Cultura

Quando chegamos ao lado escuro da Lua

Tácito Chimato

5 de março de 2022
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Chega a ser irônico que, em meio as bombas que cruzam o céu de Kiev, um disco de quatro ingleses tão marcados pelas cicatrizes da guerra faça aniversário essa semana. Roger Waters, letrista da faixa Us and Them, perdeu seu pai na Segunda Guerra, e se opõe em sua obra criticamente contra diversos conflitos, como o genocídio de Israel contra o povo Palestino. Na letra, ele cita os movimentos de um front terminando com um soldado abatido. A música usa o tema da violência em diversas camadas, do conflito armado à luta pelos direitos civis da época. De certa maneira, ela é definidora para o salto temático que o disco, uma das obras mais populares do século XX, significou para o Pink Floyd.

Pelo menos, em termo de veiculação, os números não negam: 50 milhões de cópias vendidas e 15 anos nas paradas de sucesso mundial (Billboard 200-de 1973 a 1988), além de inúmeras citações em diversas revistas especializadas como um dos melhores discos de todos os tempos, sem mencionar uma imensa obra acadêmica em volta. Nada mal para uma banda original de uma cena restrita, que menos de uma década antes, estava imersa no underground londrino e passou a lotar estádios nos Estados Unidos e da Europa.

Talvez o segredo seja sua universalidade: ao abordar diversos temas da vida cotidiana de forma crítica, Dark Side toca na alienação da rotina, no tempo que em que deixamos de ser nós mesmos vivendo em torno do trabalho e da sobrevivência: a ditadura do dinheiro em Money, as pequenas pausas entre os dias de trabalho em Breathe, os conflitos no mundo em Us and Them, a loucura em Brain Damage e o final apoteótico da vida em Eclipse, onde tudo o que fizemos na vida é contado. Ao tratar do contexto de sua época e buscar aspirações profissionais, o Pink Floyd reescreveu sua história a partir de Dark Side e criou um disco atemporal, que seguirá batendo recordes e desafiando modismos.

Contexto histórico e Syd Barrett: a primeira fase

Todos os integrantes da banda nasceram em torno da década de 1940, de diferentes partes da Inglaterra, convivendo na infância com os escombros de uma guerra ainda recente. Na primeira fase, em especial, é necessário destacar dois integrantes: Syd Barrett, primeiro líder e mentor criativo da banda, e Roger Waters, que assumiria o posto após a saída de Syd. Ambos passaram sua infância em Cambrigde, uma cidade universitária relativamente próxima a Londres, com uma pequena cena ligada ao campus local. Enquanto Waters se tornava uma pessoa reclusa, produzindo alguns cartazes para as bandas locais e vivendo absorvido em jornais e panfletos de diversas organizações militantes, Barrett desde cedo foi estimulado à música, transitando livremente entre as festas estudantis. Extrovertido, teve contato jovem com maconha e LSD, novidades nos anos 1960 que prometiam “expandir” a consciência. Ambos se cruzaram e tornaram-se amigos, logo formando suas respectivas bandas e tocando juntos ainda em Cambrigde.

Como é comum em diversas cidades universitárias, havia um abismo entre a realidade local e a vida estudantil. Para Barrett e Syd, pouco acrescentava estar inserido em um mundo tão próximo e ao mesmo tempo tão fechado. Ambos decidiram estudar em Londres. Lá, Waters monta outra banda, sem sucesso, mas conhece Nick Mason e Richard Wright e investe em um sexteto com ambos. Entre inúmeras trocas de formação, Syd entra na banda e assume a guitarra, levando Waters para o baixo. Esse núcleo seria o embrião para o Pink Floyd, que ainda passaria por algumas trocas de formação até se consolidar em: Nick Mason, na bateria; Richard Wright, no teclado; Roger Waters, no baixo; e Syd Barrett, na guitarra e voz principal.

Pink Floyd com Syd Barret

Ter Syd à frente da banda era estratégico: carismático, criativo e com livre trânsito na cena londrina. A Inglaterra lançava os maiores sucessos na época, com Beatles e os Rolling Stones na frente. Porém, ao passo que essas bandas tinham grande apelo na classe trabalhadora e na juventude proletária de todo o mundo, os universitários dos Estados Unidos e da Europa já faziam outras incursões. A cultura lisérgica, uma busca individual pela paz e uma elevação através de substâncias, ainda que fizessem parte de uma elite universitária, rompia barreiras com liberdade sexual, igualdade de gênero e postura anti-guerra. Nesse meio, orbitava uma vanguarda artística nas grandes capitais. Londres não era exceção, com o underground (a famosa foto da placa de Londres) povoando a noite da cidade. A moda era se vestir colorido, contra a opressão do cinza inglês. Syd, desde o momento que pisou em Londres, frequentou ativamente a cena, onde criava suas experimentações musicais e entrava de cabeça no uso de LSD e outras drogas. De imediato, surtia efeito: os shows do Pink Floyd fundiam elementos de teatro com um som experimental, com letras sobre as viagens espaciais de Syd e os quatro integrantes improvisando.

A banda tocaria dois anos sem nenhum lançamento expressivo até conseguir um contrato em 1967 com a EMI. Na época, a porcentagem irrisória do lucro sobre os discos vendidos para os músicos exigia uma vida na estrada, e a banda passou a tocar para plateias longe desse mundo restrito do underground. Syd, sem conseguir se adaptar, entra em um ciclo de abuso de substâncias cada vez maior e passa a apresentar os primeiros sintomas de esquizofrenia. Ainda assim, sob sua batuta, o Pink Floyd lança seu primeiro disco, o Pipers Of The Gates Down. Considerada uma obra-prima da geração psicodélica do rock, sua produção caótica levou o estresse do resto da banda com Syd Barrett ao limite. Era comum ele entrar para gravar a voz e ficar horas em silêncio, catatônico, e de repente começar a gritar sem parar.

É necessário lembrar que essa geração é a primeira a ter um contato de fato com drogas psicotrópicas para uso recreativo. Não haviam registros exatos dos efeitos, e a cultura tanto do underground como do famoso Hippie vinha justamente da experimentação, algo perigoso quando não se há limites claros do que pode acontecer.

Um livro popularizado na cena de Londres era o “Política da Experiência”, de Ronald D. Laing. Partindo de uma visão estritamente subjetiva, se o comportamento social da época era o normal, eu, pressupondo que não considero aquilo normalidade, sou livre para ir além desses limites impostos. Ainda que a visão de uma sociedade opressora, que impõe padrões comportamentais visando alienar o homem de seu potencial criativo faça sentido, a saída espiritual, a expansão mental e, em última instância, o desafio de se afastar daquilo considerado “lúcido”, não só não faz sentido como se revelou ao longo dos anos sessenta extremamente perigoso. Diversos jovens de toda uma geração foram além de qualquer limite, muitos pagando com sua própria vida em torno de uma saída para as repressões da sociedade capitalista.

Waters começa a perceber que o estado do amigo de infância estava longe de uma elevação mental. Após diversos contatos com a família, que resistia à ideia do filho apresentar distúrbios por conta do abuso de drogas, os três decidem tentar um quinteto: se houvesse outro guitarrista de prontidão para tocar caso Syd não conseguisse, eles poderiam manter o calendário de shows com mais confiança. Eles convocam um velho conhecido, David Gilmour, que receberia um pagamento à parte. Conforme os shows avançavam, Syd ficava cada vez mais desligado da realidade, aparecia menos nos shows, deixando Gilmour assumir a única guitarra. Em uma turnê para a França, Syd não apareceu. Waters assumiu a responsabilidade, e o Pink Floyd se conformaria em sua formação clássica como um quarteto com David Gilmour nas seis cordas.

A sombra de Syd e Echoes

Syd Barrett ainda participaria do próximo disco, mas já estava claro para o resto dos membros que não podiam contar com o ex-líder. A incursão longa por sua história, longe ainda do que viria a ser a banda no Dark Side of The Moon, se fez necessária por dois motivos: o primeiro, e óbvio, é contar o lado humano de todos os envolvidos. A experiência é até hoje para os ex-integrantes da banda, quase octagenários em 2022, um trauma. Era comum Waters se emocionar com a situação de Syd Barrett quando o próprio dava as caras, e ambos ainda tinham família na mesma cidade. Essa relação significou uma ruptura tão grande entre os membros do Pink Floyd que desde então eles lidariam a banda em um sentido estritamente profissional.

Para Roger Waters, cabia a ele carregar o legado do nome Pink Floyd. Ele estava decidido sair de vez do underground e assumir uma postura mais séria e materialista em relação à própria obra, com letras saindo do universo lúdico da psicodelia. Porém, o fantasma de Syd era maior que tudo. O Pink Floyd era a banda para os universitários e um círculo restrito de artistas se desligarem da realidade. Waters via na mensagem do “Política da Experiência” um sentido mais concreto: a desalienação do ser humano, a música e outras formas artísticas como uma ponte para, ao mostrar o que era a realidade de fato, o ser humano pudesse se libertar das correntes da sociedade capitalista.

Ainda que soe pretensioso, sem essa obsessão, dificilmente o nome da banda teria atingido o tamanho de hoje. Aos outros membros, em especial Wright e Mason, que também acompanharam todo o processo em relação Syd desde o começo, restava bufar e seguir o bonde, já que estavam falando de seu ganha pão. Mas para Gilmour, o ego de Waters realmente tornou-se um incômodo. Isso por conta do fator crucial: o talento do próprio como guitarrista. Gilmour era recém-chegado, tocara anos como contratado, mas desde sempre se mostrou um músico acurado. Seu estilo de poucas notas e volume máximo nos amplificadores, além de um vocal competente eram o suficiente para bater de frente com o cérebro de Waters, que no comando das letras corria para sair do universo psicodélico. Por mais que as letras fossem creditadas quase todas em sua autoria e o mesmo se intrometesse nas composições, o som de Gilmour é que se tornava a marca registrada do Pink Floyd.

O que havia naquele momento, porém, era uma competição saudável entre dois egos inflados, onde estava subentendido que se não trabalhassem junto, sempre estariam presos a um passado traumático. Após a despedida de Syd na faixa Jugband Blues do segundo disco, o grupo rompe o padrão anterior em 1969 com Ummagumma, um disco duplo com um LP ao vivo e outro dividido em quatro partes, uma para cada membro. Espantosamente, o álbum chegou a sexto lugar na Grã-Bretanha, sendo no mínimo indigesto escutá-lo atualmente, tamanha a experimentação.

Como a banda não parava de excursionar, as músicas para o próximo disco sempre eram compostas na estrada e, quando havia uma quantidade considerável, eles corriam para o estúdio. Em 1970, a banda decide inovar, levando metade do disco composto, mas com a ajuda de uma orquestra para a outro lado do vinil. A experiência, segundo os próprios, foi terrível. Sem a tecnologia atual dos estúdios, os integrantes tiveram que tocar separadamente sem ter noção exata do ritmo a ser seguido. Atom Heart Mother, conhecido como o “disco da vaca”, seria o mais odiado pelos quatro, apesar de manter o bom número de vendas. A banda então parte para mais uma turnê frenética expandindo seus horizontes para novos países europeus, levando a mais uma rodada caótica de composições e shows recheados de improvisos.

Em 1971, Waters, para tentar algo novo, impõe que os quatro entrem em um estúdio e gravem do zero, sem nenhuma ideia pré-pronta. Poderia parecer fácil, se todos minimamente se suportassem. Após horas de desentendimentos e ordem de Waters; Wright irritado, mais o clima, segura uma única nota no teclado sem parar. Gilmour pega a guitarra e improvisa sobre o som. A base agrada a Waters, mas a banda deveria partir para mais uma turnê em breve. Os quatro passariam os próximos três meses na estrada e gravando partes em diversos estúdios, até chegarem ao produto final, lançado no disco Meddle, de 1971. A faixa alavanca a banda ao inédito top 3 nas rádios inglesas. A crítica especializada da época elogia a coesão, e o som do Pink Floyd encontra sua identidade dois anos antes do Dark Side Of The Moon.

Uma das famosas façanhas da época é o show ao vivo gravado na cidade de Pompéia, na Itália. A ideia original era gravar um show para uma plateia no antigo anfiteatro romano, mas o governo italiano reprovou um festival em meio ao patrimônio histórico da cidade destruída pelo vulcão Vesúvio. Um professor universitário local, porém, conseguiu mover uma ação para a gravação de um documentário da banda com um show sem plateia. O vídeo ficou famoso pela performance de Echoes.

Dark Side Of the Moon

A turnê de Meddle foi a mais bem sucedida para grupo até então. Mason começou a colecionar carros caros, Wright e Gilmour se mudaram para chácaras com suas famílias para o interior inglês e Waters montou seu próprio estúdio. Ocorre que ela também foi a mais longa. Até então, cada um dos discos foi gravado em um ano (1969-1971), mas a turnê Meddle se estenderia por dois anos. A banda percebe que não poderia lançar um disco completo, e decide inovar no repertório antes de lançar um trabalho fechado. Agora prestigiados, o Pink Floyd não precisa mais se revezar em diversas cidades, e decide fechar por dois anos uma sala para si no famoso Abbey Road estúdio, em Londres, imortalizado na capa dos Beatles. Os próprios fazem questão de contratar o mesmo engenheiro de som, Allan Parsons, que seria crucial, como veremos adiante.

Echoes acende a luz para Waters que, se era possível fazer um disco inteiro em torno da mesma sonoridade, ele poderia também unir o som com uma temática. Voltando novamente ao “Política da Experiência”, Waters assume todas as letras faz as primeiras 6 bases inspiradas em ações do cotidiano, partindo justamente da centralidade do trabalho como motor da rotina humana. Breathe, ao mesmo tempo que fala dos pequenos intervalos entre as obrigações e cita a poluição das grandes cidades. Time, gravada inicialmente em um violão, fala da inevitabilidade do tempo e a alienação da rotina. Money, do dinheiro e da imposição dele como valor absoluto da sociedade. Us and Them, sobre a violência, desde a bélica até a nos pequenos atos naturalizados.

Brain Damage soa como uma homenagem, separação de Syd e ao mesmo tempo, casa com toda a temática costurada. Enquanto descreve momentos de loucura de um lunático no jardim, Waters evoca a perda de humanidade da rotina, quando por diversas vezes sucumbimos as pressões do dia a dia. Com uma letra próxima as composições do underground, o Pink Floyd joga finalmente a pá de cal em seu obscuro passado. E finalmente Eclipse, que fecharia de maneira apoteótica esse ciclo da vida. E daí que surge o nome Dark Side of The Moon: “A ideia era falar que, se você ficou tão cansado de tudo isso e decidiu ir para o lado de lá da Lua, para não se preocupar, pois não estava sozinho”, revela Waters.

Waters apresenta o conceito a banda, que parte para diferentes interpretações e dá sugestões nas letras. Wright acha interessante incluir referências a vida de rockstar, que os quatro sempre foram avessos. O consenso final que se estabelece sobre essas faixas é que elas tratariam de escolhas da vida, ou seja, a partir de quais ações você determina se será bom e ruim, e o que afinal define o que você é.

De certa maneira, Waters estava se apropriando do conceito do “Política da experiência” não como uma ferramenta para ação, mas sim como análise: se eu me considero humano, partindo do pressuposto que tenho a liberdade criativa pela minha condição, o que faz uma pessoa que viveria alienada na rotina? – “Eu tinha 29 anos em 1972”, diz Waters, “e foi um momento muito poderoso na minha vida. (…) Minha criação foi toda baseada em ‘Você vai querer arranjar um bom emprego para não ficar entediado e vai desejar constituir uma família. Então, precisa se preparar, deve ter uma educação decente e fazer isso e aquilo’. Minha mãe falava desse jeito. Tudo sempre era dirigido para uma preparação para a vida real que iria começar em algum ponto da estrada. Foi um grande choque descobrir que não estava me preparando para nada. Estava bem no meio da coisa, e sempre estivera.”[1].

Como a banda estava em meio a turnê, todas as músicas foram testadas e sendo desenvolvidas com o público também, que reagia calorosamente. O show do Pink Floyd foi se tornando cada vez mais elogiado e as rádios pediam gravações novas das canções. O plano, até então, dava certo. Cada vez que voltavam no estúdio em meio a estrada, Parsons modelava as canções de acordo com o retorno. Com Gilmour, transformou Time em uma canção vigorosa, bem diferente da original. Também incluiu o quarteto de cantoras Liza Strike, Barry St. John, Lesley Dybcan e Doris Troy para diversas músicas e o saxofone de Dick Parry em diversos momentos. Na época, nenhum dos músicos receberem os devidos créditos, sendo o quarteto citado como “As garotas”.

Talvez o grande desafio de Parsons tenha sido convencer a banda a mudar o conceito da faixa The Great Gig In the Sky, que consumiu sete meses para ser composta. Inicialmente, Wright queria fazer uma peça de piano sobre a morte, mas a música era “animada demais”. Parsons então sugere uma cantora, mas a banda insiste para ser alguém fora do quarteto. Ele contrata Clare Torry, que cantava versões de clássicos americanos na noite de Londres. Ela não conhecia a banda, e a banda mal sabia o que queria. Quando ela ouviu o instrumental, cantou alguns “baby”, mas nenhum dos membros aceitou. Ela então perguntou se poderia usar a voz como um instrumento, e gritou sem nenhuma letra durante o tempo da gravação. Gilmour se empolga e pede para ela repetir diversas vezes. A própria Torry, que também não recebeu crédito, conta: “Gotas de suor escorriam por meu corpo. Eu não poderia fazer aquilo hoje: precisaria de um intervalo de meia hora entre cada tentativa.”[2]. Sem saber a maneira fria dos integrantes se relacionarem, ela simplesmente foi embora após o primeiro “OK” uníssono e mal deixou o nome: “Achei horrível”.

O disco ainda fecharia com uma introdução (Speak to Me) e uma faixa experimental que Waters desenvolveu em seu estúdio com sintetizadores (Any Color you like) e a banda improvisou em cima. O detalhe final foi a capa: a banda trabalhava há anos com a Hipgnosis, empresa famosa pelas capas icônicas dos anos sessenta e setenta. Porém, os responsáveis estavam frustrados com o Pink Floyd, pois odiaram a escolha da capa de Meddle. Como a ideia era vender o disco como o material mais sóbrio da banda até então, o desenhista optou por juntar duas fotos que havia visto: um feixe de luz atravessando um vidro e uma pirâmide, em um desenho sóbrio de cores simples. Ao apresentar a capa com mais oito opções diferentes, o representante da Hipgnosis mal precisou explicar. Foi a decisão mais rápida da banda.

É possível andar nos dois lados da Lua?

Ao final, Wright e Mason estavam tão cansados que só foram escutar o trabalho na íntegra meses depois, mas Gilmour e Waters fizeram questão de ouvir a primeira prensa assim que receberam suas cópias. Gilmour abriu uma cerveja e se considerou realizado. Mas a companheira de Waters chorou e abraçou-o: “Ela ficou francamente emocionada. Acho que sacou que tínhamos feito uma fortuna”, conta Waters rindo.

Como o ritmo de turnês do Pink Floyd era praticamente ininterrupto, o primeiro impacto só poderia ser na estrada. Temendo a saída da gravadora, a Capitol Records, que cuidava da banda nos Estados Unidos, contrata o milionário Bhaskar Menon para agenciar a banda. O próprio, vendo que dificilmente manteria os quatro no contrato, lança duas músicas em separado para o mercado americano e investe em uma estrutura para estádios, diferente de uma banda que até então tocava em teatros. Foi uma tacada de mestre. O disco saltou para o primeiro lugar na parada americana e permaneceria mais de uma década em primeiro na Inglaterra. Na Alemanha, é famosa a história de uma fábrica que se manteve por oito anos só prensando as cópias do Dark Side Of The Moon. Hoje, além dos 15 anos entre os discos mais vendidos, a mudança nas regras para tempo por semana na Billboard saltou o disco para mais dez anos, ou seja, de seu lançamento (1973) até 2009, o disco permaneceu 25 anos entre os 200 mais ouvidos.

A sombra do underground, enfim, se dissipara. Mas para o desespero de Waters, o salto de público da banda não encontrou eco no tal livro “Política da Experiência”. Faltou talvez o senso coletivo de que, ao se tratar da mudança de uma sociedade, a organização entre diversos setores, entre eles as classes oprimidas e exploradas, pode quebrar a ordem de produção do capitalismo que preza pelo lucro, não o valor humano.

Ainda que o conteúdo do Pink Floyd seja de fato muito mais maduro e musicalmente distinto de seus contemporâneos, não há um norte político claro para o que Waters e companhia queriam fazer. Ao final, a visão de realidade que Waters tem continua afiada, com o próprio em carreira solo fazendo questão de sublinhar suas posições a favor dos oprimidos, como na causa Palestina e até no Fora Bolsonaro. Mas compreender o Dark Side of The Moon não pode ser escapar das críticas a serem feitas a um modelo de libertação que passa por um individualismo difuso, que ao final interessava a poucos fãs. No final, Mason e Wright tinham suas razões para achar tudo aquilo só somente um trabalho e não terem paciência para os arroubos de Waters. E Gilmour se revelaria um talento ainda mais completo que o Dark Side em discos posteriores. Mas isso é história para outro disco.

Por agora, basta se conformar que não estamos sozinhos do lado escuro da Lua. Boa escuta!

 

[1]             . HARRIS, John. “The Dark Side Of the Moon: Os bastidores da obra prima do Pink Floyd”, Editora Zahar, 2006, p. 74).

[2]             . HARRIS, John. “The Dark Side Of the Moon: Os bastidores da obra prima do Pink Floyd”, Editora Zahar, 2006, p. 133).