Lutas

Por que tantos trabalhadores morrem no trabalho no Brasil?

Pela ampliação da fiscalização e punição rigorosa das empresas que matam e lesionam! Reparação a todas as pessoas lesionadas pelo trabalho e estabilidade até a aposentadoria!

Claudio Donizete, metalúrgico do ABC Paulista e Jordano Carvalho dos Santos, Coordenador do Setorial de Saúde do Trabalhador (a) da CSP - CONLUTAS

3 de abril de 2024
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O assunto pode parecer algo de um passado distante, mas que infelizmente volta a figurar no dia-dia daqueles que dedicam uma vida inteira ao trabalho formal no Brasil ainda nos dias de hoje e com aumento significativo nos ultimo anos.

Segundo levantamento do Observatório de Saúde e Segurança do Trabalho, uma pessoa morre vítima de acidente de trabalho a cada 3 horas no Brasil, conforme dados coletados entre 2012 e 2022, junto aos registros formais no Ministério do Trabalho e Previdência Social.

No período foram registrados mais de 7 milhões de acidentes de trabalho com trabalhadores registrados no regime CLT, com uma média de um caso a cada 51 segundos. Vindo a óbito mais de 28 mil trabalhadores. E um custo de afastamentos, indenizações e tratamentos custeados pelo INSS em mais de R$ 150 milhões nos acidentes e mortes no trabalho.

Nesse ranking, São Paulo lidera a quantidade das mortes no trabalho

No estado que tem o maior PIB e mais populoso no Brasil, lidera o numero de trabalhadores mortos durante o trabalho formal. Segundo a pesquisa, entre 2021 e 2022 foram mais de mil mortes, nos 570 mil casos de acidentes registrados no estado.

Capitalismo mata: Normas e leis não impedem as mortes e acidentes

Contraditoriamente, o Brasil possui legislações referentes à segurança no trabalho em todos os âmbitos e teoricamente é a maior referencia no mundo. São 38 normas regulamentadoras, que orientam os procedimentos adequados em cada um dos ramos de trabalho, seja na indústria, comercio ou serviços.

Supostamente, deveria trazer mais segurança e qualidade de vida para os trabalhadores. Mas não são suficientes no crescimento da precarização e intensificação do trabalho no Brasil nas ocorrências de doenças e acidentes do trabalho.

Brasil: A quarta maior taxa de Acidentes de Trabalho do mundo

Um acidente de trabalho é registrado a cada 51 segundos no Brasil, de acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esse número coloca o Brasil no topo da lista de países mais perigosos para os trabalhadores, ficando atrás apenas de China, Índia e Indonésia.

Mesmo com uma legislação extensa, o Brasil segue entre os líderes dentro do ranking mundial de acidentes de trabalho. Só em 2022, o país registrou 612,9 mil acidentes, que causaram 2.538 mortes, um aumento de 22% em relação a 2021.

Perfil das vítimas e o adoecimento ocupacional físico e mental

Para os homens, a faixa etária em que os acidentes mais ocorrem é entre 18 e 24 anos. E entre as mulheres, dos 30 aos 34 anos. As vítimas sofrem, principalmente, cortes, lacerações, fraturas, contusões, esmagamentos, distensões e torções, entre outros.

Além de danos físicos, também são importantes medidas para combater o adoecimento ocupacional. Ele se refere a alterações biológicas ou funcionais (físicas ou mentais) que decorrem da exposição a riscos ambientais – como substâncias químicas (fumos, vapores, gases e produtos diversos), fatores físicos (ruídos, vibrações, radiações, frio ou calor) e biológicos (fungos, vírus, bactérias e parasitas).

Mas o adoecimento também pode decorrer de problemas como sobrecarga física e mental. Por isso, a Organização Internacional do Trabalho alerta que a saúde mental dos trabalhadores deve ser motivo de preocupação para empregadores.

Comparação com países da America Latina e Europa

Segundo dados do INSS e analisados pelo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, em conjunto com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Ministério Público do Trabalho (MPT), mostram que, na última década o Brasil registra uma média de 7,4 mortes por acidente de trabalho por 100 mil habitantes. Para comparar, na Argentina são 3,7 e no Chile, 3,1 por 100 mil habitantes. No mundo, Armênia, com 13,6, e Uzbequistão, 8,1 por 100 mil habitantes, estão entre os países com as maiores taxas de mortes. Na outra ponta estão, por exemplo, Finlândia, com 1,4 morte por 100 mil habitantes, e Alemanha, com 1 morte por 100 mil habitantes.

Fiscalização precária, falta de planejamento e condições de trabalho

De acordo com o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (SINAIT), Bob Machado, o aumento no número de acidentes laborais é um reflexo da atual situação da inspeção do trabalho no País.

“O Brasil conta, hoje, com o menor contingente de auditores-fiscais do trabalho (AFTs) dos últimos 30 anos, operando com uma quantidade de profissionais bem abaixo da ideal. Isso dificulta muito o trabalho de fiscalização nas empresas e abre brechas para que mais acidentes aconteçam”, disse.

Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) denunciou que, nos últimos dez anos, houve uma redução de cerca 45% do quadro de auditores no Brasil e de quase 70% dos recursos orçamentários da área. O último concurso público ocorreu em 2013. Em algumas localidades, não há sequer um auditor para investigar denúncias de acidentes de trabalho atualmente, nem mesmo os fatais.

A informalidade e terceirizações devem dobrar os números oficiais de acidentes e mortes

Nos últimos dez anos, pelo menos 50 mil pessoas podem ter morrido em acidentes de trabalho no Brasil. De acordo com dados oficiais, foram 23 mil mortes, mas pesquisadores afirmam que, entre 2012 e 2021, foi contabilizado apenas quem estava no mercado formal, ou seja, os números reais podem ser mais que o dobro.

Com o avanço das terceirizações e a precarização trabalhista, alem de elevar os riscos a vida dos trabalhadores por falta de investimentos e fiscalização nas chamadas “boca de porco” (como se dizia das empresas que trabalhavam totalmente irregular na década de 80), hoje avançou outras modalidades como a rotatividade, a informalidade, o trabalho autônomo ou PJ, onde dificulta ainda mais os registros e combate as péssimas condições de trabalho, incluindo as mortes decorrentes deles.

“Nenhuma morte causada pelo trabalho deveria ser considerada normal”

“Desde o ano 2000, são mais de 2.500 mortes em acidentes de trabalho por ano. Mas, se incluirmos também a população não coberta pela Previdência, esse número deve ser pelo menos o dobro e teríamos ao redor de 5.000 mortes anuais na última década”. A afirmação é do pesquisador René Mendes, do Instituto Saúde e Sociedade, da Unifesp, e coordenador da Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores.

“Nenhuma morte causada pelo trabalho deveria ser considerada normal”, afirma Mendes. Ele aponta que o Brasil reduziu os registros nos últimos 50 anos, mas as taxas se mantiveram elevadas nas duas últimas décadas.

“Os números da Previdência são uma fração do universo da população economicamente ativa. Há também os informais e outras categorias que não são contempladas por essas estatísticas da Previdência, como autônomos, servidores públicos, militares. Por isso digo que a estimativa é que o número de mortes é, no mínimo, o dobro”, diz Mendes.

As doenças mentais também aumentaram no trabalho

Dados do Ministério da Previdência Social mostram que, em 2023, foram concedidos 288.865 benefícios por incapacidade devido a transtornos mentais e comportamentais no Brasil, 38% a mais do que em 2022, quando foram concedidos 209.124 benefícios. Em 2021, foram 200.244. Esses números contemplam os benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) e os benefícios por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez).

Os níveis de estresse, cobrança e insegurança psicológica têm aumentado nas empresas. Isso, associado ao aumento de demissões, aumento da carga horária e do numero de tarefas executadas, influencia no bem-estar mental dos trabalhadores, que levam aos acidentes, a morte, inclusive ao suicídio.

A importância da luta de classes e a independência política dos sindicatos

Na mesma proporção que aumenta os casos de doenças e mortes no trabalho, direções sindicais históricas, como a CUT, Força Sindical e outras, de diversos ramos profissionais vêm afrouxando as respostas e ações de enfrentamento a essas situações que custam a vida de nossa classe, a partir da intensificação do trabalho, da exploração e opressão das multinacionais e os patrões em geral.

São reflexos diretos da conciliação de classes das direções sindicais, inclusive de referencia histórica nesse tema, como são os metalúrgicos do ABC, que nos últimos anos abriu mão de cláusulas de estabilidade no trabalho em casos de acidente ou doença profissional até a aposentadoria em toda sua base de representação, incluindo as montadoras de veículos.

Esse abandono consciente da defesa da vida e das melhores condições de trabalho, onde inclusive eram superiores a CLT, as convenções coletivas de trabalho, que garantiam não só estabilidade aos acidentados, mas pressionava fortemente a regulamentação, a fiscalização e a implementação das medidas de segurança e saúde ao conjunto da classe, com forte participação da base, que organizadamente respondia e assegurava os embates a patronal diretamente. Infelizmente, partes importantes dessas conquistas estão ameaçadas ou foram entregues nas negociações e acordos sindicais, por essas direções.

Por um sindicalismo classista, independente dos patrões e governos

Entidades como a CSP-Conlutas e seus sindicatos filiados, a exemplo dos metalúrgicos de São José dos Campos, defendem que a questão da saúde e segurança do trabalhador, incluindo o tema da saúde mental, precisa ser uma frente de luta permanente das entidades sindicais. Isso significa atuar para a formação de CIPAS combativas e atuantes, conscientização e mobilização dos trabalhadores, bem como a luta política para exigir do governo Lula que revogue integralmente as reformas Trabalhistas, da Previdência, a Lei da Terceirização e todas as medidas neoliberais que atacaram os direitos da nossa classe.

Por que o 28 de abril deve ser defendido incondicionalmento pelos trabalhadores?

Em memória as vitimas dos acidentes e mortes decorrentes do trabalho, essa data foi definida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pois em 28 de abril de 1969, uma explosão numa mina no estado norte-americano da Virginia matou 78 mineiros. E no Brasil, a data foi instituída pela Lei 11.121/2005.

Por isso, o dia 28 de abril, Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho, deve ser um dia de luta para denunciar a exploração capitalista e fortalecer a organização dos trabalhadores na base das categorias e que reflita na condução das organizações sindicais, sem nenhuma concessão aos patrões ou aos governos de plantão.

E passa ainda em exigir a revogação integral das reformas que atacaram os direitos, a saúde e a segurança dos trabalhadores, como a trabalhista, previdenciária e a lei das terceirizações.

Pela ampliação da fiscalização e punição rigorosa das empresas que matam e lesionam! Reparação a todas as pessoas lesionadas pelo trabalho e estabilidade até a aposentadoria!

É necessário retomar a luta pela Redução da Jornada de trabalho para 36 horas, sem redução de salários e direitos, para garantir qualidade de vida, descanso a exploração e fadiga do trabalho!

Não ao desmonte da fiscalização trabalhista, por mais concursos públicos e aumento do efetivo de fiscais do trabalho!

Pelo fortalecimento das CIPAS e da organização no local de trabalho, com estabilidade e independência política dos patrões e governos!