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Planos dos governos privilegiam bilionários capitalistas e não os trabalhadores e o meio ambiente

Vania Gobetti, de Porto Alegre (RS)

6 de junho de 2024
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Porto Alegre (RS), 21/05/2024 – CHUVAS/ RS – ENCHENTE – Bairro Farrapos, em Porto Alegre, continua alagado. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Se nos pautarmos pelo anúncio das medidas dos governos pode-se até pensar que a população atingida pelas enchentes está sendo bem assistida. Depois das inúmeras falhas no socorro as vítimas e organização dos abrigos, todos os governos querem demonstrar que estão “fazendo alguma coisa”, particularmente em um ano eleitoral. Eles aprovaram auxílios emergenciais de renda e prometem moradias. Mas, na prática, as coisas não são bem assim.

Mesmo depois de 30 dias, com a água baixando na maior parte das cidades, ainda há 39 mil pessoas abrigos. Outros 58 mil estão em casas de parentes ou amigos.

Destes, a maioria ainda não recebeu nenhum auxílio – seja o auxílio reconstrução (R$ 5.100 do governo Lula), seja o auxílio-pix (R$ 2.000 do governo Leite, destinado apenas a quem consta no Cadastro Único), nem os auxílios das Prefeituras. Isto porque, no caso do auxílio reconstrução, o cadastro dos beneficiários e envio de dados está na mão das prefeituras, sem qualquer controle por parte da população.

Quem não tem casa, tem pressa

E a medida em que se retira a lama e se tem a dimensão do tamanho da destruição, percebe-se que o valor de R$ 5.100 não vai dar nem para o começo. Além disso, nenhuma das obras emergenciais, de manutenção ou reforço dos sistemas de antienchente que falharam, foi realizado até o momento. E nenhum dos governos estabelecem prazos para realizá-las. Já se fala de um novo ciclo de chuvas em setembro e a população está insegura em reconstruir suas casas e perderem tudo novamente.

Além disso, há 108 mil residências que foram totalmente destruídas. Neste caso, entram numa fila para se habilitar o aluguel social, ou a compra assistida, ou a assumir um financiamento do programa minha casa, minha vida. Mas, nenhuma destas opções está disponível neste momento.

Paulo Pimenta (PT) afirmou que pretende disponibilizar 2 mil casas, muito aquém da necessidade e sem prazo estipulado. Quando questionadas sobre a construção de moradias, as Prefeituras afirmam não têm dinheiro para comprar terrenos e não conseguem desapropriar em tempo razoável.

Até lá, a única opção colocada pelo governo Leite é acabar com os atuais abrigos e deslocar 49 mil pessoas em 5 “centros humanitários”. Um deles se localizará num local chamado Porto Seco/Porto Alegre em que não há mínimas condições sanitárias e, inclusive, está funcionando como depósito de lixo. Inicialmente os governos denominavam “cidades provisórias”. Como houve um grande questionamento, apenas criaram versões mais compactas e mudaram o nome para “centros humanitários”. Mas a essência é a mesma: serão galpões onde centenas de pessoas viveriam em condições precárias, distantes das suas antigas residências, em um regime de campo de refugiados, como verdadeiros guetos.

Ataque

Leite e megaempresários ainda querem diminuir salários

Leite veio a público pedir que a União pague parte dos salários de trabalhadores para evitar demissões. Parece que ele está preocupado com os trabalhadores. Mas, na verdade, a preocupação dele é com os grandes empresários. Esta é uma das reivindicações feitas pela Fiergs e outras entidades.

O beneficio emergencial é pago aos trabalhadores que tiverem redução de jornada ou suspensão temporária do contrato de trabalho. Leite propõe flexibilizar as leis trabalhistas: reduzir salários ou suspender contrato. O beneficio emergencial não repõe o salário integral. São recursos do governo federal, e corresponde ao que o empregado receberia a título de seguro-desemprego.

O “Projeto Retoma RS”, do deputado federal Pedro Westphalen (PP), quer estabelecer alíquota zero para contribuições ao INSS e a flexibilização de direitos trabalhistas por 5 anos Ou seja, um trabalhador que perdeu tudo o que acumulou durante uma vida toda pode sangrar ainda mais para supostamente “estancar” a hemorragia dos grandes empresários.

As grandes empresas e os agrobilionários querem se utilizar da tragédia para terem mais isenções, demitir, reduzir custos e lucrar mais em cima da destruição.

Para os micro e pequenos empresários, defendemos crédito emergencial, por parte dos governos, sem juros e a fundo perdido, para reconstrução dos pequenos negócios e pagamento de funcionários. Ou seja, precisam ser reparadas integralmente pelo estado.
Proibição de demissões, não permitindo a suspensão de contratos ou descontos de salários sobre os atingidos. As grandes empresas que demitirem devem ser expropriadas e colocadas sob o controle dos trabalhadores.

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Socializar seus prejuízos

Melo, Leite e Lula vão garantir bilhões para as grandes empresas

Alckmin realizou uma visita a Caxias do Sul e anunciou um pacote de medidas de auxílio às grandes empresas do estado, particularmente a indústria. Quando falamos de grandes empresas, nos referimos àquelas cujo faturamento anual (valor total dos bens vendidos) é maior que R$ 300 milhões. Por exemplo, Alckmin visitou a Marcopolo, fabricante de ônibus com fábricas em Caxias do Sul e Espírito Santo, cuja receita líquida em 2023 foi de modestos R$ 6,68 bilhões , seis vezes mais do que o auxílio de R$ 5.100l dado pelo governo Lula.

O governo federal irá disponibilizar linhas de crédito com recursos do BNDES que totalizam R$ 15 bilhões com juros subsidiados e carência de 1 até 2 anos para começar a pagar as prestações. Além disso, há incentivos fiscais a quem adquiriu máquinas e prorrogação de para exportadores na compra dos insumos.

O governo Leite, por sua vez, também anunciou crédito barato a grandes empresas de R$ 7 bilhões e só será pago após 4 anos.

Qual é o critério para que estas grandes empresas possam se habilitar a estas linhas de financiamento? No caso do auxílio reconstrução de R$ 5.100 reais por família, há uma série de exigências – precisa ter perdido a casa ou perdido móveis e eletrodomésticos. Muitas famílias, se não atenderem estes critérios, não receberão nada.

No caso das grandes empresas, basta situar-se em um município em que foi declarada calamidade pública, para que já possa se habilitar aos empréstimos. Não precisa comprovar nada.

A choradeira dos capitalistas tem sido intensa. Depois de reivindicarem uma pauta de 47 itens solicitando auxílios que totalizavam R$ 100 bilhões, o recém-eleito presidente da FIERGS, Claudio Bier, declarou: “Estamos em um pós-guerra, precisamos flexibilização”. No caso, redução dos direitos dos trabalhadores. O presidente da FEDERASUL, por sua vez declarou que os governos tinham a obrigação de “estancar a hemorragia, salvar empregos e as empresas em até 10 dias”. Mas basta checarmos os balanços contábeis recentes das empresas para termos certeza que não se trata de hemorragia, mas de sanguessugas

Desafiamos as empresas a provarem que, de fato, estarão ameaçadas por suas perdas com as enchentes. Qual é a fortuna dos seus acionistas? Quanto foi distribuído de dividendos nos últimos anos? Estas empresas têm a obrigação de abrir os seus relatórios contábeis. Qual o impacto ambiental da produção destas empresas? O governo estabeleceu quaisquer destes itens como condicionante aos empréstimos? É claro que não. Porque o livre mercado não permite qualquer controle do Estado. Mas, na hora da crise, recorrem ao Estado, para socializar seus prejuízos.

Vergonha

O caso do Aeroporto Salgado Filho é um escândalo

Uma das expressões mais bizarras é o caso da Fraport, concessionária responsável pelo Aeroporto Salgado Filho. A Fraport é subsidiária da operadora do aeroporto de Frankfurt, maior aeroporto da Alemanha de outros 30 aeroportos pelo mundo. A empresa e o governador Eduardo Leite estão solicitando uma renegociação do contrato de concessão porque teve prejuízo com a enchente. Ou seja, alega que houve um “evento de força maior” e que, por isto o governo precisa ressarcir recursos a Fraport. A Agência Nacional de Aviação (ANAC ) disse que está analisando o pedido. E o Ministério de Portos e Aeroportos já afirmou que vai remunerar a Fraport para realizar a limpeza do aeroporto pois “este serviço não está previsto na concessão”. Isto é uma vergonha. Como se não bastasse o absurdo de privatizar toda a infraestrutura do país, ainda estabelecem contratos de risco zero para as concessionárias. E o pior. Quando uma empresa tem prejuízo e desiste do negócio, ainda tem direito a tudo o que investiu de volta.

Saída

Um programa dos trabalhadores para a reconstrução

Protesto de moradores em Porto Alegre

O principal argumento do “auxílio” as grandes empresas é que elas são as maiores empregadoras. A chantagem é: se não forem auxiliadas com dinheiro público irão demitir. Mas não há qualquer condicionante ou obrigação de compromisso que as empresas beneficiadas estabeleçam garantia de emprego aos seus trabalhadores. O que já acontece com todas as empresas que recebem incentivos fiscais nas ultimas décadas.

Não seria muito mais lógico utilizar estes R$ 15 bilhões para criar empresas públicas, inclusive garantindo a aquisição de maquinário, para realizar as obras de reconstrução que tanto necessitamos? Um plano de reconstrução que, sim, precisa ser controlado pelos trabalhadores e atingidos pela enchente.

Destoamos daqueles que comemoram os recursos do governo federal para socorrer “nossas empresas”, muitas delas que utilizam trabalho escravo, desmatam e poluem. Se alegam precisar do Estado para garantir empregos, exigimos que estes empregos sejam gerados diretamente pelo Estado, sem a necessidade de uma patronal lucrando. Porque só serão “nossas” quando sejam os trabalhadores, os que tudo produzem, que estejam, não apenas no comando das empresas, como no comando do Estado que seja seu, e não de um Estado capitalista.

Só assim poderemos ter uma reconstrução que proteja os trabalhadores e atingidos, as pequenas empresas e não os bilionários e multinacionais. Desta forma poderemos realizar:

– Reparação integral a todos os trabalhadores e pequenos empresários que perderam suas moradias, automóveis ou qualquer outro bem.
– Crédito, sem juros e a fundo perdido, para o funcionamento e reconstrução do pequenos comércios e negócios, inclusive para capital de giro, pagamento de funcionários, conserto ou a reposição de maquinários e estoques perdidos.
– Formação de uma empresa estatal de obras públicas, para a reconstrução da infraestrutura de prevenção e das moradias em locais seguros e gerando milhares de empregos
– Obras como a contenção de encostas, drenagem, construção de barragens e o desassoreamento do leito dos rios, estudos de áreas de risco, criação de reservas florestais nas margens dos rios, fim dos desmatamentos, dentre outras medidas que garantam a prevenção.
– São necessárias áreas verdes para absorção das águas para o lençol freático e escoamento das águas, recuperando também a orla do Guaíba privatizada pelo prefeito Melo.
– Reestatizar, sem indenização, empresas como a CEEE Equatorial (energia), que desliga bombas e deixa a população sem luz em meio a esta calamidade, mas desde antes.

Mas de onde sairão os recursos?

– Cancelamento da dívida (já paga) do Rio Grande do Sul com a União, que serve para pagamento de juros aos bancos.
– Confiscar 50% das grandes fortunas dos bilionários capitalistas.
– Imposto fortemente progressivo sobre o grande capital que atua no RS: sobre o patrimônio e, também, sobre os lucros e dividendos.
– Expropriar, sem indenização, as grandes empresas do agronegócio, que desmatam, poluem e tem trabalho escravo.

Pra que não se repita

As mudanças climáticas são uma realidade, e a população tem razão em temer que novos eventos climáticos possam novamente destruir tudo novamente. Por isso é preciso da formação de uma empresa pública para a reconstrução da infraestrutura de prevenção a novos desastres. Para o mapeamento das áreas de risco e a reconstrução de moradias em locais seguros e gerando milhares de empregos. Mas esse plano deve ser controlado pelos trabalhadores para que reconstrução não fique à encargo das construtoras privadas e beneficiem apenas os capitalistas.

Também é necessário revogar todas as medidas que flexibilizaram a legislação ambiental que o governo Leite implementou para favorecer os grandes proprietários de terras. Sem a preservação do meio ambiente, planos de regeneração florestais nas margens dos rios, fim dos desmatamentos, dentre outras medidas, não há como impedir novas catástrofes.