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Regras de atribuição de aulas em São Paulo são marcadas por assédio, punição e nenhuma garantia de emprego

Professora Cris, do Coletivo Reviravolta na Educação

19 de novembro de 2023
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O assédio moral tem se tornado política de gestão na administração pública como estratégia dos governos para manter os servidores subjugados a seus desmandos, sem condições de reagir ao desmonte do próprio serviço público. Na educação, ao mesmo tempo em que a precarização torna cada dia pior as condições de trabalho, falta de estrutura, de funcionários, retirada de direitos, aumento de jornada, fechamento e superlotação de classes, etc., vemos a imposição de plataformas e materiais que levam milhões de reais dos cofres públicos, somados à políticas de desmonte do currículo e de punição cada vez mais severa dos trabalhadores, com o objetivo de exercer um super controle sobre os professores, enquanto desmontam a educação pública a serviço dos interesses de um punhado de favorecidos da iniciativa privada que ditam as regras desde o Ministério da Educação (MEC) até a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC). 

É neste contexto, e com este caráter, que chega a 1ª resolução para atribuição de aulas para efetivos e estáveis em 2024, já após a demonstração de que o concurso fake vai ser usado para impor desemprego, ou subemprego, a dezenas de milhares de professores que atuam como “contratados temporários” há mais de uma década no Estado de São Paulo, para os quais sequer a resolução foi publicada ainda. Dividem a categoria entre efetivos, estáveis, contratados aprovados e eliminados do concurso para, na prática, atacar e retirar direitos de todos como forma de avançar com os interesses do capital. 

No sentido exatamente oposto ao discurso de valorização e melhorias na educação, o governo Tarcísio/Feder apresenta regras de atribuição que aprofundam a política de assédio, a exaustão, o adoecimento e o desestímulo.

Contradição entre a desvalorização do tempo de serviço e super nota para uma “presença em sala de aula” serve para punir e ameaçar professores

Nas regras, os anos de experiência no magistério passam a valer apenas 45%, enquanto um período de adoecimento, e até os dias de dispensa para quem trabalhou para a justiça eleitoral ou doou sangue, fazem despencar a pontuação através de um critério chamado “presença em sala de aula” que vale 25% dos pontos, mais do que a metade do peso dos anos de serviço. 

A primeira contradição nesta conta é que no Tempo de Serviço já são descontados os dias de afastamento como licenças-médicas e faltas que não sejam consideradas como efetivo exercício. Assim, com o novo critério chamado de Presença em Sala (PS), os pontos pela mesma falta são descontados pela segunda vez, com peso muito maior, ou seja, uma dupla punição por adoecer, em uma rede onde 120 professores adoecem por dia pelas decadentes condições de trabalho. 

Vejam exemplos deste cálculo absurdo:

–  Um professor com 10 anos de experiência e dedicação à Rede Estadual alcança cerca de 0,15 pontos (TS) para a “nota final”, mas, se neste ano tiver adoecido por cerca de 1 mês e participado dos 3 dias de paralisação em luta pela educação, isso já lhe acarretará um desconto na pontuação final equivalente a quase 1/4 desta pontuação.

– Se sofreu um acidente, mesmo de trabalho e ficou afastado em 2023, isso lhe custará 0,25 pontos (PS), equivalente a 17 anos de serviço. 

– Até a licença-prêmio, veja que ironia, acarreta desconto na pontuação: o professor que usufruiu em 2023 do “prêmio por assiduidade” pode perder até 0,9 pontos (PS), equivalente a 6 anos de serviço.

– 1 dia de ausência para doação de sangue, de dispensa por trabalho para justiça eleitoral ou de paralisação em defesa da educação desconta 25 dias de serviço. 

Notem que não se trata apenas de descontar os dias não trabalhados do Tempo Serviço, o que já é feito. Trata-se atribuir uma punição com alta pontuação, como forma de “pressionar para que não exerçam seus direitos estatutários ou trabalhistas” o que, segundo Cartilha disponibilizada pelo  Senado é uma das características do Assédio Moral, assim como “desprezar problemas de saúde e recomendações médicas”, mencionado em Cartilha disponibilizada pelo MPF, ambas sobre assédio. 

Mesmo quem agora ainda é mais jovem ou saudável e possa, neste momento, subir nesta gangorra da atribuição, fica também na mira desta política de punição, seja pelo peso dos anos e da exaustão, seja pelos entraves para lutar contra as retiradas de direitos. Da mesma forma como a desvalorização do tempo de serviço pode parecer uma vantagem para os mais novos, mas, na prática, é um desmonte da carreira dos que estão iniciando, onde serão ainda mais prejudicados. 

Não vemos uma pretensão do governo de incentivar a assiduidade, mas sim promover pressão para conter a categoria diante da panela de pressão que tem transformado a educação, causando adoecimento em massa dos trabalhadores e até a violência que temos visto explodir nas escolas. Diante da urgência em lutarmos contra os ataques à educação, este assédio vem no sentido inclusive de coibir paralisações, atar as mãos da categoria para que não possa adoecer e tampouco lutar contra a política que adoece. 

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Neste sentido, a orientação da direção da APEOESP para que os professores recorram apenas do desconto das faltas consideradas como efetivo exercício se mostra não apenas insuficiente, mas incorreta, medida que valida o duplo desconto das demais ausências. A Professora Flávia Bischain, Coordenadora da Subsede da APEOESP Oeste-Lapa, pela oposição, do Coletivo Reviravolta na Educação, com apoio do setor jurídico da CSP-Conlutas, divulgou um modelo de recurso contra todas as abusividades desta resolução e busca outras providências, além do chamado para luta direta, como a Greve Geral do dia 28.

A política de controle sobre a formação docente e a imposição das plataformas dos parceiros privados faz com que um curso de 3 meses, com vagas para 4% da rede, valha mais pontos que um Doutorado.

A Resolução 47 traz um critério chamado “Desenvolvimento” como se pretendesse estimular os professores a desenvolver conhecimento e melhorar a prática pedagógica, mas não considera absolutamente nenhum curso em nenhuma instituição, mesmo reconhecida, pública ou oficial, pois se trata de um critério criado exclusivamente para pontuar a adesão dos professores à Formação Multiplica SP da EFAPE, desincentivando a busca de conhecimento, pesquisa e estudo, e obrigando os professores a meramente reproduzirem o que lhes é determinado. 

Apesar do discurso desencontrado de valorizar a formação e a troca de saberes entre os professores, na prática o Multiplica SP, que teve início em 11 de setembro e vale até 0,1 ponto, trata-se de mais uma das muitas plataformas digitais que tem invadido a Rede Estadual de Ensino, com uma formação completamente controlada que deve ser reproduzida pelos multiplicadores e cursistas. 

Exemplo da pontuação:

Por Titulação:

0,5 ponto = Doutorado
0,1 ponto = Doutorado + Mestrado + aprovação em 5 concursos

Por “Desenvolvimento”

0,5 ponto = Cursista do Multiplica SP (iniciado em 11/09/2023)
0,1 ponto = Aplicador do Multiplica SP

Ou seja, os professores que não aderiram a esta plataforma da EFAPE, mesmo que tenham feito diversas outras formações, estudo e pesquisa em educação, até mesmo um Doutorado, terão um ponto a menos na pontuação final.

O absurdo de criar um critério chamado “desenvolvimento” para pontuar apenas o Curso Multiplica SP torna-se ainda maior diante de dois fatores. Primeiro que, conforme edital e regulamento publicados, foram oferecidas apenas 381 vagas para multiplicadores com 1500 inscrições de cadastro reserva, que vale mais pontos que 6 anos de serviço, e  8 175 com apenas 3 vagas a cada 100 professores da Rede.

O outro grande absurdo é que em nenhum documento relativo ao curso, desde a portaria de 12 de maio até o início em 11 de setembro, foi emitida qualquer informação de que o mesmo valeria como uma pontuação especial para a atribuição, cuja resolução foi publicada apenas em novembro, desrespeitando o princípio de Previsibilidade e Segurança Jurídica que devem nortear a Administração Pública, e se assemelhando a outra característica do assédio moral identificada pela Cartilha do MPF, relacionada a “manipular informações, deixando de repassá-las com a devida antecedência necessária para que o servidor, estagiário ou terceirizado realize as atividades.”

É importante ressaltar que por trás da EFAPE – orgão responsável pelo Multiplica SP – estão as parcerias com os institutos de educação privada como Instituto Itaú, Unibanco e Fundação Lemann que em 2019 já estavam presentes em 39 das 70 ações do órgão e têm hoje ainda maior participação, já que são os grandes interessados em ações que desviem muitos recursos e, ao mesmo tempo, controlam a formação docente.

Não é a toa que, ao invés de investimentos na Universidade Pública, condições de acesso e permanência, incentivo e condições para a formação docente, vemos a imposição das parcerias com os grandes favorecidos políticos da educação privada, que vão desde a compra dos notebooks da Multilaser de Feder pela Secretaria de Educação de Tarcísio até a influência das Fundações no MEC, garantindo a manutenção da essência do Novo Ensino Médio pelo Governo Lula/Alckmin. Por isso, é necessário independência de classe e unidade entre os trabalhadores para enfrentar a política privatista e defender o Serviço Público. 

 Para aprofundar o enxugamento da Rede de Ensino e abrir o caminho para as PEIs que exigem dedicação exclusiva, a resolução coloca a opção de jornada como critério de pontuação.

A falsa carreira trouxe este critério para a atribuição, que em 2023 acarretou o desemprego e subemprego de milhares de professoras e professores Categoria O, além de forçar inclusive a exoneração de quem tem acúmulo de cargo. E para 2024, além da pontuação que obriga a “escolha” da jornada máxima, ainda pune os professores que não optaram por esta jornada em 2023. 

Exemplo:

Jornada Ampliada (0,1) =
(0,1) Doutorado + Mestrado + 5 aprovações em concurso OU  (0,1) 7 anos de Tempo de Serviço

Ou seja, ao invés de valorizar o professor para que possa cumprir jornadas menos exaustivas, incentivá-lo a estudar mais, e garantir melhores condições de trabalho, aplicam política inversa, de obrigar a ampliar a jornada, permanecer mais tempo na escola, sem incentivo a estudo, sem condições de trabalho, e ainda punidos por adoecer.

Mesmo que os ataques prejudiquem mais diretamente, ora um ora outro, na prática fazem parte de um desmonte da carreira docente e da educação pública. Por isso é preciso enfrentarmos em conjunto e em unidade com a classe trabalhadora, como os funcionários do Metrô, da CPTM e da SABESP que enfrentam a mesma política que ataca os serviços públicos para entregá-los à privatização. 

Como forma de enfrentar a política de assédio aplicada nas escolas, também é necessário apoiar a reintegração dos 8 metroviários que foram demitidos por lutar!

 Construir uma forte Greve Geral para o dia 28 de novembro, organizando pela base, a partir do chão da escola, e exigindo da direção da APEOESP que coloque toda a estrutura do sindicato a serviço desta luta. 

▪ Queremos atribuição justa e transparente, com base no tempo de serviço, titulação e garantia de que todos os professores possam atribuir aulas. Nenhuma professora ou professor desempregado! 

▪Revogação dos absurdos da resolução de atribuição: Dupla punição por adoecimento, Multiplioca SP e pressão por ampliação de jornada. 

▪Revogação da Falsa Carreira! Plano de Carreira digno e valorização para todas e todos.

▪Estabilidade/efetivação de todos os professores contratados! É um absurdo o professor trabalhar mais de 5 anos como temporário ou passar nas provas do concurso e não ser efetivado!  

▪︎ Reabertura das salas fechadas, com redução de alunos e garantia de EJA e noturno

▪︎Não às privatizações de Tarcísio na SABESP, Metrô e CPTM 

▪︎ Contra os cortes na educação 

▪︎Readmissão já dos metroviários demitidos por lutar.