Participação em conferências oficiais ou conselhos figurativos, ou intervenção em espaços livres e independentes do Estado e governos?
Sam Silva, de Manaus (AM)
Na última semana, nós, do PSTU-AM, recebemos um convite enviado por uma companheira do coletivo Manifesta-PSOL, para participarmos da reunião de construção de uma Conferência Livre de Juventude no dia 4 de setembro, etapa municipal da 4ª Conferência Nacional da Juventude que acontece em dezembro. Neste breve texto, pretendemos polemizar fraternalmente com os/as compas do Manifesta e demais coletivos que atuam no movimento estudantil e explicar o porquê de não nos inserirmos nessa atividade e seus problemas.
O convite fala dos objetivos: “Assim, inicia-se o processo de construção das Conferências Livres pelos Movimentos Sociais, a fim de se organizar para a etapa municipal que incide a eleição de um novo Conselho Municipal de Juventude – CMJ, órgão de caráter autônomo, permanente, consultivo e deliberativo, vinculado à Secretaria Municipal de Juventude, Esporte e Lazer – SEMJEL, voltado à discussão, elaboração e execução de políticas públicas da juventude, em atendimento às necessidades e direitos da população jovem da cidade de Manaus”.
Em nossa visão, é um duplo erro a participação nessa conferência por aqueles que se reivindicam socialistas e se propõem a intervir politicamente não apenas para mudar a realidade presente, mas para operar transformações mais profundas que coloquem no horizonte o debate da revolução socialista.
Primeiro, porque se fortalece no movimento a ilusão que esses espaços institucionais são de fato democráticos e que se pode, juntamente com o poder público, pensar em políticas públicas voltadas para a solucionar as reais necessidades da juventude. Segundo, porque as conferências oficiais e seus conselhos, em vez de garantir participação efetiva, livre e democrática, tornam-se espaços controlados pelo poder público e, ao final, acabam por legitimar o oposto do que defendemos, espelhadas nas políticas adotadas pelos governos.
No caso específico, em âmbito municipal, temos uma prefeitura claramente patronal e envolvida em vários escândalos de favorecimento a empresários em detrimento de políticas públicas favoráveis à população. Recentemente, uma investigação do Ministério Público Federal (MPF) mostrou o esquema das empresas Soma Construções e Tumpex (coleta de lixo), e que, em pouco mais de dois anos, receberam R$ 475 milhões dos cofres públicos. O prefeito David Almeida já foi investigado pelo MPF e acumula denúncias de contratos suspeitos.
O Conselho Municipal de Juventude foi criado em 2015, e teve sua primeira direção em 2016. Com uma atuação limitadíssima, seu plano municipal pouco incidiu na realidade da juventude pobre de nossa cidade. Na verdade, de 2015 pra cá o nível de vida e perspectiva dos jovens amazonenses só piorou. O Brasil é segundo país, de um total de 37 analisados, com maior proporção de jovens, com idade entre 18 e 24, que não estudam e não trabalham[1]. O Amazonas, sustenta uma taxa maior (27,5%) que a média nacional (25,8%) de jovens nessa faixa etária que estão na categoria dos “nem, nem”.[2]
Em se tratando da violência, o problema é mais profundo: O Amazonas é o 2º estado com maior número de assassinatos na região Norte no 1º trimestre de 2023, dados do Monitor da violência-G1. Analisando os dados, vamos ver que a maioria dos mortos são jovens. A guerra entre facções e a violência policial são responsáveis por grande parte desses números.
A atuação em um conselho controlado desde cima, amarrado às instituições do Estado burguês e seus governos (em seus distintos níveis), não apenas diminui o vigor da ação direta como canaliza as energias do movimento para os espaços mortos e congelados da institucionalidade. Desse modo, no lugar de potencializar as forças criativas da juventude limita suas ações – confinando-as na arena institucional oficial. Os números acima descritos parecem indicar que a atuação nesses espaços não serve para forçar os governantes a aplicarem políticas públicas que contemplem os reais interesses da juventude.
Conferência Nacional de Juventude
É interessante observarmos o caderno de resoluções da 1° conferência nacional da juventude e ver a disposição que de fato havia/há na juventude para discutir as suas demandas; foram mais de “840 conferências municipais e regionais, em todos os 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. Além disso, 690 conferências livres foram promovidas por grupos, instituições e organizações em todo o país”.[3] Mobilizaram mais de 400 mil jovens. As 22 prioridades da conferência: negros e negras, educação básica, meio ambiente, reforma agraria, trabalho, segurança, cultura, LGBTIs e outros, continuam hoje carentes de políticas públicas. Das 70 resoluções sobre esses mesmos temas, o que foi implementado desde 2008? Houve um boom nos investimentos na educação básica e superior? Os jovens tiveram mais acesso ao mercado de trabalho? Estamos mais seguros?
Não é preciso muito esforço para ver que pouca coisa mudou em algumas áreas e nada mudou em várias outras: a juventude negra e periférica ainda é a que mais sofre com a falta de investimento e sucateamento dos serviços públicos, em 2022 o Brasil foi o país que mais matou LGBTIs[4], segurança nem se fala, segundo o atlas da violência de 2021, um jovem era morto a cada 17 minutos.
Por mais que se tenha honestamente o desejo de influenciar os rumos das políticas adotadas pelos governos, na prática todos esses espaços são meramente consultivos, figurativos. Nos é apresentado um plano nacional da juventude, são feitos milhares de plenárias para no fim o governo aprovar uma agenda econômica que transfere, pelo mecanismo da dívida pública, trilhões para os bolsos de banqueiros e empresários. Em estreita relação com o pagamento da dívida, o governo aprova o famigerado Arcabouço Fiscal, que restringe o teto de gastos com a educação, ciência e tecnologia, saúde, etc. Enfim, políticas que estruturam e determinam os investimentos em áreas sociais e demandas da juventude. Sem pôr abaixo esses pilares estruturantes não existe nenhuma chance de conquistas nossas pautas.
CONUNE não serviu para armar o movimento estudantil
O movimento estudantil saiu do 59° congresso da juventude sem um plano de luta, na verdade o que se viu foi a majoritária e parte da oposição de esquerda passando um pano para os ataques do governo Lula, inclusive indo aplaudi-lo pessoalmente. O que vivemos aqui é reflexo das alianças costuradas nacionalmente e da capitulação de partidos e movimentos a um governo burguês, que se diz defender os interesses dos trabalhadores.
Essa postura da direção majoritária da UNE encontra inteira afinidade com a política de canalização das forças vivas do movimento para os espaços institucionais de conciliação e colaboração em vez de estimular a mobilização direta para arrancar – com a força das ruas – a implementação das pautas que a juventude tanto necessita.
Defendemos uma outra postura. Devemos estimular a organização e a mobilização com base no princípio da independência perante os governos e aos patrões. Não podemos depositar nenhuma confiança em um governo que mantém o teto dos gastos (Arcabouço Fiscal), que privatiza os serviços públicos, que tem bolsonarista em seu governo, que joga o grosso dos impostos nas nossas costas e que não tem nenhuma política para acabar com o genocídio da população negra em nosso país, onde são os jovens que mais sofrem.
A desculpa para se apoiar politicamente o governo é de que que é preciso uma frente nacional para barrar a ultradireita, porém, não se justifica, já que implementando todos esses ataques listados acima, Lula e seus aliados pavimentam o caminho do bolsonarismo mais uma vez. Esse setor é alimentado materialmente com a precarização da vida de nossa classe, com a violência, falta de perspectiva, destruição dos serviços públicos e etc. São as alianças espúrias (Alckmin, Campos Neto etc.) que estão construindo mais à frente a vitória de um novo Bolsonaro.
Construir nosso próprio conselho independente dos governos e dos patrões
Não podemos iludir a juventude a acreditar que uma melhora da vida se dará por uma “gestão mais consciente das instituições burguesas”. Nós acreditamos sim que podemos utilizá-las para conquistar algumas demandas, mas tendo ciência do papel que cumprem na sociedade e precisamos educar o movimento mostrando suas limitações.
Devemos partir de situações concretas, de reivindicações cotidianas, e debater sua correlação com as políticas estruturantes que vem sendo implementadas pelos governos. Da precarização dos ambientes escolares; do rebaixamento salarial dos professores e profissionais da educação; das privatizações dos espaços públicos e das gestões compartilhadas com a iniciativa privada. Políticas que se expressam mais concretamente na ausência de salas de aulas adequadas; falta de moradias estudantis; falta de ar condicionados; falta de instrumentos didáticos e de bibliotecas atualizadas, etc. Situações que ganham novos contornos com a aprovação do Arcabouço Fiscal, já em vigor, e da possível implementação do “Novo Ensino Médio” (NEM).
A arena institucional apontada pela direção majoritária da UNE como espaço privilegiado da ação política, não serve para conduzir a juventude à vitória. Essa é uma via morta e congelada. As nossa principais reivindicações e a contraposição aos ataques aos nossos direitos, assim como as ameaças da ultradireita sair do bueiro, só poderão ser enfrentados de fato se nos organizarmos de forma independente, em oposição ao governo Lula/Alckmin (ao seu projeto de poder que inclui aliança com setores que ontem abraçavam Bolsonaro); a David Almeida e a Wilson Lima, ambos bolsonaristas de carteirinha, que se destacam não apenas por governar para os ricos, mas também por figurarem nos noticiários como políticos que se apropriam do erário público em benefício próprios e de seus amigos.
Esses conselhos são espaços de conciliação de classes – o poder público é controlado pela burguesia – são espaços que servem somente para legitimar as pautas de interesse da burguesia. A posição dos socialistas diante do governo Lula, David ou Wilson Lima deve ser de oposição. Este é o caminho, não só para construirmos as lutas pelas necessidades dos trabalhadores e juventude, como também para derrotar a ultradireita.
Construir uma alternativa dos trabalhadores, com independência dos dois blocos burgueses, seja o de Lula ou o de Bolsonaro, é fundamental para o avanço das lutas por nossos direitos, contra a ultradireita e pelo socialismo. Por isso, chamamos a juventude do PSOL a romper com o governismo, para que, de fato, possamos construir um movimento estudantil independente dos governos e da burguesia.
A juventude não pode se contentar com o horizonte estreito e limitado oferecido pelas direções majoritárias do movimento estudantil. Seus sonhos de realização não podem estar presos às políticas envelhecidas da colaboração de classes e de dependência desse ou daquele governo. A juventude, na maioria das vezes, preservou seu ímpeto revolucionário diante das crises. É nosso dever – enquanto jovens revolucionários, travar as batalhas do cotidiano com o olhar atento ao quadro geral dos acontecimentos sem deixar escapar por um momento que as mazelas do presente se ligam pela raiz ao capitalismo.
Organize-se no Rebeldia!
[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-07/de-37-paises-brasil-2-com-maior-proporcao-de%20jovens-nem-nem
[2] A informação vem da pesquisa “Síntese de Indicadores Sociais – 2022, uma análise das condições de vida da população brasileira”, do IBGE.
[3] Caderno de resoluções da conferência nacional da juventude, 2008.
[4] https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/direitos-humanos/audio/2023-01/brasil-segue-como-pais-com-maior-numero-de-pessoas-lgbt-assassinadas