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Outubro Rosa… no Rio só tem de rosa o nome

No Rio uma mulher com câncer de mama pode ter que esperar cerca de 1 ano para iniciar o tratamento

Maria Costa, Médica do SUS

1 de novembro de 2023
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Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

Esta semana terminou o Outubro Rosa, nas unidades de saúde trabalhadores retiram balões, corações e cartazes temáticos das paredes e o laço rosa dos jalecos. Governo do Estado e Prefeitura passaram o mês tirando fotos de eventos e colocando nas redes sociais, deputados anunciaram que conseguiram a ida de um mamógrafo móvel para alguma praça pública.

Ontem passei por um cartaz da prefeitura, que dizia “com o diagnóstico precoce a chance de cura é de 95%”. É verdade, mas nem o diagnóstico precoce nem o tratamento precoce são acessíveis no Rio para quem depende do SUS, e o Outubro Rosa é cada vez mais um mero evento decorativo e de propaganda.

No Rio uma mulher com câncer de mama pode ter que esperar cerca de 1 ano para iniciar o tratamento. Segundo reportagem do jornal Globo, que acessou dados dos sistemas de regulação do estado e do município, é possível que uma mulher tenha que aguardar cerca de 313 dias apenas para ter o diagnóstico, contando os tempos médios de espera para marcar uma primeira consulta com médico de família, uma mamografia diagnóstica, mais o período entre a realização e a liberação do exame. Já para uma consulta com um especialista em mastologia/oncologia, o tempo de espera, em setembro deste ano, estava em cerca de 75 dias. Nos cálculos da reportagem não entraram sequer os tempos de espera para biópsias e retornos à consulta médica.

Isso significa que uma mulher que vai inicialmente solicitar uma consulta para fazer uma mamografia de rastreio ou porque palpou um nódulo, pode estar com câncer de mama em fase curável, mas inicia o tratamento provavelmente com o tumor em estágio mais avançado e com menores chances de cura.

“Paciente do leito 4 da sala vermelha tem vários nódulos no fígado, origem do tumor é desconhecida”

Frases como essa são comumente ouvidas nas reuniões clínicas que discutem os casos dos pacientes internados nas UPAs. Uma pessoa passa mal, é acolhida na UPA, lá tem acesso a uma tomografia de emergência e descobre que tem nódulos no fígado, ou em outro órgão, provavelmente de um câncer já em fase metastática. Mas as UPAs não têm recursos para fazer investigação diagnóstica, e as unidades de oncologia na esmagadora maioria das vezes, não aceitam pacientes que não tenham diagnóstico confirmado por biópsia.

Se o paciente estabilizar, tem alta e procede com a investigação na clínica de família, se não, pode ir a óbito sem sequer ter a sua situação clínica esclarecida. Em meio a tudo isto é bom recordar que cerca de 40% da população carioca não tem acesso a médico de família, e os que têm são atendidos por profissionais sobrecarregados porque têm muito mais pacientes para atender do que aqueles a que é humanamente possível dar atenção.

O Rio foi um dos poucos estados no Brasil em que o número de novos casos de câncer diminuiu no último ano, de 36,1 mil para 31,9 mil confirmações (8,7% a menos). A minha convicção, ainda que isso ainda não esteja comprovado, é que essa diminuição reflete, na verdade, um menor número diagnósticos, e cada vez mais pessoas que, tal como o paciente do leito 4, foi a óbito porque estava com uma anemia severa, decorrente do provável câncer, e morreu por descompensação cardíaca, sem ter esclarecido que tumor tinha no fígado.

Hospitais Federais: leitos fechados, orçamentos congelado, e falta de profissionais de saúde

Uma das heranças de ter sido capital da federação é ter uma vasta rede de hospitais federais, entre eles o INCA. Em tese isso possibilitaria à população fluminense um bom acesso a tratamento oncológico. No entanto, o congelamento de orçamento, a mudança para gestão privada, a contratação de profissionais por contratos temporários levou a que em várias unidades diminuísse o número de pacientes em tratamento. Ao todo estas unidades têm quase 400 leitos fechados (sem contar os leitos fechados nos hospitais universitários). Só o INCA tem um déficit de 370 profissionais e o seu orçamento está congelado desde 2017.

No INCA os resultados dramáticos desta política são categóricos, em 2019 foram realizadas 40977 sessões de radioterapia, em 2022 foram 14620, uma diminuição de 75% de atendimentos. Em 2022 foram realizadas 100mil consultas a menos que em 2018, uma queda de 30%. Os atendimentos de quimioterapia também registraram uma queda de cerca de 25%.

Paes, Castro e Lula são responsáveis por mais uma agonia dos pacientes oncológicos

A luta contra o câncer não passa só pelo acesso a bons tratamentos, é também uma luta contra o tempo. O sucateamento do SUS a nivel municipal, estadual e federal condena os pacientes oncológicos a uma agonia a mais na sua doença, a de saber que o câncer é rápido mas o tratamento é lento, muito lento.

O secretário de saúde municipal, Daniel Soranz, lavou as mãos do problema: “Em todas as demais unidades da federação, é o estado que faz oncologia”, se esquecendo apenas que um dos grandes gargalos do diagnóstico precoce é a falta de médicos de família, e os poucos que existem estão com as agendas lotadas com elevados tempos de espera.

Por outro lado, a observação de Soranz não é despropositada. Nas últimas décadas, os sucessivos governos foram se apoiando na rede hospitalar federal enquanto destinavam o mínimo percentual possível do orçamento para a saúde, apenas para cumprir os pisos constitucionais, deixando a rede hospitalar estadual à míngua. Um relatório sobre vistorias do CREMERJ de 2019 relatou os seguintes problemas no Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, Hospital Universitário Pedro Ernesto e Hemorio (hospitais estaduais que têm serviços de oncologia: ausência de enfermaria para pacientes oncológicos, leitos fechados, inadequação e/ou restrição do número de salas cirúrgicas, ausência e/ou não funcionamento de equipamentos diagnósticos, demora na liberação de resultados de exames, tempo longo de agendamento para exames, interrupção e/ou mudança da quimioterapia, longo tempo para iniciar radioterapia e redução de repasse financeiro e/ou de recursos.

Lula, por sua vez, nada fez até agora para reverter a situação dos hospitais federais, os orçamentos permanecem congelados ou com aumento pífios, os leitos fechados, sem concursos públicos, a gestão privada e as urgências fechadas.

Mas todos eles, sem exceção, fizeram pelo menos uma publicação bonita nas suas redes sociais sobre o Outubro Rosa…

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