Rússia: Para a ditadura reacionária e capitalista de Putin, LGBTI+, agora, são “terroristas”
Sentindo-se fortalecido depois de sua fraudulenta reeleição, o famigerado ditador russo Vladimir Putin anunciou, nesta sexta-feira, dia 22, um aprofundamento de sua cruzada contra as pessoas LGBTI+. Agora, segundo o regime, o “movimento social LGBT internacional e suas unidades estruturais” passam a ser considerados “extremistas e terroristas”.
Um absurdo cujo alcance está para muito além do simples discurso de ódio que caracteriza o regime de Putin, há 24 anos fortemente alicerçado no Serviço Federal de Segurança da Federação Russa (FSB, na sigla em russo, sucessora da KGB do período stalinista), já que terá gravíssimas consequências sobre as vidas de milhares de pessoas que têm orientações sexuais ou identidades de gênero distintas da heterossexualidade e cisgeneridade (identificação com o “sexo” atribuído no nascimento).
Uma medida que, contudo, precisa ser entendida tanto como uma herança do Era Stalinista, que se perpetuou quando da restauração do capitalismo no país, quanto como mais uma forma de controle político e social por parte de um regime autoritário que não mede esforços para conquistar apoio dos setores mais conservadores da população para seus projeto reacionários, como a guerra genocida contra a Ucrânia.
O inquisidor Putin e sua cruzada anti-LGBTI+
Lamentavelmente, a medida sequer causa surpresa, considerando-se a escalada reacionária e LGBTIfóbica que, há anos, corre solta em um país cujo presidente em nada se diferencia de Bolsonaro ou Trump no que se refere ao tema (e não só a ele).
E pra quem acha que a analogia é “exagerada”, vale dar a palavra ao próprio ditador russo, que além de qualificar LGBTI+ como “forças satânicas”, exemplos da “decadência do Ocidente”, já deu declarações que, sem tirar nem pôr, poderiam ter saído da boca do frustrado candidato a ditador no Brasil.
Em 2020, por exemplo, referindo a união civil entre pessoas LGBTI+, Putin disparou: “O casamento é a união de um homem e uma mulher (…). Quanto ao ‘pai número um e pai número dois’, já disse publicamente e repito: enquanto eu for presidente não teremos isto. Teremos ‘pai’ e ‘mãe'”.
Um ano depois, referindo-se particularmente às pessoas transgêneros, o ditador russo emendou: “Tenho uma abordagem tradicional: uma mulher é uma mulher, um homem é um homem. Uma mãe é uma mãe. Um pai é um pai. Espero que a nossa sociedade tenha uma proteção moral interna, ditada pelas nossas confissões religiosas tradicionais do Federação Russa (…). Todos os povos da Federação Russa, gostaria de salientar, têm uma espécie de proteção moral interna contra esse obscurantismo”
E o problema é que, como em todos os demais aspectos da sociedade russa, a ultraconservadora visão de mundo de Putin rapidamente se torna “lei”, imposta a ferro e fogo sobre o país.
Empurrando LGBTI+ para as prisões ou a clandestinidade
Como noticiamos no artigo “A nova lei anti-LGBTI+ na Rússia: quando a opressão capitalista se encontra com a ‘tradição’ stalinista”, em dezembro de 2022, Putin já havia sancionado a “Lei contra a propaganda LGBTI+”, que, ampliando a legislação vigente desde 2013, criminaliza a publicação e veiculação de livros, filmes, peças publicitárias e outros materiais públicos, inclusive online, com informações sobre orientações sexuais e identidades de gênero consideradas “não convencionais”.
Em julho de 2023, um novo ataque foi desferido (este particularmente contra as pessoas transgênero) com a aprovação pela Duma (o Parlamento russo) de uma lei que proíbe cirurgias de redesignação sexual e terapias hormonais.
Meses depois, em novembro, a Suprema Corte do país avançou em sua cruzada inquisitorial, aprovando uma medida que deu base para a lei sancionada por Putin esta semana, ao classificar o movimento LGBTI+ internacional como parte das “forças extremistas” que atentam contra o Estado russo, proibindo qualquer tipo de ativismo do setor.
Desde então, apesar da enorme censura que vigora no país, há inúmeras denúncias de gente que foi detida por postar bandeiras do arco-íris em suas páginas nas redes sociais; ou, como no caso de duas mulheres, por divulgarem um vídeo delas se beijando.
O caso mais recente foi registrado na quarta, dia 20, quando as autoridades anunciaram a prisão preventiva dos donos de um bar na região de Urais. Acusados de “extremismo LGBTQIA+”, por serem “pessoas com uma orientação sexual não tradicional”, que “também apoiam as opiniões e atividades da associação pública internacional LGBT, proibida em nosso país”, eles correm o risco de serem condenados a até 10 nos de prisão.
Violência LGBTIfóbica como forma de controle social em tempos de guerra
Agora, com a nova medida, pessoas e grupos LGBTI+ também serão fiscalizados pelo Serviço Nacional de Monitoramento Financeiro (a “Rosfinmonitoring”), agência de Inteligência responsável pela vigilância da lavagem de dinheiro e financiamento de grupos terroristas, com poder de vasculhar dados de grupos e pessoas e congelar suas contas bancárias.
Além disso, desde a definição da Suprema Corte, participar ou financiar uma organização extremista é passível de punição, com até 12 anos de prisão, sendo que qualquer pessoa que exiba “símbolos” destes grupos (como, no caso, a bandeira trans ou do arco-íris) pode ser detida por 15 dias, em um primeiro delito, ou condenada a até quatro anos de prisão, em caso de reincidência. Se não bastasse, os supostos “terroristas e extremistas” são proibidos de concorrer a cargos públicos.
Atualmente, 14 mil pessoas ou entidades já estão sob o controle da “Rosfinmonitoring”, incluindo supostos membros da Al-Qaeda, os seguidores do líder oposicionista Alexei Navlany, assassinado em fevereiro em uma prisão russa, e a Meta (dona do Instagram, do Facebook e do WhatsApp).
Apesar da LGBTIfobia ser uma vergonhosa marca registrada do regime russo, herdada da época de Stalin, só podemos concordar com analistas estrangeiros que apontam que, neste momento, o evidente aumento da perseguição às pessoas, ativistas e grupos LGBTI+ russos é um reflexo da guerra genocida que Putin está movendo contra o povo ucraniano.
Esta é a opinião, por exemplo, de Tamina Kutscher, editora-chefe do portal “Dekoder”, que traduz para alemão reportagens dos meios de comunicação russos independentes.
“Não quero nem imaginar o que mais podemos esperar (…) Com escalada crescente da guerra a que estamos assistindo neste momento, em que a agressão está se tornando mais dura, mais sangrenta e mais violenta, a repressão no interior [da Rússia] também está aumentando. As duas coisas andam de mãos dadas”, declarou a jornalista, em entrevista à agência de notícias alemã “Deutsche Welle” (DW), em 03 de março de 2022.
O pior da tradição stalinista a serviço de um ditador capitalista
É sintomático que um amplo setor da “esquerda” mundial, particularmente a stalinista ou neostalinista – representados, aqui, por partidos como o PCdoB, a União Popular, o PCB e seu recente “racha”, o PCB Reconstrução Revolucionária – ao mesmo tempo em que se coloca ao lado de Putin na guerra genocida contra os trabalhadores e trabalhadoras ucranianos, também se cala vergonhosamente diante da crescente LGBTIfobia de Putin.
Sintomas de que estes setores há muito não têm nada a ver com a luta pelo socialismo ou sequer com a defesa de direitos básicos, como o da autodeterminação dos povos ou do livre exercício da sexualidade. Algo que, inclusive, também se aplica ao PT que, vale lembrar, teve a desfaçatez de emitir uma nota pública saudando a fraudulenta eleição de Putin como “um feito histórico” que “ressalta a importância do voto voluntário na Rússia”.
Nada mais farsesco. Afinal, em seus discursos e na defesa de sua criminosa legislação, Putin utiliza um palavreado que, simultaneamente, o aproxima da extrema direita fundamentalista dos dias de hoje e repete a profunda LGBTIfobia que acompanhou a traição da Revolução Soviética, ainda no início do período stalinista, na década de 1930.
Revertendo toda a legislação que havia sido aprovada pelos “soviets” (“conselhos”) no calor da revolução e nos anos que se seguiram (vide abaixo), em 1934, Stalin impôs um novo Código Penal que passou a criminalizar envolvimentos sexuais consentidos entre homens adultos (mulheres não eram sequer mencionadas), associando a homossexualidade à “decadência burguesa”, resultado de uma “perversão fascista”, contrária à “decência proletária”.
Algo que, evidentemente, transformava LGBTI+ em “inimigos do Estado”, suscetíveis ao exílio na Sibéria, à prisão ou a pura e simples execução sob os chamados Processos de Moscou.
Lamentavelmente, quase 100 anos depois, as LGBTI+ vivem uma situação muito semelhante. Algo que, para nós, do PSTU, só pode mudar através do enfrentamento sem tréguas ao regime de Putin, inclusive no campo militar, no que se refere à Ucrânia.
Um enfrentamento que precisa ter como perspectiva não só a derrubada do regime Putin-FSB, mas também do Estado capitalista, corrupto, totalitário e autoritário ao qual ele serve. Só assim, no que diz respeito às LGBTI+, será possível reconstruir uma sociedade como a que foi descrita pela escritora Sherry Wolf, em seu livro “Sexualidade e Socialismo” (p. 89):
“Em 1917, todas as leis contra a homossexualidade foram derrubadas pelo novo governo revolucionário, juntamente com o resto do código criminal czarista. Sexo consensual foi declarado como uma questão privada e os gays não somente eram livres para viver como eles/elas quisessem sem a intervenção do Estado, mas as cortes soviéticas também aprovaram o casamento entre homossexuais e, de forma extraordinária, foram reportadas até operações para mudança de sexo nos anos 1920”, escreveu a militante trotskista e do movimento LGBTI norte-americana.
