Refinaria de Manguinhos: Os trabalhadores não vão pagar a conta!
A Refinaria de Manguinhos, hoje chamada de REFIT, está no centro de uma crise que mistura acusações graves, disputas empresariais bilionárias e um abandono completo dos trabalhadores. Desde que a Polícia Federal deflagrou a operação Cadeia de Carbono, a planta foi interditada e virou alvo de denúncias de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e até de operar um “refino fake”. Enquanto isso, 2.500 petroleiros vivem a incerteza total sobre seus empregos e quase ninguém discute o impacto social disso.
O debate público tem se concentrado nos crimes e nas empresas envolvidas. Mas quem paga o preço, como sempre, é a classe trabalhadora. É justamente por isso que precisamos analisar o caso pelo lado de quem realmente sustenta essa refinaria há décadas: seus trabalhadores.
Um patrimônio histórico sucateado pelos próprios donos
A Refinaria de Manguinhos foi a primeira do estado do Rio de Janeiro. Localizada no coração da Avenida Brasil, já desempenhou papel fundamental no abastecimento da região. Mas esse tempo passou.
Sob o comando do grupo Andrade e Magro, a refinaria viveu um processo acelerado de deterioração. Em mais de 70 anos de operação privada, os proprietários se apropriaram dos lucros sem investir o necessário para modernizar a planta. Resultado: Manguinhos se tornou incapaz de acompanhar a escala e a tecnologia das refinarias estatais.
Nem mesmo o ciclo de lucros extraordinários do pré-sal foi suficiente para tirá-la da lama. Pelo contrário: acumulou R$ 18 bilhões em dívidas tributárias nos estados do Rio e de São Paulo, o que levou à recuperação judicial em 2014, um processo que se arrasta até hoje, apenas para evitar que o poder público execute essas dívidas.
O “refino fantasma” e as relações políticas que sustentaram a operação
As suspeitas de que a atividade real da refinaria não era o refino não são novidade. Desde 2017, relatórios sigilosos da ANP (Agencia Nacional de Petróleo) apontam que Manguinhos refinava menos de 1% do combustível que dizia produzir. Mesmo assim, a empresa seguia funcionando normalmente.
E por quê?
Porque Ricardo Magro, principal controlador da REFIT, tinha o ingrediente que tantos empresários brasileiros utilizam para lucrar: influência política. Advogado e amigo de Eduardo Cunha, Magro tinha poder para derrubar laudos técnicos desfavoráveis e obter a anuência do órgão responsável pela fiscalização.
Não à toa, seu nome aparece com frequência nas páginas policiais. Em 2016, chegou a ser preso por aplicar um golpe de R$ 90 milhões contra os fundos Postali (Correios) e Petros (Petrobras). Ficou apenas cinco dias preso, porque, no Brasil, a justiça age como leão contra o trabalhador, mas como um gatinho diante dos ricos. Magro representa um setor da burguesia nacional que busca aumentar seus lucros a margem da lei, através de relações obscuras com o meio político e o judiciário, mas acabou nos últimos tempos entrando no caminho de um consórcio de empresas mais poderoso que ele.
2024: o crescimento explosivo da REFIT e a briga com os gigantes do setor
Em 2024, mesmo cercada de suspeitas, a Refit avançou de forma agressiva sobre o mercado. Com combustível mais barato e de procedência altamente questionável, passou a ocupar um terço do mercado fluminense e dobrou sua presença no mercado paulista através das distribuidoras FLAGER e 76 Oil.
Mas esse avanço colocou a empresa em rota de colisão direta com três gigantes: Vibra, Raízen e Ipiranga, companhias alimentadas pelo combustível de uma Petrobras cada vez mais orientada por dividendos para acionistas.
Esse consórcio foi o maior beneficiado da privatização da BR Distribuidora, que entregou ao capital privado 100% da distribuição de combustíveis no país. Com tamanho poder, o grupo passou a controlar, na prática, os preços nas bombas, aumentando suas margens ao não repassar ao consumidor as quedas nos valores dos derivados.
A entrada agressiva da REFIT, com seu combustível barato e de procedência suspeita, atrapalhou esse esquema passando a ser um obstáculo. E como esse setor opera sem pudor, Vibra, Raízen e Ipiranga recorreram, segundo diversas denúncias no CADE, a práticas predatórias e cartelização. Nada, porém, saiu do papel.
Uma disputa entre os poderosos e os trabalhadores esmagados no meio
O que vemos no caso Manguinhos não é simplesmente uma briga entre frações da burguesia. De um lado, um setor decadente, representado por Magro, que opera totalmente fora das regras. Do outro, um setor poderoso, que impõe as regras porque tem força política e econômica para isso.
Ambos usam o Estado quando lhes convém. Ambas as partes atuam para proteger seus lucros. Há dois meses interditada, com navios apreendidos, está à beira de encerrar suas operações. A ANP, que antes atendia aos interesses de Magro, agora se curva a outro senhor. E, como sempre, ninguém olha para as principais vítimas desse embate: os petroleiros de Manguinhos e a cidade do Rio de Janeiro.
O Rio se desindustrializa e fecha os olhos para mais uma tragédia anunciada
A cidade do Rio vive um processo acelerado de desindustrialização. Galpões e plantas industriais abandonados, muitos ocupados pelo crime organizado. Alguns locais ainda conseguem ter um uso social, através das ocupações dos movimentos de luta por moradia na região central. Esse processo onde cada ano temos menos empregos industriais mostra a incapacidade que a região do Grande Rio vem tendo de gerar riquezas.
O setor manufatureiro praticamente desapareceu, restando apenas a indústria extrativa do petróleo para sustentar o mínimo de atividade industrial. Se não fosse o pré-sal, o Rio estaria no último lugar entre as capitais industriais do país. Em números formais, a cidade perdeu 51,1% dos empregos industriais entre 1985 e 2024.
Nesse cenário, a juventude, especialmente os jovens negros da periferia, se veem sem perspectivas de emprego e tornam-se alvos fáceis para o crime organizado. Ainda assim, os governantes tratam o possível fechamento da refinaria com total negligência.
Sob o pretexto de “defesa do mercado de combustíveis”, a ANP, a Receita Federal e o Governo Lula aprofundam a crise da desindustrialização e jogam novamente o custo sobre a classe trabalhadora. Mais de 2.500 empregos industriais estão em risco, e nenhuma solução é apresentada para o futuro da área.
Um terreno gigante prestes a virar disputa de território do crime organizado
A refinaria ocupa 600 mil m² de terreno contaminado após sete décadas de atividade sem impermeabilização. Fica situada às margens da Avenida Brasil, entre Benfica e Manguinhos, regiões dominadas por facções, especialmente o Comando Vermelho.
O fim da refinaria de Manguinhos, tão almejado pela ANP e o consórcio das distribuidoras de combustíveis, deixará para trás essa enorme fatia de terra abandonada e sem uso social, para ser ocupadas pelo CV. Ampliando confrontos com o TCP, que domina o outro lado da via expressa. Ou seja, além do impacto econômico, o fim da refinaria representaria um perigoso recrudescimento da violência urbana.
Enquanto Magro vive em Miami, os trabalhadores enfrentam demissões e desespero
O mais revoltante é que Ricardo Magro, o alvo da operação, está confortável em Miami, com patrimônio protegido em paraísos fiscais. Enquanto isso, os trabalhadores de Manguinhos vivem um pesadelo. Às vésperas do Natal, os trabalhadores sabem se terão trabalho no dia seguinte lutam e se organizam junto ao SINDIPETRO-RJ e a CSP-Conlutas para defender seu ganha pão.
Mais de 200 demissões já ocorreram, sem diálogo com o sindicato, configurando demissão em massa e irregular. E, como sempre, os políticos seguem fazendo seu teatro eleitoral, ignorando os problemas reais da classe trabalhadora.
A única saída possível: punir os fraudadores e estatizar a refinaria
Diante desse cenário, o caminho proposto é direto e necessário:
1. Prisão e expropriação dos bens dos fraudadores.
2. Estatização da refinaria e incorporação dos trabalhadores pela Petrobras.
3. Uso da planta para um projeto nacional de autossuficiência energética e transição para fontes limpas.
São necessárias a prisão e a expropriação dos bens de todos os fraudadores que enriqueceram ilicitamente com suor dos trabalhadores da Refinaria de Maguinhos. Tendo em vista os impactos sociais e econômicos com seu fechamento, é urgente e necessária a estatização da refinaria, para colocá-la a serviço dos trabalhadores e de um projeto de autossuficiência enérgica do nosso país. Devemos cobrar do Governo Lula a encampação da estrutura da refinaria pela Petrobrás e que incorpore todos os seus trabalhadores.
A REFIT pode ser pensada como parte de uma política de transição energética; os investimentos em transição enérgica não podem ficar apenas no papel e não podem servir para acumulação de riqueza de um pequeno grupo de acionistas estrangeiros. A sucateada estrutura de refino de Manguinhos, estrategicamente localizada no coração da cidade do Rio de Janeiro, se estatizada e colocada a serviço da classe trabalhadora, pode se tornar parte de um projeto que coloque o Brasil rumo a um futuro livre dos combustíveis fósseis.