Negros

Racismo, injúria racial e caráter de classe da Justiça no sistema capitalista

Homem negro é indiciado por racismo contra italiano em Alagoas

Adriano Espíndola, de Uberaba (MG)

23 de janeiro de 2024
star5 (16) visibility 124

Um homem negro será julgado por injúria racial em Alagoas. O juiz da 1º Vara de Justiça de Coruripe (AL), aceitou denúncia feita pelo MP-AL (Ministério Público de Alagoas) após representação proposta por um italiano branco. Segundo o Ministério Público, em uma conversa por WhatsApp, o denunciado afirmou que o homem que se apresenta como vítima de racismo tinha “cabeça europeia branca escravagista”.

Não restam dúvidas de que este é mais um daqueles casos que põe a nu o tão bem disfarçado caráter de classe da Justiça no sistema capitalista.

Antes de continuar cumpre esclarecer que Justiça de classe é um conceito que reflete a perspectiva de que o sistema jurídico e as instituições de uma sociedade são moldados e utilizados pela classe dominante — tipicamente a burguesia no capitalismo — para manter e legitimar seu poder e controle sobre os meios de produção e a classe trabalhadora e demais explorados.

Assim, ao contrário do que tanto nos fazem acreditar pelo chamado “senso comum”, a justiça no sistema capitalista, não é neutra ou imparcial; é uma justiça que perpetua as desigualdades de classe e a exploração econômica.

Além disso, é preciso entender o racismo – para além do limitado entendimento segundo o qual ele é algo estrutural e, por conseguinte, algo natural ao sistema- como um instrumento de opressão sistematicamente empregado dentro do sistema capitalista, com o objetivo de dividir e explorar a classe trabalhadora. Sob essa ótica, racismo não é um fenômeno isolado de atos discriminatórios individuais ou estruturais, mas um mecanismo que beneficia o status quo da classe dominante, frequentemente composta por grupos racialmente hegemônicos.

Assim, entender como injúria racial o fato de um homem negro, por supostamente ofender um homem branco, ao dizer que este tem uma ”cabeça branca, europeia e escravagista”, carece de contextualização dentro da real natureza da opressão racial, pois se considerarmos o histórico de discriminação e subjugação enfrentado pela população negra, as palavras do homem acusado pelo Ministério Público perante a 1ª Vara Criminal de Coruripe/Al, não se enquadram na dinâmica tradicional de racismo, inclusive via injúria racial, que a legislação, fruto da luta dos oprimidos, em tese, busca coibir.

Não nos esqueçamos que o racismo tem sua raiz na perpetuação da desigualdade e na manutenção de barreiras socioeconômicas que, historicamente, beneficiaram grupos brancos e ricos em detrimento de grupos negros e outros grupos racialmente marginalizados. A injúria racial, enquanto delito, destina-se a proteger indivíduos dessas minorias histórica e socialmente vulneráveis às práticas de racismo e discriminação.

Embora o ordenamento jurídico penal brasileiro não faça distinção racial do sujeito ativo do crime de injúria racial, a interpretação da lei, socialmente justa e sociologicamente correta, deveria ser permeada pela compreensão de que o racismo é uma questão de poder e hierarquia social, que está a serviço da manutenção da exploração da maioria da população numa sociedade dividida em classes sociais.

Trata-se, pois, de um processo digno de ser classificado com um processo kafkiano, pois um homem negro é acusado por injúria racial a um homem branco, num país marcado pela escravidão e pela opressão racial e, ainda, pela exploração desmedida da classe trabalhadora. É um processo que não leva em conta a posição social e histórica dos envolvidos, desconsiderando componentes essenciais que definem o racismo.

Assim, com a devida licença às autoridades envolvidas, pessoas que são apenas parte do sistema e acreditam estar exercendo suas funções, o que ressalvo apenas para não me tornar réu em seus processos, a acusação de injúria racial no caso em questão, demonstra um entendimento contextualizado do racismo, segundo a visão da classe opressora e exploradora no capitalismo, a burguesia, passando longe da compreensão da real função do racismo dentro do capitalismo, que é, como dito acima, um instrumento fragmentação e enfraquecimento da solidariedade entre os trabalhadores para facilitar sua exploração.

É por isso que defendermos a luta contra o racismo, como uma luta não apenas dos homens e mulheres negras, mas como uma luta de toda a classe trabalhadora, uma vez que ele está a serviço da divisão para melhor exploração da classe. Além disso, para lutar de forma coerente contra o racismo não se pode, como faz a esquerda reformista e/ou identitária, desvincular a referida luta das lutas pela superação do sistema capitalista por meio de uma revolução política, econômica e social, que destrua esse sistema, isto é, por meio de uma revolução socialista.

Leia também!

População negra e o novo Censo do IBGE: Mudanças qualitativas na luta e consciência racial

WordPress Appliance - Powered by TurnKey Linux - Hosted & Maintained by PopSolutions Digtial Coop