O stalinismo e os sindicatos
No último dia 23 de março, os metroviários de São Paulo protagonizaram uma heroica greve . Alguns dias depois, o influencer Ian Neves, ligado à Unidade Popular (UP), deu uma entrevista num podcast na qual discorreu sobre a atuação dos “comunistas” no movimento. Primeiro, explicou que os sindicatos “pelegos” são “apaziguadores” e agem segundo os interesses dos patrões, e depois os contrapôs aos sindicatos “classistas”. Diz ele: “Sindicatos classistas dizem ‘não tem que ter nada melhor que o patrão, o patrão não deveria nem existir. Essa é a luta dos movimentos sindicais, tanto da UP quanto do PCB, que têm muita ingerência no Sindicato dos Metroviários de São Paulo, e também de BH.”
Talvez você não saiba quem é Ian Neves, mas ele é um influencer com certa incidência sobre um público de esquerda na Internet. Essa fala provocou polêmica, porque a UP não tem “ingerência” sobre o Sindicato dos Metroviários, e o PCB praticamente inexiste na categoria. Mas esse caso é interessante para discutir o seguinte: qual papel os stalinistas cumpriram e cumprem no movimento?
Stalinismo e conciliação
A atuação histórica do stalinismo no movimento nada tem a ver com independência de classe. E isso não é uma questão de ordem moral, mas o desdobramento de uma estratégia política que orientou essa corrente por décadas.
Desde pelo menos a formulação da teoria do socialismo num só país, ainda em 1924, o stalinismo abandona a perspectiva do antagonismo entre as classes, tanto no âmbito interno quanto no plano internacional. Mas foi em 1935, no 7º Congresso da Internacional Comunista, que a conciliação se tornou oficialmente uma orientação absoluta para o stalinismo em todos os países. A política de “frentes populares”, uma variação da teoria dos campos progressistas, colocou a necessidade de unir todas as forças democráticas e progressistas. Se nos anos anteriores a Internacional, de forma trágica e ultraesquerdista, negou-se a lutar juntamente com o reformismo para combater o nazifascismo, o que permitiu sua chegada ao poder, a partir de então passou a defender uma aliança permanente com os setores da burguesia “democrática”.
Isso vai se concretizar, no pós-guerra, com a política de coexistência pacífica da URSS com o imperialismo, aliança com setores burgueses nos países centrais e a burguesia supostamente nacional e anti-imperialista nos países periféricos. E aqui isso se combinou com a concepção etapista da revolução, ou seja, a visão de que seria necessária uma revolução burguesa que desenvolvesse plenamente o capitalismo.
Foi uma política que atrelou os PCs à burguesia, por consequência, sepultou revoluções ao redor do mundo na segunda metade do século 20. E resultou na plena adaptação dos partidos stalinistas à democracia burguesa.
Brasil
Como a conciliação se apresentou no movimento sindical
No Brasil, a onda de greves operárias do final da década de 1970 culminou num profundo processo de reorganização contra o sindicalismo oficial, os “pelegos”. A Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), em 1981, reuniu praticamente todas as correntes com atuação nos sindicatos, e foi o primeiro passo para o que viria a ser a CUT.
Na época, Lula era o principal representante dos chamados “autênticos”, vistos como combativos, em contraposição aos pelegos. O próprio Lula vinha da estrutura oficial, mas o projeto de uma central independente e classista era extremamente progressivo naquele momento.
Já as correntes stalinistas (PCdoB, PCB, MR8 etc.) colocaram-se frontalmente contra a independência de classe e o movimento pró-CUT, unindo-se aos pelegos. A tal ponto de quase implodirem esse processo iniciado pela Conclat. Por fim, acabaram rompendo em 1983 e, meses após a fundação da CUT, organizaram o que viria a ser a CGT, juntamente com o maior representante dos pelegos à época, Joaquinzão. Ou seja, em nome de uma política e uma estratégia de alianças com a burguesia, uniram-se ao interventor da ditadura para sabotar o principal movimento classista da história do país.
Herdeiros
A conciliação nos dias de hoje
Se a CUT, há 40 anos, representava um avanço para a luta da classe trabalhadora, hoje sabemos que não é mais assim. Há muito a central, seguindo a política do PT, abandonou qualquer perspectiva de uma atuação independente da classe em defesa de seus interesses contra a burguesia e os governos. No atual governo Lula-Alckmin, isso aparece de forma ainda mais dramática, tornando-se, no movimento, uma correia de transmissão direta de um governo em aliança com os patrões.
Mantém-se, mais do que nunca, a tarefa prioritária colocada por Trotsky nesta etapa do capitalismo, onde os sindicatos expressam, por vários meios, os interesses do imperialismo e não da classe. De acordo com ele, deve-se lutar “pela independência total e incondicional dos sindicatos em relação ao Estado capitalista” (Sobre os Sindicatos, 1940). Hoje, a CSP-Conlutas é, apesar de minoritária, o mais avançado polo de independência de classe.
E não é por menos que a UP e o PCB atuam para enfraquecer esse projeto, a exemplo do que fizeram recentemente ao defender a desfiliação do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) da CSP-Conlutas. Seguem o fio de uma política de conciliação que atravessou o século e que continua tentando se postar como um obstáculo ao surgimento e fortalecimento de uma alternativa realmente independente e classista.