PROPAG: a farsa do “pleno pagamento” das dívidas estaduais
Nos últimos meses, o Governo Federal lançou o chamado PROPAG, Programa de Pleno Pagamento da Dívida dos Estados. O nome soa otimista, como se o país estivesse finalmente virando a página de um ciclo de endividamento crônico. Mas, por trás da propaganda oficial de “responsabilidade fiscal” e “reestruturação federativa”, o PROPAG esconde uma engrenagem que aprofunda a submissão dos estados ao capital financeiro, limita o investimento público e coloca em risco o patrimônio e os serviços que pertencem ao povo.
O que é o PROPAG e como funciona?
O PROPAG foi criado pelo Governo Federal em 2025 com o discurso de resolver, de uma vez por todas, o problema das dívidas estaduais. Segundo o governo, o programa permitiria que os estados quitassem o que devem e voltassem a investir em áreas como educação, segurança e infraestrutura. Mas, na prática, o PROPAG é uma nova versão das antigas renegociações de dívida, como o Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Ele muda a forma, mas mantém a mesma lógica: o Estado paga, o mercado financeiro lucra.
Para aderir ao PROPAG, o governo estadual precisa primeiro manifestar oficialmente seu interesse junto ao Ministério da Fazenda, enviando documentos que provem que o estado tem autorização da Assembleia Legislativa para participar. Também precisa apresentar uma lista de bens e ativos, como imóveis, ações de estatais ou participações em empresas, que poderão ser usados para abater parte da dívida.
Depois dessa etapa, o Governo Federal analisa a proposta, define o valor final da dívida e as condições de pagamento. Se tudo for aprovado, o estado assina um novo contrato com a União, que substitui o acordo anterior e define os prazos, as taxas de juros e as metas a cumprir.
O PROPAG promete condições “melhores” para quem aderir. Ele permite que o estado pague a dívida em até 30 anos, com juros mais baixos do que os cobrados em programas anteriores. A taxa de juros é calculada sobre a inflação mais um juro “real”, que varia de 0% a 2% ao ano. Quanto mais o estado conseguir pagar logo no início, o que se chama amortização, ou seja, a quitação antecipada de uma parte do valor devido, menor será a taxa de juros cobrada no restante da dívida.
A armadilha
Na prática, isso significa o seguinte: se um estado conseguir pagar, logo na entrada do programa, cerca de 20% do valor total da dívida, ele pode conseguir juros reais de 0% ao ano, pagando apenas a correção pela inflação. Mas se conseguir amortizar menos, a taxa de juros sobe, podendo chegar a 2% ao ano. Essa diferença cria uma pressão enorme sobre os governos estaduais para vender patrimônio público e, assim, levantar dinheiro para amortizar o quanto antes.
É aí que entra a armadilha. Para atingir a meta de amortização e garantir juros baixos, muitos estados acabam entregando bens estratégicos, como empresas estatais, imóveis e participações em companhias lucrativas. Isso já está acontecendo em Minas Gerais, onde o governador Romeu Zema (Novo) usa o PROPAG como justificativa para privatizar empresas como a Cemig e a Copasa. A chamada “amortização antecipada”, portanto, acaba sendo o pretexto para uma nova rodada de privatizações.
A dívida como mecanismo de dominação
Apesar de parecer um programa de “ajuda”, o PROPAG não questiona a origem nem o tamanho das dívidas estaduais. Ele parte do princípio de que tudo o que os estados devem à União é legítimo e deve ser pago integralmente. Ou seja, o programa não discute se os juros cobrados ao longo dos anos foram abusivos, se parte dessa dívida já foi paga mais de uma vez, ou se o sistema de endividamento foi criado justamente para manter os estados dependentes. Ele apenas muda as condições de pagamento, mas mantém a mesma estrutura de dominação financeira.
Em resumo, o PROPAG apresenta-se como um plano técnico e moderno de equilíbrio fiscal, mas na prática reproduz a velha lógica de subordinação dos estados ao capital financeiro. O incentivo à amortização antecipada empurra os governos a vender patrimônio público; as metas de austeridade restringem investimentos sociais; e as dívidas continuam sendo pagas sem nenhuma auditoria. É um programa que promete “alívio” temporário, mas perpetua o controle da União e dos bancos sobre as finanças estaduais, um verdadeiro refinanciamento da dependência.
A evolução da dívida dos estados na última década
A gênese dessa armadilha remonta à década de 1990, quando, sob o governo FHC e a tutela do FMI, os estados foram compelidos a refinanciar suas dívidas com a União, com o Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal dos Estados (Lei 9.496/97). Em troca, aceitaram cláusulas leoninas: juros compostos, correção monetária descolada da economia real e a obrigação de superávits primários contínuos.
Esses contratos foram renegociados em 2014, durante o governo Dilma, reduzindo parte do indexador, mas sem tocar na essência do problema. Em 2016, o governo Temer instituiu o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), aprofundando as exigências de ajuste e congelando salários e investimentos. O PROPAG é, portanto, a terceira geração de um mesmo modelo, que nasceu do neoliberalismo e continua sob novos nomes.
Com isso, a dívida nunca parou de crescer. Mesmo com décadas de pagamentos, estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo viram seus passivos multiplicarem-se. Em 2014, a dívida consolidada líquida dos estados e do Distrito Federal era inferior a R$ 300 bilhões; dez anos depois, em 2024, esse montante saltou para R$ 811 bilhões, segundo o Balanço Geral da União.
O aumento de quase 183% em uma década evidencia o caráter estrutural do endividamento público, que persiste mesmo após sucessivas renegociações e regimes de “ajuste fiscal”. Longe de representar mera falha administrativa, esse crescimento expressa um modelo de dependência financeira que subordina os orçamentos estaduais à União e ao rentismo. É um crescimento que não reflete novos investimentos, mas a própria lógica de reprodução do capital financeiro, em que o pagamento de juros supera o valor principal.
O “reinvestimento” e o risco da entrega à iniciativa privada
Um dos pontos mais perigosos do PROPAG é o discurso do “reinvestimento dos recursos recuperados”. O governo afirma que, com as finanças “saneadas”, os estados poderão destinar parte dos valores a investimentos em infraestrutura e serviços. Contudo, não há nenhuma garantia de que esse dinheiro será aplicado em áreas públicas.
Ao contrário, a realidade aponta para “parcerias com o setor privado”, especialmente via concessões, PPPs (Parcerias Público-Privadas) e fundos de investimento em infraestrutura. Na prática, isso significa transferir recursos públicos e ativos estratégicos, como empresas estatais, rodovias, saneamento e energia, para grupos empresariais. O PROPAG, portanto, funciona como um mecanismo de socialização das perdas e privatização dos ganhos.
Farsa orçamentária preserva os lucros dos bancos e sacrifica o serviço público
A dívida pública, seja federal ou estadual, é um instrumento de dominação de classe, uma forma de acumulação do capital, pela qual o Estado se torna mediador da transferência de riqueza da classe trabalhadora para os rentistas. No caso brasileiro, essa lógica é evidente: o Estado toma empréstimos junto ao sistema financeiro, paga juros altíssimos, corta investimentos sociais para garantir superávit e depois justifica privatizações sob o argumento de “déficit fiscal”.
O PROPAG perpetua esse mecanismo. Ele não rompe com a dependência do capital financeiro, apenas a administra de forma mais “moderna”. O resultado é uma captura do Estado pelo rentismo, em que o orçamento público serve não ao povo, mas à valorização do capital.
O nome “PROPAG” cai como uma luva. É, literalmente, uma propaganda: um verniz técnico para esconder a velha política de endividamento e privatização. É a tentativa do governo de se mostrar “responsável” diante do mercado, mesmo que isso signifique sufocar estados e municípios.
A mesma política que empurrou o Rio de Janeiro para a falência, que fez Minas Gerais atrasar salários e que levou o Rio Grande do Sul a décadas de cortes, agora é vendida como “solução definitiva”. Trata-se de uma farsa orçamentária que preserva os lucros dos banqueiros e sacrifica o serviço público.
Suspender, auditar e priorizar os trabalhadores e o povo pobre
A saída não está em mais renegociações ou em novos programas de “ajuste”. Está em romper com o modelo de dependência financeira e reconstruir a economia sob controle dos trabalhadores. Isso passa por suspender o pagamento da dívida, auditar seus contratos e criar uma política fiscal voltada às necessidades da classe trabalhadora. Enquanto isso não acontecer, cada PROPAG lançado será apenas mais uma versão do mesmo filme: o Estado a serviço do capital, e o povo pagando a conta.