional é o de que a compensação dessa isenção (na ordem de R$ 30 bilhões), viria da taxação dos “superricos”. Eles classificam os “superricos” como aqueles que ganham acima de R$ 50 mil ao mês, ou R$ 600 mil por ano, o que somariam algo como 150 mil pessoas no país.
A taxação incidiria sobre a renda que hoje é isenta, como lucros e dividendos. Ou seja, se alguém recebe R$ 1 milhão ao ano só em lucros ou dividendos, pagará uma alíquota de 6,6%. Bem diferente de um petroleiro, ou até mesmo um metalúrgico ou professor mais antigo e qualificado que recebesse salário de pouco mais de R$ 7 mil e continuará taxado em 27,5%.
Grande parte desses “superricos” (umas 150 mil pessoas) é, na verdade, uma classe média mais endinheirada que pagará um pouco a mais de imposto, algo como 2% ou 3%. A renda e o patrimônio dos 69 bilionários no país, que realmente constituem o topo da pirâmide, praticamente permanecerão intocados.
É impossível que haja “justiça tributária” no capitalismo, porque quem paga imposto, o seu próprio ou da empresa e do patrão (quando este não sonega), é o próprio trabalhador, através do trabalho não pago. Mas, para além disso, no Brasil, temos um dos sistemas tributários mais regressivos do mundo. E a política econômica do governo Lula mantém e aprofunda essa injustiça, apesar desse projeto de isenção de Lula e Lira. As grandes empresas, fundos de investimentos, multinacionais, o grande agronegócio, não pagam taxas sobre dividendos, royalties ou remessas de lucros.
Política econômica de Lula impede redução das injustiças sociais
Ao mesmo tempo em que aprova a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil, com vistas a 2026, o governo Lula impõe uma política econômica de austeridade, cujo principal mecanismo, o Arcabouço Fiscal, estabelece cortes sistemáticos de recursos públicos, como Saúde e Educação, para garantir o pagamento de juros aos banqueiros através da dívida pública. Impõe ainda um teto ao reajuste do salário mínimo, mantendo um salário de fome que deveria ser, hoje, de R$ 7.274,43 segundo o Dieese ( Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) com base no que prevê a própria Constituição.
Sem falar na grande massa de trabalhadores precarizados, uberizados, que não verão um centavo desse projeto articulado por Lula e Arthur Lira. A revogação da reforma trabalhista também foi uma promessa de campanha de Lula, mas nisso o governo nem ousa mexer, pois afetaria os lucros dos grandes monopólios capitalistas.
A esquerda capitalista, ao comemorar e apoiar o governo, ajuda a legitimar essa política neoliberal e entreguista que, ao contrário do que propagandeia, aprofunda a injustiça social. Para se ter uma ideia do nível de submissão ao governo Lula, a liderança do PSOL, a mando de Lira, barrou uma emenda de seu próprio partido que sugeria uma progressividade um pouco maior na isenção do IR. Atacar o Arcabouço Fiscal, as isenções ao agronegócio e às transnacionais, ou a entrega do país, como o recente acordo em andamento em relação às terras raras para Trump, então, nem pensar.
Essa esquerda institucional esconde o caráter desse projeto, suas limitações, mente ao afirmar que se trata de combate à injustiça social, e ainda diz que é fruto das massivas mobilizações do último dia 21, que derrubaram a PEC da Bandidagem e ajudou a enterrar a anistia aos golpistas. O projeto é, na verdade, fruto de um acordão entre Lula, Lira e o centrão, que não vai fazer com que os ricos paguem impostos, e nem alterar esse sistema tributário que recai em cima das costas da classe trabalhadora e da classe média.
O que é verdade é que somente as mobilizações e a luta vão impor as reivindicações dos trabalhadores. E isso inclui uma real atualização da tabela do Imposto de Renda, a taxação dos bilionários e dos superricos de verdade, o fim da Escala 6×1, com a revogação das reformas trabalhista e previdenciária, e o fim do Arcabouço Fiscal.