SC: Justiça obriga prefeitura de Brusque a repintar obra apagada das paredes da Fundação Cultural da cidade
Remoção da pintura contemplada pela Lei Aldir Blanc revela uma política cultural de medo, favorece a caça a artistas e expõe o abandono dos serviços públicos em Brusque
Robsom Ramalho, artista da cidade Brusque (SC)
A obra “Povo de Dentro”, de Douglas Leoni — projeto premiado e financiado por recursos da Lei Aldir Blanc — foi misteriosamente apagada das paredes da Fundação Cultural de Brusque logo após críticas em redes sociais. A intervenção ocorreu sem comunicação prévia ao artista e em poucas horas após uma postagem que tratou o projeto como “farra do dinheiro público”. A sequência dos fatos, amplamente documentada pela imprensa local, mostra que não se tratou de um problema técnico: foi uma decisão administrativa tomada sob pressão pública, com claras implicações de censura.
A reação da sociedade civil foi imediata: abaixo-assinado, manifestações, nota da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) local e debates na Câmara Municipal pediram apuração. O caso ultrapassou o ruído das redes sociais e chegou ao Judiciário. Importante esclarecer: não foi a Lei Aldir Blanc que “autorizou” o refazimento da obra — a lei simplesmente financiou o projeto; o que determinou o retorno do mural foi decisão judicial (liminar), obtida após atuação do Ministério Público, que obrigou o Município a viabilizar a repintura. A Justiça determinou que a obra fosse refeita, medida que confirma a gravidade do apagamento e a necessidade de proteção legal à arte financiada por edital público.
A repintura foi executada em cumprimento da ordem judicial e registrada pela imprensa: o mural voltou a ocupar as paredes da Fundação Cultural conforme determinação do Judiciário, com prazo de permanência estipulado pela decisão. O episódio deixa claro que obras públicas financiadas por políticas culturais emergenciais exigem proteção administrativa e judicial quando ameaçadas por decisões políticas arbitrárias.

Por determinação da Justiça, Douglas Leoni repinta sua obra nas paredes da Fundação Cultural de Brusque | Foto: Divulgação
Não é um caso isolado
Esse episódio não é um caso isolado; é sintoma de uma abordagem municipal problemática. Em vez de fortalecer centros culturais, políticas públicas e editais que ampliem o acesso e a diversidade artística, a gestão tem adotado atitudes que, na prática, penalizam grafiteiros, muralistas e artistas urbanos. Burocracias mal calibradas, regras municipais frágeis e decisões tomadas em reação a postagens nas redes transformam a cultura em alvo político: uma “caça estética” que não protege o interesse coletivo, mas atende a moralismos midiáticos.
Enquanto apagam murais, o dinheiro público some em outras prioridades essenciais. Onde estão os investimentos em centros culturais que abranjam grafite, tipografia e artes regionais? Onde estão os editais de formação, oficinas e a manutenção de espaços — especialmente numa cidade cuja força de trabalho inclui grande contingente migrante de Norte, Nordeste e Centro-Oeste e que depende do espaço público para afirmação cultural? A resposta institucional tem sido evasiva: há atenção suficiente para apagar o que incomoda, mas insuficiente para garantir fomento, infraestrutura e inclusão.
Além da violência simbólica contra a arte, Brusque exibe descaso prático com a vida do trabalhador: serviços públicos sucateados, frota de ônibus inadequada, ausência de ciclofaixas e procedimentos de atendimento que humilham — por exemplo, relatos sobre distribuição reduzida de senhas para atendimentos noturnos em bairros como Rio Branco. Essas escolhas orçamentárias e administrativas mostram prioridades invertidas: controle de aparência e censura simbólica em detrimento da dignidade cotidiana.
E a censura continua. Recentemente o prefeito de Brusque reagiu publicamente a declarações do humorista Tiago Santineli e anunciou que impediria a realização de sua apresentação em praça pública após o artista ironizar a cidade em vídeo — ato que críticos, jornalistas e defensores da liberdade de expressão classificaram como veto político e tentativa de intimidação cultural. A reação do Executivo, pública e direta, insere o episódio do mural numa lógica mais ampla: não se trata apenas de uma decisão sobre uma pintura, mas de um padrão de gestão que responde a dissenso cultural com silenciamento e ameaças de exclusão do espaço público.
A Prefeitura e a Fundação Cultural devem explicações públicas claras e imediatas: quem autorizou e determinou o apagamento? Existem registros de câmeras ou ordens formais documentadas? Houve due process administrativo para a remoção de obra contemplada por edital? A opacidade que cerca essas respostas só reforça a impressão de que decisões culturais em Brusque são tomadas por conveniência política, não por critérios técnicos e de interesse público.
Ações concretas
Exige-se, portanto, ação concreta — não palavras:
— Apuração transparente e responsabilização: instauração de processo administrativo público, com prazos, nomes e resultados divulgados;
— Reparação imediata ao artista: provisão de materiais, suporte logístico e autorização formal para que a obra seja reposta nas mesmas condições, conforme determinação judicial já proferida;
— Revisão da política cultural municipal: realocação de verbas para centros culturais, editais formativos e manutenção de espaços que garantam pluralidade estética e representatividade regional;
— Garantias legais à liberdade artística: protocolos que impeçam remoções arbitrárias motivadas por postagens, pressões particulares ou viés político;
— Auditoria social dos gastos públicos: vincular investimentos culturais e em mobilidade urbana a indicadores concretos de acesso e equidade;
Apagar uma pintura é um gesto simples; reconstruir confiança institucional exige trabalho sério e coragem política real — não espetáculo. Se a Prefeitura de Brusque quer ser guardiã da cidade e da cultura que seus cidadãos financiam, que comece por cumprir suas obrigações: proteger artistas, defender a liberdade de expressão e investir em serviços públicos que garantam vida digna à população trabalhadora.
A arte não é decoração: é discurso público. Apagá-la e vetar vozes é tentar silenciar vozes que incomodam. Que Brusque escolha entre a censura silenciosa e a construção de uma cultura como direito coletivo.
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