Editorial

Quem é amigo do povo?

Redação

3 de julho de 2025
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Lula e Haddad durante lançamento do Plano Safra Foto Marcelo Camargo/Agencia Brasil

O Congresso Nacional derrubou o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) promovido pelo governo Lula, que tenta cumprir seu ajuste fiscal. Enquanto o Congresso diz, com hipocrisia, que está preocupado com o aumento da carga tributária, mas quer, na verdade, impor mais cortes contra os trabalhadores, o governo lança uma campanha como se o aumento do IOF significasse a taxação dos super-ricos.

O Congresso é inimigo do povo

O Congresso Nacional não está preocupado com a carga tributária nem com a situação do país, muito menos com os trabalhadores. Está querendo desgastar o governo, alimentando a ultradireita bolsonarista e pensando nas eleições do ano que vem. Quer que o ajuste fiscal do governo corte mais dinheiro dos programas sociais, da saúde e da educação, ou seja, em cima dos trabalhadores. Por isso, no mesmo dia votou o aumento da conta de luz para os trabalhadores, gerando bilhões para as empresas do setor.

A hipocrisia do Congresso fica evidente quando vemos que R$ 50 bilhões são destinados a emendas parlamentares, dinheiro que serve para o centrão manter seus currais eleitorais. Só para se ter uma ideia, esse valor é cinco vezes o que o aumento do IOF arrecadaria. Por que não corta dos privilégios de deputados e políticos? Pelo contrário, os parlamentares aprovaram o aumento do número de deputados para ampliar ainda mais a própria mamata com o dinheiro público.

O Congresso é um antro de representantes da elite, dos capitalistas e de tudo que há de mais nojento no país. Quem manda no Congresso é o lobby das grandes empresas, que têm lá seus representantes e mandam na pauta política do país. São expressões da força que mantém o país no atraso, no clientelismo, no coronelismo e na política de dilapidar o orçamento público para manter seus privilégios e para entregar a maior parte dos recursos para a burguesia brasileira e internacional.

É evidente que o Congresso é inimigo do povo. Isso não significa que o governo seja amigo. Não é amigo do povo quem defende arcabouço fiscal, corte de verbas e administra o capitalismo brasileiro.

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O IOF não taxa os ricos de verdade

Não é verdade que o governo está propondo a taxação de verdade dos super-ricos. O IOF não pega apenas os ricos. A classe média e parte dos trabalhadores também sofrerão o efeito do aumento do IOF. Inclusive porque os bancos e as grandes empresas repassam o custo do IOF para os trabalhadores, ou seja, é preciso impedir os empresários de repassarem aos trabalhadores.

O aumento do IOF é muito insuficiente. De fato, as fintechs e outras empresas do mercado financeiro teriam que pagar um pouco mais do que pagam hoje. Mas ainda seria em um patamar bastante insuficiente para se fazer a suposta “justiça tributária”. Ou seja, não significa a sobretaxação dos bilionários capitalistas nem uma mudança da estrutura tributária regressiva que temos no Brasil, onde o povo paga bem mais imposto que os ricos do andar de cima.

No Brasil, 50 pessoas são bilionárias (em dólar), acumulando mais de US$ 176 bilhões. São os donos e acionistas das maiores empresas do país, que vivem de explorar os trabalhadores, impondo jornadas extenuantes e pagando baixos salários. Caso o governo quisesse sobretaxar os ricos de fato, poderia começar taxando os bilionários.

Segundo um estudo britânico (Tax Justice Network), o Brasil arrecadaria R$ 260 bilhões caso implementasse uma taxação progressiva entre 1,7% e 3,5% dos super-ricos. Ou seja, com essa medida, ainda pequena e insuficiente para taxar os super-ricos, algo plenamente realizável no capitalismo, o montante de recursos arrecadados seria bem maior que os R$ 10 bilhões do IOF, que pegam muito pouco os ricos e mais a classe média.

Contudo, não tem como resolver o problema da desigualdade apenas taxando os ricos. Por quê? Porque enquanto os super-ricos dominarem os meios de produção, eles terão como repassar qualquer taxação para as costas dos trabalhadores. Temos que atacar o sistema que gera bilionários. É a existência e o domínio dos monopólios capitalistas empresariais que gera e mantém a desigualdade. Por isso, um programa revolucionário e socialista dos trabalhadores deve atacar justamente os lucros exorbitantes das maiores empresas que controlam o país.

Se observarmos os números dos monopólios capitalistas, veremos que todo este montante em discussão é fichinha perto do quanto os monopólios lucram arrancando o couro dos trabalhadores. Para se ter uma ideia, só os quatro maiores bancos privados do país tiveram um lucro acumulado de R$ 28,2 bilhões no primeiro trimestre do ano. Ou seja, em apenas três meses lucraram o triplo do que o governo queria arrecadar com o aumento do IOF em 2025.

Então, enquanto rola uma briga enorme entre Congresso e governo sobre de onde tirar e cortar cerca de R$ 10 bilhões que faltam para o governo fechar as contas, o grosso das riquezas do país segue indo para os mesmos de sempre: os ricos, capitalistas e poderosos, que permanecem intocados com a proposta do congresso ou do governo.

Governo que faz arcabouço fiscal não é amigo do povo

O governo pretende arrecadar R$ 10 bilhões este ano com o aumento do IOF. Enquanto isso, R$ 998 bilhões foram para os banqueiros e o mercado financeiro só no ano passado por meio do mecanismo da dívida pública, cifra que, em 2025, deve crescer ainda mais com o aumento dos juros. A maior parte do orçamento brasileiro é destinada a atender aos interesses dos grandes empresários, com compras governamentais e investimentos públicos para ajudar a impulsionar os negócios das empresas.

Na mesma semana de toda essa polêmica, o governo Lula anunciou mais de R$ 500 bilhões para o agronegócio no financiamento do plano Safra. É dinheiro público financiando os grandes empresários do agro, enquanto o povo paga os maiores juros do mundo promovidos pelo Banco Central indicado por este governo.

A existência da discussão sobre o reajuste fiscal é causada pela submissão do governo à agenda neoliberal e capitalista do déficit zero, justamente para manter o pagamento dos juros para o mercado financeiro. Nisso o governo não tem coragem de mexer. E para enfrentar de verdade os ricos, as grandes empresas e o Congresso, só enfrentando o modelo de superávit primário para pagar a dívida pública. A verdade é que toda essa disputa está no marco do arcabouço fiscal. Foi o próprio governo que criou a lei que exige que ele faça o ajuste fiscal e também foi ele que definiu a meta fiscal que está sufocando todo o orçamento das áreas sociais.

Tudo isso em nome do seu arcabouço fiscal, que cortou inclusive do orçamento do programa Pé-de-Meia, do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da saúde e educação recentemente. Sem contar que o governo já anunciou que novos ataques podem vir, como a reforma administrativa para atacar os servidores ou até mesmo uma nova reforma da Previdência, como antecipou a ministra Simone Tebet, para depois das eleições.

Não é verdade também que o governo quer brigar ou romper com o Congresso. Basta ver as declarações de Lula e Haddad, clamando para serem atendidos e reconciliar tudo. Gleisi Hoffman, ex-presidente do partido e atualmente no Ministério das Relações Institucionais, saiu em defesa do presidente da Câmara, Hugo Motta, contra que o xinguem nas redes sociais. É uma vergonha que Lula ainda mantenha no governo todos os ministros da direita e do centrão, e seus partidos ainda votam contra o governo, como União Brasil, PP, Republicanos, entre outros. A ideia do governo é entrar no STF para garantir o IOF para negociar e conciliar novamente com o Congresso.

A saída para os trabalhadores não é apoiar o governo

Guilherme Boulos, dirigentes do PT, do PSOL, da Frente Povo Sem Medo e da Frente Brasil Popular estão convocando uma manifestação para o dia 10 de julho com o eixo “para enfrentar o Congresso e os ricos”. Mas estes atos serão também contra o arcabouço fiscal do governo Lula? Denunciarão os cortes promovidos no Pé-de-Meia e no BPC? Evidentemente, não.

A manifestação convocada pelos defensores do governo utiliza a justa repulsa que o Congresso Nacional tem na sociedade, utiliza este momento em que os trabalhadores estão vendo os ataques do Legislativo para tentar transformar isso em apoio ao governo. Porém escondem que o governo também ataca os trabalhadores. Ou seja, a manifestação se mantém no limite da defesa do arcabouço fiscal.

Esse tipo de movimentação, que tenta transformar a luta contra o Congresso em apoio ao governo, não ajuda a fortalecer a luta dos trabalhadores por suas pautas nem ajuda a enfrentar a ultradireita bolsonarista. Na verdade, deixa a classe trabalhadora a reboque de um campo burguês e capitalista encabeçado por Lula e dá munição para o outro campo burguês encabeçado pelos bolsonaristas.

O Congresso tem que ser derrotado justamente porque quer aprofundar os ataques aos trabalhadores. Mas o governo também ataca os trabalhadores. Então, a luta dos trabalhadores contra os ataques do Congresso e dos ricos deve ser também uma luta contra a política econômica de Lula, que também privilegia os ricos.

Por um terceiro campo: o dos trabalhadores

Estamos diante de uma disputa de dois setores burgueses diferentes que representam, cada um a seu jeito, diferentes interesses dos ricos. Os trabalhadores não têm nada a ganhar apoiando um lado ou outro. Os trabalhadores e o povo só tem a si próprios como amigos.

Contra os ataques do Congresso sim, mas contra os ataques do governo também. É preciso derrotar a política econômica do governo e do Congresso.

Temos que defender o fim do arcabouço fiscal. Ampliar as verbas da saúde e da educação. Garantir o fim da escala 6×1. Lutar contra a carestia dos alimentos e pela ampliação geral de salários. É preciso diminuir os impostos para os trabalhadores e a classe, com uma correção integral da tabela do Imposto de Renda; só isenção para quem ganha até R$ 5 mil é pouco. É necessário sobretaxar os ricos de verdade, e não o consumo que sobrecarrega os trabalhadores.

Para garantir tudo isso e implementar um projeto de reindustrialização e desenvolvimento do país de verdade, temos que atacar os lucros dos 250 maiores monopólios do país, que dilapidam nossas riquezas para enriquecer 50 bilionários. Sem contar que muitos são multinacionais que espoliam o país para enriquecer os EUA, a Europa ou a China, enquanto nosso povo fica à míngua.

Vamos construir uma mobilização independente dos trabalhadores que enfrente a situação atual, lutando contra os ataques, garantindo os direitos do povo, e pavimente o caminho para o fortalecimento de uma alternativa revolucionária e socialista capaz de enfrentar de verdade o sistema capitalista!

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