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Que segurança pode vir de quem comandou a Rota?

Israel Luz

3 de julho de 2024
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Foto PMSP

A imprensa noticiou que Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, conta com o ex-comandante da Rota, Alexandre Gasparian, na preparação do seu programa de Segurança Pública.

Questionada pelo UOL, a coordenação da campanha respondeu em nota que Gasparian é um “defensor dos direitos humanos”. Afirmou ainda que a capital precisa ter “políticas sérias e sem demagogia nessa área”. Por fim, o objetivo seria mostrar “que é possível tratar com seriedade do tema […] sem ficar refém do bolsonarismo”.

Mas que segurança pública pode ser construída com quem comandou diretamente a guerra racista ao povo pobre? A nosso ver nenhuma. E temos bons motivos para acreditar nisso.

Rota, um ninho de policiais matadores

As Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar ou, simplesmente Rota, foram criadas em 1970 em plena ditadura civil, empresarial e militar.

O jornalista Caco Barcelos conta no livro Rota 66 (1992) o seguinte: “Muitos PMs são contemporâneos […] aos agentes da repressão política, que costumavam forjar histórias, através de notas oficiais distribuídas à imprensa, para esconder a verdadeira circunstância em que matavam seus inimigos”. E constata em seguida: “os matadores da PM herdaram os métodos do passado. Vencida a guerra contra a guerrilha, passaram a usar os mesmos métodos contra os suspeitos da prática de crimes comuns”. Onde estavam esses supostos criminosos? Já naquela época em áreas periféricas da cidade.

Almir Felitte confirma esta continuidade fundamental em História da Polícia no Brasil (2023): as Rondas “foram criadas, primordialmente, para cumprirem a função de […] repressão aos assaltos a bancos realizados por grupos guerrilheiros. Com a derrocada da resistência armada ao longo dos anos 1970, a Rota foi mantida em atividades de policiamento e repressão ao crime comum, sendo, até hoje, reconhecida pelo grande número de mortos em suas operações”.

Esse DNA ligado ao sistema repressivo da ditadura é revelador das raízes profundas da violência antipopular do batalhão. Mostra, ao mesmo tempo, que a lógica genocida antecede a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, se conectando com a velha necessidade burguesa de controlar o povo trabalhador. Em outras palavras: não ficar refém do bolsonarismo não impede ninguém de repetir a política assassina da classe dominante.

Atualmente, como revelou a Ponte Jornalismo, a Rota ocupa o posto de batalhão mais letal da PMESP. Entre 2017 e março de 2024, foram 433 vítimas contra 133 do segundo colocado.

Gasparian e Melo: a Rota veio com tudo nas candidaturas majoritárias

Alexandre Gasparian esteve no comando do batalhão por sete meses em 2015. O vice-presidente Geraldo Alckmin era governador de São Paulo. No curto período em que ocupou o posto, casos importantes aconteceram.

Um exemplo é a Chacina de Osasco e Barueri, que teve a participação comprovada de ao menos um subordinado de Gasparian. 19 pessoas foram mortas no total. Outro episódio marcante foi a prisão de um pelotão inteiro da Rota, suspeito de forjar um tiroteio para justificar a morte de dois homens.

É bom lembrar que o candidato de Tarcísio, Ricardo Nunes, indicou recentemente como seu vice o Coronel Melo, outro ex-comandante da Rota. Em 2017, período em que estava à frente do batalhão, o hoje bolsonarista ficou famoso por um ataque de sinceridade: “São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente”, disse ao comparar a abordagem policial no “nobre” bairro dos Jardins e nas periferias.

Não estamos falando em nenhum dos dois casos de simples soldados, da base da PM. As duas principais candidaturas escolheram contar com o apoio de gente que já comandou diretamente a guerra racista ao povo pobre na nossa cidade.

Independência política

A insegurança é uma realidade em São Paulo. Mas repetir a receita falida de tiro, porrada e bomba não vai mudar isso. O modelo atual já vem há décadas mostrando que só funciona para a classe dominante.

É preciso ter coragem para enfrentar as causas dessa situação, a começar dos graves problemas sociais dessa cidade refém dos interesses de bilionários que nem vivem aqui.

Não se pode fugir também de temas como a legalização das drogas. A “guerra às drogas” existe há décadas e nunca chegou nem perto de resolver o problema do tráfico.

Só que isso tudo só pode ser feito com independência política e de classe, algo que, apesar das diferenças, nem Boulos apoiado por Lula, nem Nunes representante do bolsonarismo, têm. No caso do pré-candidato do PSOL, a inclusão do ex-comandante na campanha se trata concretamente de mais um aceno à elite paulistana em busca de um voto de confiança.

O problema da polícia é o problema do Estado

Para finalizar, é necessário combater a falsa ideia de que as práticas racistas da polícia são falta de preparo ou de profissionalismo. Em suma, questão de natureza técnica.

Como muita gente boa já apontou, a exemplo de Lélia Gonzalez e Clóvis Moura, as constantes abordagens abusivas, as invasões às casas na periferia, a tortura, são todas faces do controle social dos capitalistas sobre a maioria do povo trabalhador, formado majoritariamente por negros, negras e indígenas. É uma história que retrocede, pelo menos, ao período em que decaía a escravidão negra no país.

Mais do que agenda de governos, é política de Estado. Não é acidental que esta estratégia seja compartilhada por gestões de diferentes colorações partidárias. Quem duvida, pode olhar para o que as gestões petistas têm feito por anos na Bahia e mesmo no Governo Federal, a exemplo da Lei de Drogas de 2006 ou da Lei Orgânica das Policiais Militares de 2023. À direita o maior exemplo é Tarcísio de Freitas, que em menos de dois anos de mandato já tem chacinas e episódios de criminalização dos movimentos sociais nas costas.

É urgente mudar o sentido geral da “Segurança Pública”, sem perder de vista que isso pressupõe o fim da guerra ao povo pobre. O único Estado que não precisará disso é o governado pelos próprios trabalhadores.

Com informações de Ponte Jornalismo e UOL

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