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PEC da Segurança: Proposta mantém modelo militarizado e repressivo que penaliza pobres e negros

CSP Conlutas, Central Sindical e Popular

9 de abril de 2025
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O governo Lula encaminhou nesta terça-feira (8) ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, elaborada pelo ministro da Justiça e Segurança, Ricardo Lewandowski, após meses de reuniões com governadores e lideranças políticas. A medida, segundo o governo, busca “fortalecer o Estado no enfrentamento ao crime organizado” e “modernizar” o sistema de segurança pública do país.

O texto dá status constitucional ao Susp (Sistema Único de Segurança Pública), instituído por lei em 2018, visando criar um modelo de segurança mais centralizado e padronizado. Entre os principais pontos, a medida prevê maior protagonismo das forças federais, como a PF (Polícia Federal) e a PRF (Polícia Rodoviária Federal); constitucionaliza fundos nacionais da área e amplia as competências das guardas municipais.

A PEC começa agora a tramitação nas casas do Congresso, que, segundo declarou o presidente da Câmara Hugo Motta, terá “prioridade”.  Por se tratar de uma mudança na Constituição, o texto deverá ser aprovado por pelo menos três quintos dos deputados e senadores, em dois turnos de votação.

Guerra aos pobres

Apesar do discurso oficial de modernização, a proposta tem sido criticada por especialistas em segurança pública, que denunciam o reforço de uma lógica repressiva, militarizada e pouco eficaz na redução da violência, sem avançar em ações de inteligência, prevenção e controle externo.

Para Israel Luz, pesquisador do Ilaese (Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos) e integrante do Movimento Brasilândia Nossas Vidas Importam, essa medida, longe de enfrentar os reais problemas da segurança pública no país, reforça práticas repressivas e atende aos interesses da direita ao manter intacta a lógica de controle social sobre os setores mais pobres da população.

Essa PEC surge num momento em que o governo Lula tenta responder à principal preocupação da população nas pesquisas de opinião, que é a segurança pública, e reverter sua queda de popularidade. Mas ao invés de propor mudanças estruturais, o que se vê é uma tentativa de coordenar esforços que mantêm a mesma lógica de repressão e controle social”, avalia.

Para o pesquisador, a proposta de maior integração e centralização na política de segurança pode parecer, em abstrato, uma resposta necessária, já que a segurança é majoritariamente atribuição dos estados e municípios. No entanto, ele alerta que a coordenação proposta segue reforçando políticas ineficazes para combater o crime, mas muito eficazes em criminalizar e reprimir a classe trabalhadora, especialmente a população negra, indígena e periférica.

As políticas de segurança pública no Brasil hoje não atingem os verdadeiros capitalistas do crime. Elas servem para manter sob controle uma classe trabalhadora que está sendo cada vez mais explorada e tem cada vez mais motivos para se revoltar. A burguesia brasileira sabe disso, e por isso mantém uma estrutura policial forte para conter explosões sociais“, analisa.

O psicólogo Adílson Paes de Souza, pesquisador do Instituto de Psicologia da USP e pós-doutor em Segurança Pública, expressou recentemente avaliação semelhante, em entrevista à Agência Brasil, afirmando que a PEC repete um modelo que já mostrou seus limites e consolida um modelo de enfrentamento que ignora medidas preventivas e sociais.

Temos a sedimentação da lógica militarizada no combate à criminalidade. É como se nós estivéssemos em um grande campo de batalha. As vítimas desse combate a gente já sabe quem são. Os relatórios nacionais e internacionais comprovam muito bem isso: são os pretos, os pobres e os moradores de áreas menos favorecidas”, afirmou.

Segundo Souza, a polícia brasileira é uma das que mais mata no mundo e uma das que menos elucida crimes. A PEC ignora isso. Reforça o uso da força sem discutir inteligência, eficiência ou direitos humanos.

Nós temos uma baixa elucidação de crimes contra a vida e uma baixíssima elucidação de crimes contra o patrimônio. Ocorre impunidade pela ineficiência de prevenção e, depois, de apuração e prisão dos autores dos fatos”, disse. “Temos um novo tipo penal no Brasil, a morte do suspeito. Todo mundo é suspeito e todos que são mortos pela polícia eram ‘suspeitos’. Infelizmente, é isso que acontece”, lamentou.

O fortalecimento das guardas municipais

Israel Luz chama atenção especial para um dos pontos da PEC: o fortalecimento das Guardas Civis Municipais, com maior poder de atuação ostensiva, o que, na prática, pode significar uma militarização ainda mais profunda dessas forças.

Estão se criando verdadeiras milícias oficiais dos prefeitos. Muitas guardas já atuam com armamento pesado, fazem revistas, têm tropas especiais. Isso é uma polícia militarizada, mesmo que se chame de ‘civil’“, critica.

O pesquisador destaca ainda a ampliação das competências da Polícia Federal como mais um ponto preocupante. Segundo ele, a corporação foi “bolsonarizada” nos últimos anos e, ao ganhar mais atribuições no policiamento ostensivo, poderá aprofundar práticas autoritárias. “Você vai dar mais poder a uma corporação que atuou ativamente para tentar melar a eleição? Não tem lógica. Isso só reforça esse clima de guerra aos pobres“, denuncia.

Essa PEC, no fundo, responde aos anseios da direita e da extrema-direita, que querem mais repressão e mais controle, e não segurança de fato para a população“, concluiu.

Principais pontos da PEC da Segurança Pública:

• Constitucionalização do Susp: O Sistema Único de Segurança Pública passa a ter status constitucional, o que amplia sua força normativa e articulação entre União, estados e municípios.

 Unificação de fundos: O texto cria um Fundo Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, reunindo os recursos hoje divididos entre o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário Nacional. Especialistas apontam que a medida pode reduzir recursos destinados à ressocialização de presos para o financiamento da repressão policial.

 Novas atribuições para a Polícia Federal: A PF passa a ter competência expressa para atuar contra crimes ambientais, milícias e organizações criminosas com atuação interestadual ou internacional.

• Transformação da PRF em Polícia Viária Federal: A PRF ganha novo nome e atribuições mais amplas, podendo atuar com policiamento ostensivo em rodovias, ferrovias e hidrovias federais.

•  Atuação das guardas municipais: A PEC reconhece o papel das guardas no policiamento comunitário e ostensivo e permite que façam prisões em flagrante.

• Corregedorias e ouvidorias independentes: A proposta cria instâncias de controle interno com autonomia funcional para as forças de segurança.

• Participação social: Garante a inclusão de representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

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