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Polêmica: Manifesto de Maria do Rosário (PT) não responde à tragédia que se abateu sobre o povo pobre

Reconstrução ou enriquecerá os capitalistas ou protegerá o povo e a natureza

Denior José Machado, de Porto Alegre (RS)

6 de junho de 2024
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O Manifesto passa longe das necessidades urgentes dos trabalhadores e população mais pobre atingida pela enchente | Foto: Lucas Pitta Klein/Divulgação

A pré-candidata à prefeitura de Porto Alegre pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Maria do Rosário, e sua vice, Tamyres Filgueira (PSOL), lançaram uma carta “Compromisso com Porto Alegre” assinado por PT, PV, PCdoB e PSOL no dia 4 de junho com ampla divulgação pela imprensa. Além de passar ao longe das necessidades urgentes dos trabalhadores e população mais pobre atingidos direta ou indiretamente pela enchente, o manifesto não identifica “de forma corajosa, o que nos levou a esta situação, quem são os responsáveis e quais as soluções”. Ao contrário, o manifesto se limita a destacar positivamente as ações do governo federal e a chamar que as outras esferas se espelhem no atual governo Lula

O manifesto afirma que “as pessoas precisam em primeiríssimo lugar a certeza de que esse triste capítulo não se repetirá”, com o que concordamos. Porém, não fala, em nenhum momento, que é impossível reverter a dinâmica de precarização dos serviços públicos sem romper com todas as leis de “responsabilidade fiscal”, o regime de recuperação fiscal do estado e o arcabouço fiscal de Lula. A presente greve dos servidores e professores das universidades federais é a expressão das consequências do Arcabouço Fiscal.

Tamyres Filgueira, que é funcionária da UFRGS, tem conhecimento disto.

A carta diz: “Em nenhuma circunstância estruturas públicas serão privatizadas”, o que tangencia o problema de que o Estado capitalista nas três esferas de governo tem sucateado os serviços que poderiam proteger a natureza e o povo. Sendo isto verdade, por que o Manifesto em nenhum momento propõe a reestatização da CEEE Equatorial, dos apagões e desligamento das bombas de drenagem de Porto Alegre? Por que não propõe o fim das terceirizações no Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), e a recomposição do quadro funcional que caiu pela metade? Rosário irá reestatizar a Carris (empresa de transporte público privatizada pelo atual prefeito Sebastião Melo)?

Fala em coleta seletiva do lixo e valorização de profissionais, mas omite que o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) foi privatizado através da terceirização total nas gestões da prefeitura pelo PT.

Sobre a situação das pessoas em abrigos, propõe “qualificar espaços de acolhimento até que os que perderam tudo vão ter novas moradias asseguradas”, sem informar que estas não serão gratuitas para todos que perderam as casas. Diz que é necessário priorizar obras de habitação e não diz que um grande número de famílias vai ter que financiar suas casas, dos que conseguirem a construção de novas casas. Não denuncia a especulação imobiliária que se beneficiará da tragédia para se apossar de áreas de interesse, expulsando os pobres de seus bairros.

Cita as pequenas empresas quando fala do auxílio do governo federal à reconstrução econômica, mas omite que até o momento são as grandes empresas que estão recebendo os maiores recursos, sendo que são as que menos precisam, muitas delas responsáveis pelo desequilíbrio climático que acirrou as chuvas provocando as enxurradas e cheias.

No tratamento das infecções provenientes da lama e das águas das cheias, reivindica o SUS omitindo o avanço do seu sucateamento e privatização. Aliás, no manifesto não se denuncia o principal mecanismo de privatização que está sendo utilizado hoje, tanto na saúde quando na educação da cidade, que são as “parcerias público privadas (PPPs)”. Qual é a proposta da frente de Maria do Rosário sobre a construção da nova unidade da Maternidade/Hospital Presidente Vargas em regime de PPP?

No item educação, o manifesto fala “precisamos reconstruir a educação municipal em sua qualidade, identidade e acesso à vaga em seus níveis e modalidade”. Mas como? O que um governo de Maria do Rosário fará com as creches conveniadas? Nada disso é afirmado porque, no seu programa, não se dispõe a nenhum enfrentamento com estes interesses, pois, o próprio manifesto afirma defender uma cidade de todos e para todas e todos. Ocorre que, hoje, nossa cidade tem donos – grupos Melnick, Zaffari, Cyrella, empresa Viamão (que comprou a Carris) entre tantos outros. É impossível “desprivatizar” nossa cidade sem o enfrentamento com estes grupos empresariais que têm e terão seus representantes dentro da Câmara de vereadores.

Ou seja, todas as respostas são vagas, não apontam o modelo capitalista e os governos que sustentam os bilionários como responsáveis pelo desequilíbrio climático e falta de proteção das cidades. Em consequência, não cobram que os bancos e as grandes empresas paguem a conta da crise que se inicia.

O que explica um programa tão limitado?

A frente em torno da candidatura de Maria do Rosário representa uma alternativa que não ultrapassa os limites do social liberalismo, ou seja, a capitulação da esquerda frente ao neoliberalismo, com compensações para amenizar alguns efeitos para os mais pobres.

Desta forma não é possível para ela pensar um governo que atenda sequer os interesses mais mínimos dos trabalhadores, o que dirá um sistema socialista. O seu horizonte é o de um capitalismo democrático, que está totalmente dentro dos limites do arcabouço fiscal, ou seja, submetido aos bancos, o coração do sistema atual.

Deriva disso seu programa que, diante da “emergência”, não entra em reestatização ou confisco de parte das fortunas, ou nos lucros dos grandes para pagar a reconstrução. É um projeto de conciliação de classes amparado, como também o de Lula, num conselhão de “com especialistas, setores econômicos, comunidades, e afetados pelas enchentes”. Leia-se, com quem manda: a burguesia nacional e multinacional.

Junta todos, culpados e vítimas, exploradores e explorados, nos limites da ordem vigente, em vez de organizar os de baixo para enfrentar e romper de vez com este sistema. Isto só se faz com a mobilização do povo, o que exige a auto-organização independente de todos atingidos, dos trabalhadores, em conselhos populares.

Maria do Rosário e a frente que encabeça, pelo contrário, defende que estas instituições, que já deram demonstração do que são, vão melhorar as condições de vida do povo. Não queremos com isto dizer que não se deve disputá-las, mas que os mandatos conquistados deveriam cumprir o papel de ponto de apoio à mobilização e às organizações estratégicas e de auto-organização independente da classe trabalhadora.

O PT e a esquerda que o apoia falam em democracia, sem denunciar que esta é uma democracia dos ricos, e deixa de incentivar a democracia provinda da força da auto-organização demonstrada nos voluntários que salvaram pessoas do afogamento e da fome e frio, quando o Estado capitalista falhou totalmente. Esta mesma auto-organização que agora ocorre para limpar as casas e as ruas. É necessário que se façam assembleias, que se formem comitês e conselhos populares, que as pessoas possam decidir e controlar as doações e os recursos do Estado, que sejam informadas das fortunas e decidam se os bilionários devem ser financiados ou devem ser confiscados para a reconstrução.

A necessidade de um partido revolucionário, que organize a luta dos trabalhadores contra o sistema capitalista

Com partidos comprometidos com a ordem capitalista, mesmo que se oponham aos partidos de direita defensores de ditaduras, a classe trabalhadora e os oprimidos cada vez mais sofrerão as consequências da decadência deste sistema que concentra progressivamente a riqueza, aumentando a exploração. Um sistema incapaz de evitar suas próprias crises, e que ameaça a vida no planeta.

É necessário construir um partido revolucionário, oposto a tudo isto, que defenda e proponha à classe trabalhadora um programa para que ela mesma protagonize a revolução necessária contra este sistema. O PSTU está dedicado à essa tarefa.

Um partido que propague a consciência de que não é possível avançar um passo em conciliação com os exploradores, como faz a grande maioria da esquerda.

Um partido que incentive a auto-organização dos trabalhadores, em conselhos populares, que sejam eles mesmos que decidam, com democracia operária, os passos da sua luta, como no futuro devem decidir tudo na sociedade socialista.
Maria do Rosário e Tamyres, não se trata de difundir a “esperança” nas eleições. Ao contrário, nosso dever é a luta por mudanças profundas.

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