Petroleiros aprovam greve: Como a Petrobrás chegou até aqui?
A greve nacional petroleira, convocada para 15 de dezembro, nasce do choque entre lucros bilionários destinados aos acionistas e o arrocho imposto aos trabalhadores, em uma Petrobrás que mantém a lógica privatista consolidada desde, pelo menos, os anos 1990.
Derrotar o projeto de privatização de Bolsonaro foi uma vitória, mas o perigo segue vivo
Nossa luta contra Bolsonaro representou um freio à etapa mais brutal do desmonte da Petrobrás, mas não alterou a estrutura construída desde FHC e preservada nos governos posteriores. A empresa segue organizada para transferir riqueza ao mercado financeiro: foi assim quando se venderam ativos estratégicos, quando se desmontaram unidades inteiras, quando se atacaram direitos e quando se ajustou a produção ao preço internacional em detrimento do abastecimento nacional.
Bolsonaro acelerou esse processo, mas não o inaugurou; a engrenagem privatista foi montada nos anos 1990 e mantida desde então. A arquitetura que subordina a Petrobrás ao interesse dos acionistas continua intacta.
Submissão à remuneração dos acionistas
A contradição central denunciada pelos petroleiros se expressa na política da atual direção: apesar dos discursos de soberania energética, a Petrobrás segue estruturada para entregar dividendos acima de qualquer outro objetivo.
No terceiro trimestre de 2025, a empresa anunciou um lucro líquido de R$ 32,7 bilhões — um salto de 23% em relação ao trimestre anterior — sustentado por um desempenho operacional gigantesco, com produção recorde de 3,14 milhões de barris de óleo e gás por dia e refinarias operando com fator de utilização de 94%. A direção comemorou o pagamento de R$ 12,16 bilhões em dividendos e juros sobre capital próprio, ao mesmo tempo em que destinou R$ 68 bilhões em tributos e manteve investimentos de R$ 30 bilhões no trimestre.
O discurso é de equilíbrio, mas a prática é de priorização absoluta do retorno ao acionista, especialmente bancos como Bradesco e Itaú, corretoras como a XP e grupos internacionais como Morgan Stanley, Santander e Citibank. Magda Chambriard, escolhida pelo governo Lula, explicitou a diretriz: “apertar os cintos”. Só não disse que os cintos apertam apenas para quem trabalha, nunca para quem recebe dividendos.
Leilões de petróleo: um fio que liga FHC, PT, Temer e Bolsonaro
Os leilões de petróleo permanecem como peça-chave da política energética brasileira e expressam a continuidade entre governos. O fio que começa com FHC — com a quebra do monopólio estatal e a abertura para o capital estrangeiro — segue nos governos Lula e Dilma, atravessa Temer e chega ao auge com Bolsonaro.
Com Lula de volta, os leilões continuam, preservando o mesmo objetivo: entregar reservas estratégicas e garantir segurança aos investidores internacionais. O resultado é uma Petrobrás transformada em grande exportadora de petróleo cru, como demonstra o recorde de 814 mil barris por dia exportados, enquanto o país segue dependente de derivados importados, mesmo com refinarias operando praticamente no limite.
O mote “Drill, baby, drill” (“fure, baby, fure”), proferido com frequência por Donald Trump, que defende uma exploração infinita do petróleo, foi repetido por Magda Chambriard e sintetiza a lógica perversa: furar poços, extrair e exportar sem qualquer estratégia consequente para reindustrialização, transição energética ou fortalecimento da soberania nacional.
ACT travado, cortes e ataques: recordes para os acionistas, aperto para os trabalhadores
A crise do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) 2025 expõe de forma cristalina a situação dos trabalhadores petroleiros. A produtividade chega a níveis históricos, as refinarias operam no limite e a força de trabalho segura uma produção que bate recorde atrás de recorde, enquanto o efetivo segue reduzido, sobrecarregado e exposto a riscos operacionais cada vez maiores.
Arrocho nos trabalhadores próprios, contratos precarizados com os terceirizados, equacionamento assassino para os aposentados.
A taxa de lucro bruto chega a 93%, e o lucro líquido acumulado no ano apresenta crescimento de 75,99%. Ainda assim, a empresa insiste em justificar cortes e retirada de direitos em nome de uma suposta necessidade de “reduzir custos”.
Nessa guerra declarada contra seus trabalhadores, a Petrobrás também avança na exploração dos terceirizados, que atualmente também travam uma série de lutas, que desembocam, hoje, na reivindicação da escala 14×21. Há, ainda, que se mencionar a dívida eterna da empresa com seus aposentados: a soma já está na casa dos R$ 43 bilhões, se juntados os montantes do Fundo Petros.
É um modelo perverso: jorra petróleo, jorra dinheiro, mas aos trabalhadores cabem apenas migalhas. Por isso, o lema que ganha força nas bases — “Mais ACT, menos acionistas” — se tornou uma síntese da exigência necessária.
Um modelo que impede a sobrevivência do planeta
O Brasil tenta se apresentar como líder na construção de um “roteiro” para a transição energética. Lula fez belos discursos sobre a necessidade de reduzir os combustíveis fósseis e sobre os povos da Amazônia, mas não conseguiu esconder sua gritante contradição.
Seguindo a lógica de explorar ao máximo, o governo Lula, semanas antes da COP30 e depois dela, liberou – e leiloou às multinacionais – a exploração de petróleo em áreas sensíveis. A exploração de novas fronteiras não responde à necessidade de uma transição energética “justa” e planejada, mas sim aos interesses de geração de caixa, de dividendos, imediata.
Essa foi uma das razões dos vários protestos durante a COP 30, em Belém do Pará, protagonizados sobretudo por indígenas, que bloquearam o acesso das delegações diplomáticas à Zona Azul, ocuparam o local no primeiro dia da conferência, participaram de marchas e fizeram declarações indignadas contra as políticas do governo Lula, exigindo a demarcação imediata de seus territórios.
O auge dos protestos populares foi a Marcha Global pelo Clima, um dos principais eventos da Cúpula dos Povos, evento paralelo à COP, que reuniu, no dia 15 de novembro, entre 50 mil e 70 mil pessoas – entre povos indígenas, ativistas e movimentos sociais de todo o mundo – que não pouparam críticas ao capitalismo e ao governo brasileiro.
A greve de 15 de dezembro: a resposta necessária da categoria
Diante de uma patronal que declarou guerra contra os trabalhadores, a categoria respondeu com uma mobilização nacional que unifica as federações, organiza atrasos, trancamentos e atos em plataformas, terminais, refinarias, aeroportos e prédios administrativos.
A greve por tempo indeterminado não é apenas uma etapa das negociações; ela tem caráter estratégico. Busca destravar um ACT rebaixado, barrar ataques, enfrentar a política de leilões e de entrega do petróleo, defender uma Petrobrás 100% estatal e pública e recolocar a empresa a serviço do povo brasileiro — e não dos acionistas que não extraem um único litro de petróleo do chão. A mesma força produtiva que garante lucros bilionários é a que confere potencial explosivo à greve nacional.
Fortalecer a greve é parte da luta pela real soberania nacional
A greve bate à porta porque a Petrobrás segue subordinada à lógica da dependência, da exportação de óleo cru e da remuneração privilegiada de acionistas. A luta atual não é só corporativa: é uma disputa sobre o projeto de país.
A categoria petroleira, responsável direta pela riqueza que mantém a empresa em níveis históricos de produtividade e lucro, decidiu não aceitar mais o arrocho enquanto banqueiros e fundos internacionais se beneficiam da riqueza nacional.
No dia 15, os trabalhadores dão um passo decisivo. Cabe aos lutadores e organizações fortalecerem essa mobilização, antes de mais nada, como expressão de solidariedade de classe diante dos ataques que faz a empresa aos petroleiros.
Nessa batalha, incorporamos a luta por uma Petrobrás 100% estatal, sob controle dos trabalhadores, e uma política voltada a ampliar a autossuficiência da produção nacional, além de medidas como a reversão de todas as privatizações, fim dos leilões e da política de dividendos recordes a acionistas privados, para que a empresa esteja voltada a atender, de fato, os interesses do povo brasileiro.
O Brasil é um dos maiores produtores de petróleo do mundo, refina boa parte do petróleo, com custos de produção nacionais, tem mão de obra altamente especializada e tecnologia. Portanto, tem todas as condições para fornecer combustíveis com os menores custos possíveis e fortalecer a indústria e a soberania nacional.
Ver essa foto no Instagram