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Para reconstruir e para que não se repita: É preciso lutar contra os interesses capitalistas

Redação

6 de junho de 2024
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Em protesto, moradores atiram ovos contra prefeitura de Canoas (RS)

Faz mais de um mês que o Rio Grande do Sul foi assolado pelas enchentes que destruíram o estado. Uma tragédia mais do que anunciada, cuja responsabilidade é de todos os governos – estadual, municipais e federal.

Foram décadas de neoliberalismo, privatizações, austeridade fiscal, pagamento da dívida fraudulenta do estado, isenções, leis e benefícios fiscais em prol dos bilionários capitalistas. Todo um esforço que levou os serviços públicos ao estrangulamento, inclusive aqueles necessários para a prevenção de enchentes e de desastres naturais, somados à aniquilação de leis de proteção ao meio ambiente, em benefício da grande agricultura capitalista.

Uma tragédia social que se encontrou com uma catástrofe climática: o aquecimento global, provocado pelo capitalismo, que torna eventos climáticos extremos (como grandes enchentes) mais intensos e mais frequentes.

Vivendo em meio ao caos e à incerteza

Além de 172 mortos há ainda 45 mil pessoas morando em abrigos e um total de 626 mil pessoas fora de casa, abrigadas nas casas de familiares e amigos.

A rede solidária de voluntários que tomou conta do estado está sendo desmobilizada e, nas últimas semanas, muitos abrigos que recebiam pessoas desalojadas por causa das enchentes fecharam sob a ordem da Prefeitura de Porto Alegre. A pressão dos patrões para que os trabalhadores voltem ao trabalho, mesmo diante de todo caos, também diminuiu ação de voluntários.

Na região metropolitana e também na Zona Norte de Porto Alegre, ainda há ruas alagadas. Depois de muita pressão foram instaladas bombas de drenagem nos bairros populares. Montanhas de lixo e entulho seguem nas ruas, bueiros seguem entupidos. Ainda há muita lama por todos os lados. Por isso, qualquer mudança no tempo pode fazer com que as águas avancem novamente.

Nada está normal. Falta água em muitas regiões. Mais de 60 mil residências, pontos de comércio e nas pequenas propriedades rurais permanecem sem luz o que impede que as pessoas possam limpar suas casas. É mais uma vez o agravamento do sofrimento pelos efeitos nefastos da privatização destes serviços.

Não há nenhuma política dos governos para auxiliar as famílias na retirada da lama das casas. Faltam produtos de higiene e inclusive equipamentos de segurança para se prevenir de mais casos de leptospirose. Os governos “de reconstrução” deixam esta tarefa exclusivamente nas mãos da solidariedade voluntária, que mais uma demonstra sua potência, realizando brigadas auto-organizadas para limpeza e higienização das casas.

Cresce a revolta diante da negligência dos governantes

A consternação deu espaço para a revolta. São frequentes protestos nas cidades gaúchas afetadas pelos alagamentos. Em Canoas, moradores furiosos pela demora da Prefeitura em drenar a água dos bairros, jogaram ovos na fachada da Câmara Municipal. Em Porto Alegre, moradores dos bairros Vila Farrapos e Humaitá bloquearam uma rodovia muito importante, e retiravam água de suas casas com baldes porque a Prefeitura não instalava as bombas de drenagem.

Outro bairro da capital, o Sarandi, que concentra 26 mil casas atingidas, é o retrato do absoluto descaso dos governantes. Permaneceu alagado até o final de abril, depois que um dique se rompeu. No último dia 29, cantando palavras de ordem como “Não foi tragédia, foi negligência, trabalhador também perde a paciência”, moradores fecharam um cruzamento para protestar contra a Prefeitura.

Enquanto o caos e o descaso ainda reinam, os governos anunciam medidas de “reconstrução” que, como veremos a seguir, mantêm a mesma lógica de produção e ocupação do território imposta pelo capitalismo e, sobretudo, beneficiam os mesmos grupos políticos e econômicos responsáveis pela catástrofe: os grandes capitalistas e proprietários de terras.

Setores oprimidos são alvo de fake news e violência

Marcela Azevedo, do Canal Luta Mulher

Logo após o início das enchentes, um verdadeiro exército de voluntários se levantou em diferentes frentes. Mulheres, homens, jovens, negras e negros, LGBTIs e outros setores sociais se colocaram a serviço do resgate nas áreas alagadas, na organização dos abrigos, nas cozinhas solidárias e na busca de doações.

Frente a essa realidade, a ultradireita preferiu fabricar fake news e seguir atacando os setores oprimidos, questionando uma suposta ausência de pessoas LGBTIs e ativistas feministas nas ações de solidariedade.

Qualquer busca por imagens nas frentes de atuação desmonta essa calúnia. Por exemplo, a cozinha solidária, da qual o PSTU participa, na Zona Sul de Porto Alegre, é liderada por uma trabalhadora lésbica. E, assim como ela, nos bairros mais pobres e periféricos, foram os próprios vizinhos, portanto, também trabalhadores e setores oprimidos pobres, que iniciaram as ações de apoio.

Nessas imagens também é possível identificar que são as mulheres e a população negra as principais vítimas das enchentes, pois são a maioria nos bairros periféricos.

Um estudo apontou que, em Porto Alegre, as áreas mais afetadas pela cheia são aquelas que reúnem mais pessoas de baixa renda, que ganham até um ou entre um e dois salários mínimos. Além disso, há uma proporção maior de pessoas negras dentre os atingidos, em comparação com a média do restante da cidade.

No entanto, lamentavelmente, ainda sobram evidências de que os setores oprimidos não só estão envolvidos na catástrofe ambiental, como também estão vendo a opressão piorar nesse contexto.

Já foram registrados, por exemplo, episódios de abuso sexual de meninas e mulheres dentro dos abrigos; agressões físicas a pessoas trans nos espaços de acolhida; ocupação de terras indígenas, por órgãos institucionais; ou, ainda, o caso de um condomínio de luxo, em Pelotas, que desviou a drenagem de água, alagando a comunidade Passo dos Negros.

O capitalismo produz a crise climática, ao mesmo tempo que incentiva e aprofunda as desigualdades de gênero, raça e diversidade, para explorar cada vez mais a classe trabalhadora.

Para frear a destruição, assim como para pôr fim ao machismo, ao racismo, à LGBTIfobia e toda forma de opressão, precisamos superar o capitalismo, fortalecendo as organizações “por baixo”, com independência dos governos e empresários, e buscando a construção de um projeto socialista de sociedade, na qual a prioridade seja o bem coletivo dos trabalhadores e trabalhadoras.

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