Nacional

Proposta do STF libera mineração em Terras Indígenas

Documento ainda dificulta demarcações e permite à PM reprimir retomadas

Jeferson Choma

13 de março de 2025
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Os direitos dos povos indígenas estão na alça de mira dos grandes proprietários rurais e seus aliados no Congresso Nacional e no Poder Judiciário. Uma armadilha bastante malandra foi gestada pelo ministro Gilmar Mendes no Supremo Tribunal Federal (STF). Mendes, um conhecido aliado dos latifundiários de Mato Grosso, criou e coordena uma comissão de conciliação sobre o marco temporal que prepara uma tentativa de reescrever o “capítulo dos índios” da Constituição Federal.

Em setembro de 2023, o STF decidiu que a tese do marco temporal é inconstitucional. Em resposta, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701, que instituiu a tese. Na sequência, o Supremo recebeu várias ações para definir sobre a validade da lei. Foi no interstício dessa disputa que a comissão foi criada por Gilmar Mendes.

O que é o marco temporal?

O marco temporal é defendido por grandes proprietários de terras, grileiros e empresários do agronegócio. Consiste na ideia de que os povos tradicionais só têm direito a territórios já ocupados até a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Mas quem conhece um tiquinho da História do Brasil sabe que o marco temporal é uma farsa. Muitos indígenas, de fato, não ocupavam o seu território ancestral na data da promulgação da Constituição, e a razão para isso é bastante óbvia: em 1988, os indígenas há muito já haviam sido expulsos e impedidos de estar em suas terras.

Negociar direitos

Em face da decisão do STF pela inconstitucionalidade do marco temporal, Gilmar Mendes optou por caminhos mais ardilosos, criando um grupo para rediscutir o tema com o improvável objetivo de “conciliar” latifundiários e povos originários espoliados desde 1.500. O movimento indígena rapidamente percebeu a armadilha. Em agosto do ano passado se retirou da comissão, denunciando-a como uma “farsa” que busca “negociar o inegociável”: seus direitos constitucionais.

A comissão seguiu seu trabalho reunindo mais representantes do agro e do latifúndio. Mais recentemente, a comissão foi integrada pela deputada bolsonarista Silvia Nobre, mesmo não tendo participado de nenhuma das reuniões da Câmara. A deputada se autointitula indígena, mas foi deslegitimada pelas organizações do Povo Wajãpi através de uma nota de repúdio: “não representa nosso povo”, “não pode falar em nosso nome”, denunciaram.

A comissão de conciliação está na fase final dos seus trabalhos e tem até o dia 2 de abril para a aprovação de seu texto final, que seguirá para o plenário do STF e, caso seja aprovado, seguirá para o Congresso na forma de Projeto de Lei Complementar.

Audiência da Comissão de Conciliação do STF

Marco temporal piorado

Mas Gilmar Mendes já divulgou uma minuta de proposta de alteração da legislação indígena. O documento defende a liberação da mineração em Terras Indígenas, uma pauta amplamente defendida pelo governo Bolsonaro. Mendes se aproveita de uma armadilha presente na Constituição que prevê “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas”, mas que, segundo a Carta, “só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas” (art. 231, § 3º). Entretanto, de acordo com a minuta do ministro, a consulta aos povos indígenas sobre a mineração se torna apenas um ato de mera formalidade e menor relevância, pois eles não poderão vetar a exploração mineral em seus territórios. A opinião de quem é o dono da terra e será afetado não importa para Mendes.

Impossibilitando novas demarcações

A minuta também determina que fazendeiros e grileiros que estejam em Terras Indígenas (TIs) que venham a ser demarcadas só poderão sair quando receberem do governo federal uma indenização sobre o valor da terra nua. Atualmente, as indenizações são calculadas apenas levando em conta o investimento feito em estrutura e construções dentro da área. Mas a proposta, além de dificultar a demarcação definitiva dos territórios, vai premiar aqueles que roubaram essas terras e usaram de violência para mantê-las sob seu domínio.

A imensa maioria dos títulos de propriedade dos invasores é uma ficção, criada por fraude cartorial, que envolve funcionários corruptos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), donos de cartórios, políticos, juízes e autoridades de distintas esferas.

Na prática, a minuta é uma versão piorada do marco temporal, porque os invasores terão direito de posse sobre o território e só vão sair dele quando estiverem satisfeitos com a indenização paga pelo governo.

Latifundiários podem contestar demarcações

Além disso, o documento prevê que setores contrários à demarcação (leia-se associações ruralistas, de fazendeiros, de madeireiros) tenham acesso a todas as informações e participem desde o início do procedimento administrativo, com a constituição do Grupo de Trabalho, indicando inclusive peritos. Na prática, isso inviabiliza a demarcação das Terras Indígenas.

Permissão para PM reprimir

Outra medida que tem sido denunciada é o uso da Polícia Militar, em conjunto com a Polícia Federal ou a Força Nacional, para a “retirada imediata dos invasores, independentemente de se tratar de Terras Indígenas, territórios públicos ou privados, envolvendo qualquer pessoa que tenha ingressado de forma desautorizada”. Trata-se do aval para as forças de segurança pública, incluindo a PM, retirarem à força comunidades que tenha iniciado a retomada de seus territórios. Em muitas regiões do país, forças policiais já são utilizadas como milícias privadas do latifúndio, perseguindo e assassinando lideranças indígenas.

Direitos indígenas não são moeda de troca. É preciso repudiar as artimanhas de Gilmar Mendes e não depositar nenhuma confiança no poder judiciário e no governo. Ao mesmo tempo, é preciso exigir que o governo Lula combata efetivamente qualquer ataque aos direitos dos povos indígenas.

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