Declarações

Sobre as razões de uma separação no PSTU e na LIT-QI

Direção Nacional do PSTU

21 de setembro de 2025
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Diante dos enormes desafios colocados pela luta de classes, o PSTU e a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI) vêm realizando um processo de atualização programática, de continuidade e superação, com base no nosso DNA operário, de luta e de oposição de esquerda e socialista ao governo de colaboração de classes de Lula e aos demais governos, ao imperialismo, à ultradireita e ao reformismo.

Esse esforço é parte da preparação concreta para que o partido e a Internacional estejam à altura das tarefas revolucionárias do nosso tempo.

Nos últimos anos realizamos seminários sobre temas centrais da teoria e da prática marxista: opressões, materialismo histórico, relação partido-sindicato, agitação e propaganda, programa de transição, revolução brasileira, balanço da restauração capitalista no Leste e na China, entre outros. Seminários e discussões que permitiram aprovar resoluções fundamentais nos últimos congressos, e abrir um balanço crítico dos nossos 35 anos de experiência, encarando acertos e erros com método marxista para nos fortalecer como organização operária e revolucionária.

Esse movimento permitiu que nos últimos três congressos da LIT-QI e do PSTU aprovássemos resoluções de grande importância. Avançamos em uma tese sobre opressões e nacionalidades oprimidas, e aprofundamos a nossa compreensão sobre imperialismo, em especial o papel desempenhado pela China e Rússia. Mais recentemente, incorporamos ao debate uma elaboração marxista em profundidade sobre a questão ambiental e desenvolvemos nossas elaborações sobre a Ditadura do Proletariado. Ao mesmo tempo, abrimos um processo de balanço da nossa própria experiência nos últimos 35 anos, encarando acertos e erros de maneira crítica e marxista.

Contra esse processo de atualização e avanço, se levantou o que viria a ser a direção da Fração pela Defesa e Reconstrução da LIT-QI (FDR). Um setor minoritário, composto por parte da antiga direção da Internacional, e que não aceitou ser minoria. Sua política não foi apenas a de discordar de resoluções, mas de interditar o debate, paralisar a vida partidária e instalar um regime de fração permanente, marcado por amálgamas, escândalos, mistura de discussões políticas com ataques morais, destruindo a confiança e inviabilizando a convivência interna. Eles representam 10% dos delegados nos congressos da LIT-QI e do PSTU. Realizamos 3 congressos amplamente democráticos nos últimos 5 anos, mas ocorre que a antiga direção, lamentavelmente, não aceita ser minoria.

Nos últimos seis meses, realizamos um processo congressual amplo e democrático. Foram dezenas de boletins de discussão interna, centenas de plenárias abertas em todo o mundo, com delegados eleitos pela base com proporcionalidade direta. Todas as posições foram amplamente conhecidas e debatidas. A FDR teve todo o espaço para disputar sua política na base, mas foi derrotada pela imensa maioria da militância. A proposta da direção foi a realização de uma experiência em separado, como tentativa de saída fraterna. A FDR, porém, recusou-se a aceitar a legitimidade do congresso, acusando-o de burocrático. Diante disso, o congresso optou pela separação.

Não se tratou de expulsão, mas de uma medida para preservar o partido e a Internacional. Não negamos aos companheiros o direito de seguir suas elaborações, mas não aceitamos que essa se dê em base à destruição do regime leninista.

Partidos revolucionários podem conviver com diferenças programáticas e políticas até certo ponto, desde que se mantenha o respeito à soberania dos organismos coletivos e a unidade de ação. O problema é quando tais diferenças se combinam com uma metodologia que corrói a democracia interna e inviabiliza a vida coletiva.

Nosso objetivo com esta carta é explicar ao ativismo as razões da separação destes companheiros do PSTU e da LIT-QI. Queremos mostrar:

1- Quais foram as diferenças políticas acumuladas ao longo dos últimos anos.
2 – Por que o fator decisivo da separação não foram as divergências em si, mas a ruptura da FDR com o centralismo democrático.
3- Por que consideramos que a separação não é uma expulsão, mas uma medida para preservar a democracia e a unidade revolucionária.

Divergência políticas

No Brasil, seguimos sendo oposição de esquerda, revolucionária, operária e socialista ao governo Lula-Alckmin, que caracterizamos como burguês de conciliação de classes. Mas junto com isso também lutamos contra a oposição de ultradireita bolsonarista.

Denunciamos sistematicamente o arcabouço fiscal, os cortes de verbas, os benefícios para as grandes empresas, chamando os trabalhadores a enfrentar a política econômica capitalista do governo que ataca os trabalhadores enquanto garante os interesses das empresas bilionárias. Também expusemos os acordos do governo com o centrão e a direita com a entrega de ministérios e cargos.

Mas a direção da FDR ignora tudo isso e considera erroneamente que o PSTU capitula ao reformismo e ao governo do PT. Quando, na verdade, são eles que tem uma visão sectária e equivocada da realidade.

Quando Trump atacou o Brasil, a tarefa de mobilizar a classe contra o imperialismo era central. Exigimos do governo medidas efetivas de combate contra Trump para desmascarar sua política de subordinação ao imperialismo. A posição da direção da FDR era outra: convocar mobilizações para “derrotar Lula” no momento do ataque imperialista. Além de sectária, é uma política profundamente equivocada, que minimiza, ou até ignora, o ataque do imperialismo, e que não ajuda a desmascarar o papel nefasto do governo do PT.

O mesmo ocorre na caracterização da extrema direita. Para nós o bolsonarismo não é apenas uma força eleitoral, mas conscientemente realizou uma tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Por isso, defendemos enfrentá-lo com independência de classe, sem capitular ao governo. Para a FDR, ao contrário, não houve tentativa de golpe, a extrema direita no Brasil é residual, e combater o bolsonarismo nesse terreno seria “capitulação”. Essa visão minimiza o perigo real da extrema direita e fragiliza a classe trabalhadora.

Também acusam a direção do PSTU de ter enganado a militância, argumentando que o chamado ao Polo Socialista e Revolucionário nas eleições de 2022 era uma tentativa de construir um “partido amplo”, nos moldes do PSOL ou do NPA (Novo Partido Anticapitalista, na França). Afirmam ainda que a política de ceder legenda a várias organizações e ativistas (os quais eles consideram todos reformistas), confirmaria essa suposta orientação de partido amplo. Nós defendemos que tais iniciativas são importantes para oferecer uma alternativa de classe diante da frente ampla e do reformismo, dialogar com a vanguarda e disputar setores da classe trabalhadora.

Na luta contra as opressões, a diferença é ainda mais nítida. O PSTU e a maioria da LIT-QI defendem que o combate às opressões é parte inseparável da luta revolucionária. Machismo, racismo e LGBTfobia são mecanismos que o capitalismo utiliza ativamente para dividir a classe trabalhadora e aumentar a superexploração sobre seus setores mais oprimidos. Quando uma trabalhadora negra recebe menos que um trabalhador branco, quando uma companheira é discriminada no sindicato por ser mulher, quando um jovem LGBTI sofre violência e exclusão, isso não acontece por acaso. É o sistema capitalista que fomenta essas divisões para enfraquecer a classe como um todo.

A direção da FDR, no entanto, adota uma visão muito diferente. Para eles, as opressões, salvo a opressão imperialista, são fenômenos meramente “superestruturais”, ideias herdadas do passado ligadas apenas indiretamente ao funcionamento atual do capitalismo. Essa visão, aparentemente mais “pura”, na prática, leva a um economicismo estreito: opõe a luta contra as opressões à luta de classes, as lutas democráticas às econômicas e socialistas, como se não devessem ser combinadas e levadas à maneira revolucionária, ou organizando as mulheres trabalhadoras com independência de classe.

A direção da FDR combate o feminismo de forma abstrata, tratando todas as suas expressões como reformistas, burguesas ou pequeno-burguesas. Mas quando milhões de mulheres da classe trabalhadora e da juventude se levantam contra a opressão e se reivindicam feministas, o que estão afirmando, na maioria dos casos, é o seu compromisso com a luta justa contra o machismo e por direitos democráticos elementares, como o direito ao aborto, a igualdade salarial ou o fim da violência. Ao negar esse sentimento e não diferenciar a base militante das direções que atuam nos movimentos com programas reformistas, a FDR acaba classificando como “desvio” aquilo que, na realidade, é uma das formas mais dinâmicas da mobilização atual da classe. O resultado é um sectarismo que afasta os revolucionários das lutas concretas que movem milhões de trabalhadoras e trabalhadores, e que poderiam ser ganhas para um programa de independência de classe e para a perspectiva socialista.

No terreno internacional, também seguimos tendo divergências importantes. Embora tenhamos acordo sobre os dois principais processos da luta de classes internacionais hoje, Palestina e Ucrânia, temos diferenças teóricas, programáticas e políticas sobre vários temas.

A direção da FDR insiste em caracterizar a China e a Rússia como países semicoloniais, enquanto os fatos mostram que se transformaram em potências imperialistas. Reconhecer isso não é um mero detalhe, mas nos ajuda a entender a natureza da disputa econômica e comercial entre China e EUA, ou as razões da invasão da Ucrânia pela Rússia. Condição para manter a independência de classe: não apoiar um imperialismo contra outro.

Também no balanço sobre a restauração capitalista há diferenças importantes. Reivindicamos o enorme acerto da LIT-QI ao caracterizar e explicar a restauração do capitalismo no Leste Europeu. Assim como manter a centralidade da Ditadura do Proletariado quando grande parte da esquerda se adaptava aos limites da democracia burguesa e ao eleitoralismo. Esse balanço permitiu à LIT-QI e ao PSTU manter a continuidade revolucionária quando boa parte da esquerda abandonava o socialismo e se adaptava ao neoliberalismo triunfante.

Reivindicamos, igualmente, a elaboração sobre a restauração capitalista em Cuba, contra todos os setores que, em nome de uma suposta defesa das conquistas da revolução, se recusaram a denunciar essa restauração. Nosso programa seguiu sendo a defesa de Cuba contra o embargo dos EUA, ao mesmo tempo em que denunciávamos e combatíamos a burocracia castrista -hoje burguesia-, responsável pela restauração, e a submissão de uma Cuba capitalista aos demais imperialismos. Essa posição nos diferenciou tanto dos defensores acríticos de Fidel quanto daqueles que celebraram a restauração como uma “democratização”.

Reconhecemos, no entanto, que havia unilateralidades em nossas elaborações sobre o Leste. Superestimamos as vitórias democráticas parciais como a derrubada pelas massas do primeiro governo restauracionista e a queda do aparato stalinista na ex-URSS, como se essa vitória, por si só, pudesse reverter o problema da crise de direção e a correlação de forças mundial de implementação do neoliberalismo na qual a restauração se dava. Subestimamos a derrota em Tiananmen, tivemos dificuldade e demoramos em compreender a ascensão do imperialismo Chinês e a consolidação do bonapartismo russo, assim como da Rússia como um imperialismo regional.

A direção da FDR, em vez de atualizar esse balanço à luz das transformações da luta de classes mundial, cristalizou-se numa leitura dogmática e unilateral, que vê apenas avanço da revolução sem levantar em conta as contradições, as dificuldades de organização e os limites no desenvolvimento dos processos revolucionários pós-leste. Nosso método, ao contrário, é o da análise concreta da realidade concreta, sempre apoiado na teoria marxista e no programa revolucionário acumulado ao longo da história.

As diferenças de regime e metodologia

Diante desse quadro, é preciso insistir: o fator decisivo da separação não foram as diferenças políticas em si, e sim a ruptura da direção da FDR com o regime leninista do centralismo democrático. O centralismo democrático é a síntese de debate amplo, decisão soberana dos congressos e unidade de ação. É isso o que garante a democracia da maioria, a confiança entre os militantes e a disciplina revolucionária necessária para intervir na luta de classes.

A direção da FDR rompeu com esse regime ao se transformar em uma fração permanente, recusando-se a aceitar ser minoria, exigindo pré-congresso permanente, misturando acusações morais com debates políticos e apostando em paralisar a vida do partido e da Internacional. Ao atacar a confiança mútua entre militantes, destruíram a camaradagem revolucionária e tornaram impossível a convivência interna.

É aqui que se conecta outro dos nossos maiores patrimônios: a metodologia de combate às opressões dentro do partido. Ao longo de mais de 15 anos, nos marcos da tradição trotskista, desenvolvemos uma prática que se tornou referência no movimento operário brasileiro: separar nitidamente os debates políticos dos casos de quebra de moral revolucionária, de modo a garantir que divergências de ideias não se transformem em perseguições pessoais, e que toda acusação moral seja tratada com seriedade e provas. Todos os casos de quebra de moral são devidamente tratados, e as medidas tomadas têm caráter duplo: punitivo, porque defendem o partido de condutas incompatíveis com a militância revolucionária; e educativo, porque reafirmam os laços de confiança e fortalecem nossos instrumentos de combate ao machismo e às demais opressões.

Foi justamente essa metodologia – que segue vigente e é motivo de orgulho para nós – que a direção da FDR atacou. Ao misturar acusações morais com divergências políticas, a FDR tentou corroer um dos pilares da nossa tradição e interditar o debate político franco. Esse método não é apenas antimarxista; é destrutivo para qualquer organização revolucionária. Por isso, reafirmamos: se há qualquer dúvida sobre nossa metodologia, estamos dispostos a submetê-la a um tribunal moral do movimento operário, confiantes de que ela será reconhecida como um avanço para toda a classe trabalhadora.

Separação não é expulsão

É preciso também deixar nítido que a decisão tomada não foi a de expulsar a FDR, mas a de separar, no Congresso Internacional, quatro companheiros de sua direção. Tampouco houve “expulsões póstumas” como afirmam em sua carta de ruptura. Expulsão burocrática é ato de cúpula, autoritário e administrativo. O que ocorreu foi exatamente o contrário: uma decisão coletiva, tomada após meses de debate democrático, com direito de expressão plena para todas as posições.

A proposta inicial sequer era a de separação, mas de uma experiência em separado para que cada corrente pudesse desenvolver livremente sua política, permitindo que a prática concreta confirmasse ou refutasse as posições em disputa, e deixando em aberto a possibilidade de uma reaproximação. No entanto, a direção da FDR recusou tal proposta, declarando de antemão que não aceitaria a legitimidade do Congresso, acusando-o de burocrático. Manteve sua prática sistemática de fração permanente, negando-se a reconhecer as instâncias coletivas e apostando em um clima contínuo de crise.

Não se trata, portanto, de punição, mas de defesa. Defesa da democracia da maioria, da vida partidária e do regime leninista que é a condição de existência do partido e da Internacional. Ao contrário do que os companheiros afirmam, não há dispersão ou destruição da LIT-QI e do PSTU. O que houve foi uma saída principista e leal para nos defender contra métodos que o corroem e inviabilizam a vida coletiva.

A título de conclusão

Companheiras e companheiros, nós do PSTU e da LIT-QI, continuaremos avançando no processo de elaboração e atualização programática, priorizando a inserção na classe operária e nas suas lutas, para que possamos, junto com o proletariado e os setores oprimidos, derrotar esse sistema. Também seguiremos avançando no rejuvenescimento do partido e da Internacional. E também no fortalecimento do combate a todos os governos capitalistas, à conciliação de classes, à direita e à extrema direita e ao reformismo. Convidamos a todos os ativistas a conhecerem as nossas elaborações e estudos, disponíveis no nosso Portal, no Portal da LIT-QI e na nossa revista teórica, a Marxismo Vivo. Convidamos a virem a lutar conosco para colaborar com a nossa classe para avançarmos na luta, na consciência e na organização para transformarmos em classe para si.

Seguiremos firmes na construção de um partido revolucionário para poder lutar pelo poder dos trabalhadores. E pela construção de uma Internacional revolucionária, a LIT-QI, como parte de um projeto de reconstrução da IV Internacional.

Segue sendo mais necessária do que nunca uma organização revolucionária mundial da classe trabalhadora para derrotar o capitalismo em todo o planeta, e conquistar um futuro socialista para a humanidade.

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