Educação

SAEB: a farsa da “qualidade” e o controle sobre a educação pública

Paula Falcão

5 de novembro de 2025
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O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) reunido com representantes das secretarias estaduais e municipais de Educação para debater o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) Foto Antônio Cruz/Agência Brasil

Nas próximas semanas, o Governo Federal realizará mais uma edição do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), um conjunto de provas aplicadas a estudantes de todo o país com o objetivo de medir o desempenho das escolas públicas e orientar políticas educacionais. Apresentado como uma ferramenta para “melhorar a qualidade do ensino”, o SAEB avalia, principalmente, as áreas de língua portuguesa e matemática, e seus resultados são usados para compor indicadores nacionais, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

No entanto, por trás desse discurso técnico, o exame se tornou um dos principais instrumentos de controle sobre o trabalho docente e de padronização do ensino, influenciando currículos, práticas pedagógicas e até o financiamento das redes escolares.

A lógica do mercado dentro da escola

O SAEB é apresentado como neutro e científico, mas sua lógica é a mesma do mercado: medir para competir, ranquear para controlar. A escola passa a ser avaliada como uma empresa e o processo educativo é transformado em produtividade. Em vez de promover reflexão e pensamento crítico, o ensino se reduz a desempenho e metas. O estudante vira um número; o professor, um executor de tarefas.

A desumanização do ensino público

Com a pressão por resultados, professores são forçados a ensinar para a prova. O conteúdo é empobrecido, as metodologias se engessam e o prazer do aprendizado dá lugar à repetição mecânica. O papel da escola, que ora era o de apropriação da cultura elaborada pela humanidade, passa a ser de treinar os alunos para responderem corretamente aos testes.

As escolas das periferias, que enfrentam as piores condições materiais, são as mais penalizadas, enquanto as elites continuam em instituições que valorizam a arte, o debate e a pesquisa.

A culpa recai sobre quem menos tem poder

Quando os índices do SAEB são baixos, o discurso oficial aponta para o “fracasso” de professores e alunos, ignorando as causas estruturais da desigualdade educacional. Avaliar Educação é sobretudo avaliar o processo e em quais condições ela se deu. Ao negar esses elementos, a avaliação externa esconde o centro do problema: faltam investimentos, infraestrutura, valorização profissional e políticas de permanência escolar. O sistema serve mais para culpar os que estão na base do processo do que para diagnosticar e corrigir problemas reais.

A indústria das avaliações

Por trás do SAEB há também um lucrativo mercado. Grandes grupos empresariais e fundações privadas vendem consultorias, materiais didáticos e plataformas digitais alinhadas à matriz de avaliação. Assim, recursos públicos são transferidos ao setor privado, enquanto o discurso da “qualidade” serve para aprofundar a mercantilização da educação. Em outras palavras, o investimento do Estado não se transforma em apoio pedagógico e valorização dos profissionais, mas se destina às mãos dos empresários como os “salvadores da educação”.

Uniformizar para controlar

O SAEB impõe uma pedagogia da padronização. Ao obrigar escolas de realidades tão diferentes a seguirem o mesmo modelo, apaga-se a diversidade cultural e regional do país. O conteúdo passa a ter menos significado, a autonomia pedagógica é substituída por uma cartilha única, e o professor deixa de ser um criador de conhecimento para se tornar um aplicador de métodos e provas. Trata-se de uma avaliação insuficiente e precária que não só limita a formação em poucos elementos da cultura, como também cria uma relação utilitária e esvaziada de sentido entre o conhecimento e a realidade.

Educar para obedecer, não para pensar

O impacto político desse modelo é profundo. Um sistema de ensino voltado para a memorização e a competição forma indivíduos adaptados à ordem existente, e não pessoas capazes de questioná-la. O SAEB contribui para consolidar uma sociedade em que poucos pensam e muitos apenas executam.

O abismo entre os índices e a realidade

Enquanto o governo exibe números e gráficos como prova de avanço, o cotidiano escolar segue marcado pela precariedade. Escolas sem estrutura, professores mal pagos e estudantes com fome revelam o abismo entre as estatísticas oficiais e a vida real das salas de aula. A avaliação cria uma ilusão de progresso que não resiste à observação concreta.

Por uma educação emancipadora

Avaliar é necessário, mas a avaliação deve estar a serviço da formação humana, e não da lógica empresarial. Uma escola pública de qualidade é aquela que desperta consciência crítica, solidariedade e capacidade de transformar o mundo.

O SAEB, tal como é estruturado, não mede aprendizado: mede obediência. É um mecanismo de controle que transforma o ensino em treinamento e o professor em executor. Romper com essa lógica é um passo essencial para reconstruir a escola pública como espaço de liberdade, reflexão e emancipação, e não como engrenagem de um sistema que transforma o direito à educação em estatística.

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