Juventude

Origem da opressão à mulher e sua renovação na sociedade capitalista 

Julia Almeida 

11 de março de 2025
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Cartaz de propaganda soviético: “Abaixo a escravidão da cozinha! Agora você tem um novo modo de vida!”

O papel da propriedade privada na hierarquia das tarefas sociais

A divisão dos papeis de gênero torna-se opressora, no percurso da história da humanidade, a partir do momento em que as tarefas destinadas ao homem e a mulher os colocam em posições diferentes na hierarquia social. O matriarcado era a forma organizativa mais comum em diversas tribos da sociedade “primitiva”, que se organizavam através da propriedade coletiva. O direito materno prevalecia e os bens eram transmitidos pela linha de herança materna. Apesar das divisões das tarefas de gênero, (o homem caçava e era dono dos utensílios de caça/ a mulher era cuidadora do lar e dona dos utensílios domésticos) a hierarquia da herança dos bens produzidos eram dos herdeiros maternos. Engels em “A Origem da Família, Propriedade Privada e Estado”, escreve:

Em todas as formas de família por grupos, não se pode saber com certeza quem é o pai de uma criança, mas sabe-se quem é a mãe… por conseguinte só se reconhece a linhagem feminina… o reconhecimento exclusivo da filiação materna e as relações de herança dele deduzidas com o nome de direito materno.

Com o desenvolvimento das forças produtivas (metais, agricultura e gado)  passa a haver um excedente de produção dentro dos grupos mais estabelecidos nas sociedades “primitivas”. Agora, já não mais as tribos vivem de caçar e colher, mas tem dentro de suas organizações sociais uma “sobra” de sua produção. Entretanto, até o momento, esses bens tinham pouca importância no desenvolvimento da tribo, a mudança de fato ocorre quando o rebanho se torna propriedade privada do homem, que caçava, e por isso a necessidade de repassar a sua herança para a sua linhagem, não apenas de sua mulher. Segundo Engels, o impacto mais avassalador às tribos, que viviam anteriormente através da propriedade comunitária, foi o desenvolvimento do gado como propriedade privada da família:

Principalmente depois que os rebanhos passaram definitivamente a propriedade da família, ocorreu com a força de trabalho o mesmo que com as mulheres, antes tão fáceis de se obter e agora já tinham seu valor de troca e eram compradas… Convertidas todas essas riquezas em propriedade particular da família, assentaram um duro golpe na sociedade… baseada no matriarcado. (Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado)

A partir desse momento, o homem toma uma posição mais importante que a mulher na família. De acordo com Engels,

“O desmoronamento do direito materno foi a grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo”. 

Vejamos aqui que o processo de submissão da mulher se relaciona diretamente com o desenvolvimento da propriedade privada e da sociedade de classes. Os grupos que a partir do seu desenvolvimento específico conseguiam aumentar seu acúmulo de riqueza, através da propriedade privada dos meios de produção na mão do homem, que além de suas ferramentas e gado, incluíam mulheres e escravos, se estabeleciam e se diferenciavam de outros grupos “menos evoluídos”.

Esses são os fatores históricos determinantes que marcam a dominação da mulher como algo que não faz parte da natureza humana mas sim do desenvolvimento de suas forças produtivas e de suas relações sociais. Observa-se que durante milhares de anos os agrupamentos familiares se organizaram socialmente de distintas formas, como no caso do matriarcado. Foi a partir da consolidação da propriedade privada, base da sociedade de classes e do Estado, que a mulher assumiu um papel submisso e dominado.

O surgimento da monogamia para manutenção da herança masculina na consolidação da sociedade de classes

A partir da necessidade de manter sua herança dentro dos seus parentes sanguíneos, nasce a monogamia, que reafirma com mais potência o papel já submetido da mulher que agora não era apenas mais um dos membros dentro da reprodução e manutenção da força de trabalho mas sim uma propriedade em si. Quanto mais cresce a importância da propriedade privada para a garantia de estabilidade da família mais a mulher é submetida a seu papel de escrava do lar. A monogamia (inexistente nas sociedades primitivas anteriores) serve para garantir uma paternidade indiscutível, para assegurar a herança de seus filhos. Porém, essa necessidade é voltada apenas para o controle das relações sexuais das mulheres e não dos homens, que praticam a poligamia livrimente fora do matrimonio. Segundo Engels:

O homem igualmente se concede o direito à infidelidade conjugal… Quando a mulher por acaso, recorda as antigas práticas sexuais e tenta renová-las é castigada rigorosamente… (Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado) 

Vejamos que, anteriormente, nas sociedades primitivas, a mulher não precisava provar que aquele filho era dela para garantir sua herança, pelas próprias condições biológicas de reprodução. Assim, as relações sexuais eram mais livres, onde homens e mulheres praticavam a poligamia e a poliandria. Já o homem não tem a garantia de que aquele filho é seu, por isso a necessidade de impor a mulher a mais alta castidade. Nesse processo o homem não só se estabelece dentro da hierarquia familiar mas utiliza ela para estabelecer o seu domínio de classe (inclusive diante de outros homens de outras formas organizativas remotas) perante seus escravos de guerra e o proeminente estado.

Conforme se consolida a família, se aprofunda a escravidão doméstica

Durante o desenvolvimento social da humanidade existiram diversas formas de organizar a família. Porém, pela primeira vez na história, a família já não se organizava de condicionada pelas suas condições naturais, mas sim pelos fatores preponderantemente econômicos. Concretizando assim o triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum. Nesse sentido é importante um parênteses, vejamos que a palavra “condicionada” tem uma importância grande nesse caso. Durante muitos anos, por culpa da influência do stalinismo no movimento comunista e revolucionário no mundo, prevaleceu o entendimento do marxismo através de uma perspectiva vulgar, unilateral e determinista. Os fatores econômicos irão condicionar o conjunto da vida no capitalismo, isso não significa que traçarão uma linha imutável e idêntica nas relações sociais.

Voltando. Como vimos, a monogamia não surge pela concilição amorosa do homem e da mulher mas sim pela opressão de um sexo por outro. Opressão que se renova até os dias atuais. Não foi diferente com as profundas mudanças sociais causadas pelo desenvolvimento do capitalismo e o surgimento de uma nova classe social, a burguesia. A família monogâmica já estava bem estabelecida, com o fortalecimento da propriedade privada e das classes sociais. O capitalismo transforma isso para potencializar o capital.

A mulher ingressa na força de trabalho: o capitalismo cria as condições para sua autodestruição

Agora reina a família monogâmica individual. Se para o burguês o casamento serve para o repasse de sua herança e consolidação de novos empreendimentos em casamentos arranjados, para o proletário já não se tem mais nada a transferir.

A partir da revolução industrial as mulheres são inseridas no mercado de trabalho dentro das fábricas, na produção de forma direta. Na sana pelo lucro e desenvolvimento desenfreado, o capital insere pela primeira vez, em milhares de anos, a mulher a uma vida fora do lar, assim consegue baratear o custo da mão de obra. Vejamos que esse é um processo contraditório. Ao mesmo tempo que exige da mulher uma dupla jornada de trabalho, pelo  desinteresse do capital em lidar com os custos da produção doméstica, ele também dá pela primeira vez na história da humanidade, desde a propriedade coletiva, a possibilidade de socializar novamente a produção. No capitalismo, quase todos trabalham. Segundo Marx:

Por terrível e repugnante que agora pareça a dissolução do antigo sistema familiar no interior do sistema capitalista, a grande indústria não deixa de criar, com o papel decisivo que confere às mulheres, pessoas jovens e crianças de ambos os sexos, em processos de produção socialmente organizados para além da esfera domiciliar, o novo fundamento econômico para uma forma mais elevada de família e de relações entre ambos os sexos. (A entrada da mulher na fábrica – Marx)

Para Marx, a dissolução do antigo sistema familiar feudal, onde o homem trabalha fora do lar e a mulher realiza apenas a reprodução da força de trabalho, morre com a revolução industrial e surgimento da nova sociedade baseada no acúmulo de capital. Agora homens e mulheres trabalham na produção socialmente organizada.

Para acabar com a opressão a mulher: socialização dos meios de produção e fim da escravidão doméstica

No capitalismo, a mulher não tem apenas que lidar com a jornada do lar mas também com a jornada do trabalho. Na família feudal a produção era nuclear, fortemente assentada na família. Em nossa nova sociedade, a família cumpre a função de realizar a manutenção da força de trabalho, ou seja, tudo que se refere às funções domésticas são reservadas ao núcleo familiar, diferente da produção que foi totalmente socializada. Evidente que esse trabalho permanece recaído na histórica submissão da mulher.

O capitalismo revoluciona o modo de produção ao socializar a produção mas, além de manter a acumulação na mão de poucos, invés de socializar os frutos da produção, ele também recicla todas as formas de opressão das sociedades anteriores e cria novas. A mulher no capitalismo vive uma constante onda de contradições, ao trabalhar fora de casa encontra a possibilidade de liberdade e a igualdade com seu parceiro mas ainda é submissa ao trabalho doméstico e a falta de direitos reais, realizados parcialmente e de forma incompleta pelas leis do direito burguês. É o que diz Lenin em “A contribuição da mulher na construção do socialismo”:

A mulher, não obstante as leis libertadoras, ainda é uma escrava doméstica, por que é oprimida, sufocada, embrutecida, humilhada, pela mesquinha economia doméstica, que a prende a cozinha, aos filhos e lhe consome as forças num trabalho bestialmente improdutivo, mesquinho, enervante que embrutece e oprime”

Diferente das sociedades anteriores, que a estratificação social era clara, onde o camponês sabia seu papel servil e o monarca entendia perfeitamente seu papel opressor, o capitalismo constroi uma falsa máscara de igualdade, apoiada no liberalismo e individualismo. Agora a mulher supostamente é igual ao homem, porque está escrito na lei (como no caso do direito ao divorcio ou ao voto, conquistado depois de muita luta) mas sabemos que na realidade essa igualdade é uma farsa. Só no Brasil dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam um aumento de 0,8% nos feminicídios de 2022 para 2023, maior número desde 2015. Muitos desses casos acontecem após a mulher tentar abrir o processo de divorcio ou mesmo crimes de ódio à nossa frágil liberdade.

Os lucros de poucos estão acima da vida e do trabalho de muitos. Se para o capitalista não for lucrativo criar creches públicas, lavanderias e restaurantes públicos, mas sim manter a mulher realizando todos esses serviços para o conjunto da sociedade de forma escrava, sem receber um centavo, assim será.

De forma inconsciente o capital na sua busca por lucro tira a mulher (mesmo que parcialmente) do lar e a dá a ferramenta de lutar contra sua própria opressão. Para acabar com a opressão a mulher, a socialização total dos meios de produção e o fim da escravidão domestíca são as tarefas disparadoras para sua emancipação.

Referências

ENGELS, Frederic. Origem da Família, Propriedade Privada e Estado.

MARX, Karl. A Entrada da Mulher na Fábrica.

LENIN, Vladimir. A Contribuição da Mulher na Construção do Socialismo

Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2024.

 

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