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Porque não é possível apagar os 60 anos da ditadura como quer fazer Lula

Luiz Carlos Prates (Mancha), de São José dos Campos (SP)

22 de março de 2024
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Uma política de comum acordo entre o imperialismo norte-americano, militares, empresas multinacionais e nacionais, e setores conservadores da sociedade civil foram pilares para o golpe de 1964 no Brasil.

Perseguições, demissões, prisões, torturas e mortes

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) divulgou, em 2014, que 434 pessoas foram mortas sob a ditadura, ou continuam desaparecidas. O Human Rights Watch (HRW) apontou que mais de 20 mil homens e mulheres foram torturados. Milhares de trabalhadores foram perseguidos e demitidos, entrando em “listas sujas” que os impediam de conseguir novos empregos; trabalhadores rurais foram fortemente reprimidos; assim como os estudantes.

De acordo com o relatório do Grupo de Trabalho Ditadura e Repressão aos Trabalhadores, às Trabalhadoras e ao Movimento Sindical, da CNV, somente em 1964, 409 sindicatos e 43 federações sofreram intervenção do Ministério do Trabalho. Entre 1964 e 1970, foram efetuadas 536 intervenções sindicais.

Povos indígenas sofreram genocídio. Um caso emblemático foi dos Waimiri Atroari, na região do Amazonas e Roraima, praticamente dizimados entre os anos 1960 e 1980, principalmente durante o Plano de Integração Nacional (PIN) decretado pelo general Emílio Garrastazu Médici, com objetivo de ocupar 2 milhões de km2 da Amazônia.

Em 1968, se aprofundaram os anos de terror da ditadura brasileira, a partir do Ato Institucional Número 5 (AI-5), que duraria dez anos atuando por meio de violenta repressão. Era uma resposta truculenta dos militares às massivas manifestações estudantis fortalecidas a partir da morte do estudante secundarista Edson Luis de Lima Souto, com um tiro à queima roupa no Rio de Janeiro. Em junho daquele ano, o movimento estudantil organizou a histórica passeata dos 100 mil que reuniu também trabalhadores, artistas e intelectuais exigindo o fim da ditadura.

Com o AI-5 ocorreu o fechamento do Congresso Nacional e das assembleias legislativas dos estados, a cassação de mais 170 mandatos legislativos, foi instituída a censura prévia da imprensa e à cultura e dado o aval ao presidente para intervir nos estados e municípios.
Entre os artigos, estavam a suspensão dos direitos políticos proibindo atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política e aplicação de medidas de segurança que implicavam em liberdade vigiada, proibição de frequência em determinados lugares e obrigatoriedade de domicílio determinado.

Resistência e reorganização da classe trabalhadora

A industrialização e crescimento econômico se deram por meio de arrocho salarial, péssimas condições de trabalho, fim da estabilidade no emprego e forte repressão às lutas e greves, com perseguições, demissões e prisão de trabalhadores.

A crise mundial do petróleo foi um marco para o declínio do milagre brasileiro. A reação popular não tardou a se manifestar em protestos como saques ao comércio, quebra-quebras de trens e ônibus e ocupações de terrenos urbanos.

O movimento operário começou a se reorganizar no interior das categorias por meio das organizações de esquerda, comissões eclesiais de base ou mesmo de forma espontânea.

Entre as organizações de esquerda que cumpriram papel relevante neste processo de reorganização estava a Convergência Socialista, originária da corrente trotskista Liga Operária. Tanto a Liga quanto a CS não optaram pela luta armada, como tantas outras organizações, mas pelo movimento de massas. Assim se deu a inserção na luta dos metalúrgicos, professores, bancários, operários da construção civil, gráficos, portuários e outras categorias, dedicando também especial atenção ao movimento estudantil.

Os militantes da Liga, José Maria de Almeida, Celso Brambilla, e Márcia Basseto Paes enfrentaram prisão e torturas em maio de 1977. Essa repressão só teve visibilidade a partir do apoio do movimento estudantil que saiu às ruas de São Paulo em defesa da libertação desses trabalhadores.

A Convergência cumpriu papel fundamental na fundação do PT ao defender a criação de um Partido Socialista que representasse a classe trabalhadora, se movimentando de forma atuante para a construção do Partido dos Trabalhadores.

Essa organização também teve dezenas de militantes e ativistas presos ao final dos anos de 1970, e no decorrer dos anos de 1980, nas greves de tantas categorias de trabalhadores que ocorreram no período.

Essas greves tiveram proporções históricas, principalmente a partir de 1978, com a greve que se estendeu no ABC paulista nas montadoras e metalúrgicas. Este foi um marco para grandes greves na década de 1980. Essas lutas foram mescladas a um ampla campanha em defesa da anistia dos presos e exilados políticos. Personagens do cartunista Henfil se tornaram expressão desse movimento, como a Graúna dizendo “Tô vendo uma esperança”, assim como a música de João Bosco e Aldir Blanc “O bêbado e o equilibrista entoada em todos os lugares do país.

Dito Bronca, personagem criado por Henfil para o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos

Foi Henfil, em 1979, quem criou o histórico personagem do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, o Dito Bronca, que sempre manifesta sua indignação com a exploração, assédio e falta de condições no local de trabalho. Por causa do Dito Bronca, o sindicato sofreu diversos processos movidos pela empresa.

Em 1983, uma greve geral contra o arrocho paralisou aproximadamente três milhões de trabalhadores de importantes categorias. Entre elas, metalúrgicos, metroviários, bancários, comerciários, portuários, servidores públicos. Houve forte repressão, intervenção em sindicatos, cassação e prisão de dirigentes e trabalhadores.

Mas a semente de uma nova organização sindical no Brasil já estava plantada. Assim como as lutas do movimento estudantil que também foram ponta de lança para a derrubada da ditadura mesmo com a UNE (União Nacional dos Estudantes) atuando na clandestinidade. Em meados da década de 1980 fortes greves como de petroleiros, metalúrgicos, bancários imporiam o enfraquecimento da ditadura militar, encerrada oficialmente em 1985.

Em 2013, a Comissão de Anistia, reconheceu o papel da Convergência Socialista na luta pela democratização do Brasil. A 77ª Caravana anistiou e reparou 25 militantes da organização, quando o presidente da Comissão, Paulo Abrão, resgatou a importância da CS: “Um dos grupos políticos que mantiveram a altivez e a cabeça erguida e pagaram um alto preço por isso; a Comissão de Anistia dedica essa sessão pública à Convergência Socialista, reconhecendo o seu papel na luta contra a ditadura e também contra as injustiças sociais desse país”.

Não esquecer para que não mais aconteça

A democracia burguesa brasileira é manca. Aqui, não houve punição aos militares, um dos únicos países da América do Sul a não punir seus algozes. Diferente da Argentina, Peru, Uruguai e Chile, por exemplo.

No Brasil, a anistia aos presos e exilados políticos, em 1979, veio junto da anistia aos militares que cometeram graves crimes.

A Comissão Nacional da Verdade fez relevante mapeamento, investigou mortos e desaparecidos, genocídio de indígenas, perseguição a camponeses, a relação de empresas com a ditadura militar, mas não houve punições.

Além de deixar criminosos livres, a não punição no Brasil deixou entulhos na vida cotidiana como a continuidade da ação violenta institucionalizada da Polícia Militar nas periferias brasileiras ceifando principalmente vidas da população jovem e negra.

Os constantes ataques à liberdade e autonomia sindical também são parte dos resquícios da ditadura.

A impunidade dos crimes cometidos na ditadura garantiu fôlego aos militares e permitiu os atos golpistas de 8 de janeiro orquestrados por Jair Bolsonaro, militares das Forças Armadas e setores conservadores.

Estão paralisados os processos de anistia dos perseguidos políticos entre 1964 e 1985.

Por isso, o presidente Lula não pode determinar a suspensão de eventos oficiais que lembrem os 60 anos do golpe militar. Não é possível passar uma borracha nos crimes cometidos pelos militares na ditadura.

Essa ação de Lula foi recebida com indignação por vítimas, familiares e todos que lutam contra a ditadura. Não é para menos. Conciliar com militares e torturadores da ditadura é inadmissível e só serve para fortalecer a extrema direita.

Em contraposição, organizaremos e participaremos de atividades que lembrem as atrocidades cometidas pelo regime militar que afetou profundamente o povo brasileiro, com o intuito de assumir e fortalecer a luta por Memória, Verdade, Justiça e forma independente.

Exigimos prisão imediata para Bolsonaro e todos os golpistas. Sem anistia ou conciliação com tais golpistas.

Exigimos reparação às vítimas da ditadura, com anistia daqueles que ainda não foram reparados.

Para que não se esqueça, para que não mais aconteça. Ditadura Nunca Mais!