Sobre o sectarismo, o oportunismo e as relações com o governo Lula na luta contra Trump

Os revolucionários e a classe trabalhadora devem se colocar na vanguarda da luta contra o ataque de Trump-Bolsonaro (em outras palavras, do imperialismo norte-americano) ao Brasil, um país semicolonial.
Não por acaso, o PSTU e o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, dirigido majoritariamente por militantes do partido, saíram na frente na defesa da soberania do país, fazendo assembleias de massas nas fábricas para discutir o assunto e tomando a iniciativa de chamar todas as organizações dos trabalhadores a construírem uma manifestação contrária aos ataques.
Nessa luta, devemos estar dispostos a fazer unidade de ação com todo mundo que se disponha a enfrentar o ataque, incluindo o governo Lula e quem mais queira participar.
No entanto, também nesta batalha é preciso manter um princípio: a classe trabalhadora e os revolucionários precisam ter independência política e organizativa em relação à burguesia e, portanto, também diante do governo de conciliação de classes de Lula, que, nesse momento, representa o grosso da burguesia.
Por isso, não deixaremos de ser oposição de esquerda e socialista ao governo, mas vamos golpear juntos contra o imperialismo, caso ele, efetivamente, tome alguma medida de enfrentamento. E, da mesma forma, defenderemos as possíveis medidas contra os imperialistas.
A subordinação do país ao imperialismo e a eterna covardia da burguesia brasileira
É preciso dizer, porém, que, para além da defesa da não-interferência de Trump no julgamento de Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF), até o momento o governo não tomou medida alguma, para além de palavras, contra os ataques de Trump, particularmente no que está sendo chamado de ataque econômico e que, na verdade, não deixa de ser “econômico e político”.
Por exemplo, usando um boné azul com os dizeres “O Brasil é dos brasileiros”, se contrapondo ao “Make America Great Again” (“Torne os EUA grandes novamente”), usado por Trump e pelos bolsonaristas, Lula chegou a dizer que “as terras raras são nossas”, que não abriria mão de taxar as “Big Techs” e que poderia usar a Lei da Reciprocidade.
Mas, enquanto isto, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, os ministros Haddad e Simone Tebet, e o grosso do empresariado estão propondo negociar tanto as terras raras quanto com as Big Techs.
Paralelamente, enquanto algumas empresas anunciam demissões, outras pedem ajuda governamental – para, na verdade, fazer avançar ainda mais a desregulamentação trabalhista e, também, que, para manter empregos, reduzir salários e exigir que o governo pague o salário reduzido dos trabalhadores.
Sabemos que o Brasil, que deveria ser dos brasileiros, infelizmente não é. A classe dominante é sócia minoritária da exploração do Brasil pelos diversos imperialismos e, a cada dia que passa, torna o país mais subordinado. Atitude desde sempre respaldada pelos governos de plantão, incluindo os do PT, que sempre administraram o país nos limites desta subordinação, de acordo com os interesses das multinacionais e países imperialistas e, inclusive, a aprofundaram, sendo governos pró imperialistas
Isso não quer dizer que, diante da magnitude do atual ataque, a burguesia e o governo não possam ser obrigados a reagir em algum grau. Contudo, não podemos nos esquecer que a luta contra o imperialismo e pela soberania é uma luta nossa, da classe trabalhadora, e devemos nos colocar na vanguarda desta batalha.
Se o governo e a burguesia nacional, que no dia a dia gerenciam os interesses das multinacionais e do sistema financeiro internacional aqui dentro, assumirem a postura de enfrentar e reagir a esse ataque, estaremos dispostos a fazer unidade de ação em tal luta, mas sem perder nossa independência política e organizativa.
Conteúdo e forma, estratégia e tática
Em uma situação como esta, não muda o conteúdo (ou a essência) da nossa política em relação ao imperialismo ou ao governo de colaboração do PT com a burguesia; mas, muda a forma de lidarmos com ele. Dizendo de outra maneira, não muda nossa estratégia, muda a tática.
Exigimos que Lula, efetivamente, comece a aplicar a reciprocidade. Se o fizer, faremos unidade de ação no combate e enfrentamento ao imperialismo. Mesmo assim, manteremos toda independência política e denunciaremos e enfrentaremos todos os limites que o governo burguês, de colaboração de classes, de Lula levante em relação a este combate. Isso caso o enfrentamento realmente aconteça.
Seguiremos não apoiando politicamente o governo; porque, primeiro, a nossa estratégia segue sendo a de construir a independência de classe. Além disso, porque, também, a luta pra valer ou até o final, pela soberania nacional não é possível de ser dada nos limites do Arcabouço Fiscal, em aliança com a burguesia e nos limites desse sistema.
A soberania só pode ser conquistada através da luta da classe trabalhadora e seus aliados, do campo e da cidade, incluindo os pequenos produtores, e por um governo dos trabalhadores e seus aliados (também no campo e na cidade), sem a burguesia, comprometido com um projeto socialista de sociedade.
Por isso, estando dispostos a golpear juntos com o governo contra o imperialismo, se ele assim o fizer, seguiremos na oposição de esquerda e socialista ao governo.
Sectários e oportunistas
No livro “Os governos de Frente Popular na História”, o trotskista argentino Nahuel Moreno resgata uma definição de Trotsky que destaca que tanto os sectários quanto os oportunistas estão unidos pelo mesmo método:
“O pensamento oportunista, assim como o sectário, possui características em comum: da complexidade das circunstâncias e das forças extraem um ou dois fatores, que lhes parecem os mais importantes – e que, de fato, às vezes, são – e isolam esses fatores da complexa realidade, atribuindo a eles uma força sem limites nem restrições”, escreveu.
“O choque entre o sectarismo e o oportunismo surge, do ponto de vista metodológico, do fato de que o elemento que um torna absoluto é o oposto do que o outro absolutiza. Nenhum dos dois atenta para o fato de que ambos os elementos são parte da realidade”, concluía.
Para exemplificar o que foi discutido por Trotsky e Moreno, vejamos alguns exemplos de como sectários e oportunistas se comportam na luta de classes.
O sectarismo
Diante de um ataque imperialista ou de uma invasão militar imperialista, no caso de um golpe militar bonapartista ou da ascensão do fascismo, o sectário, se nega a considerar a “forma” de lidar com este governo (ou seja, as táticas) e, inclusive, também se recusa a adequar as suas.
Uma postura sectária que pode chegar ao ponto da traição, como demonstrou Trotsky em relação à posição ultraesquerdista adotada pelo stalinismo que, quando da ascensão de Hitler, igualou a Social Democracia ao Nazismo e se negou a golpear junto com ela contra os nazistas.
Em situações como estas, os sectários e ultraesquerdistas se negam a combater ao lado do governo, contra a reação. O sectário, diz Moreno, nega-se a adequar suas palavras de ordem e sua linguagem, pisoteando as ilusões e as crenças das massas. Em última instância, expressa um desprezo pequeno-burguês pelas aspirações dos trabalhadores.
O oportunismo ou a “esquerda da ordem”
Mas, tanto para Trotsky quanto para Moreno, perante um governo de colaboração de classes, o oportunismo é o principal problema, mesmo em uma situação de ataque ou invasão imperialista ou golpe militar.
Nos últimos dias, passamos por três momentos diferentes na conjuntura do país. No primeiro, o governo de Lula foi jogado nas cordas pelo Centrão, que derrubou o IOF (um imposto indireto) e colocou em xeque as contas do governo, limitadas pelo Arcabouço Fiscal neoliberal.
No segundo momento, o Planalto, a Frente Brasil Popular (FBP) e a Frente Povo Sem Medo (FPSM), com toda a esquerda que apoia o governo, protagonizaram uma reação, de fato em defesa do governo e de toda sua política, supostamente contra o “Congresso inimigo do povo”, mais bem contra o Centrão.
Saíram em defesa da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, reivindicando o fim da escala 6×1 e a taxação dos BBBs (bilionários, bets e bancos), mas sem questionar a política econômica do governo Lula e o ajuste fiscal, razão primeira do IOF (que, além de imposto indireto, estava voltado a pagar os juros da dívida aos banqueiros).
Claro, ao mesmo tempo, buscava viabilizar as contas do governo e algumas concessões (visando as eleições de 2026), assim como na manutenção dos demais ataques que essa política econômica exige.
Quer dizer, sem questionar o ajuste fiscal e em defesa do governo, com sua política econômica e tudo mais, foi lançada uma “mobilização” que, na verdade, tem como objetivo ganhar as ruas para uma campanha eleitoral, a favor de “Lula 2026”, e não para fazer a classe avançar efetivamente em suas lutas e reivindicações, que exigem romper com a política econômica atual.
Agora, há um ataque do imperialismo. E, de novo, a luta é por derrotar o imperialismo e pela unidade de ação necessária para enfrentá-lo, mas mantendo a independência política e organizativa da classe trabalhadora.
No entanto, novamente, uma certa “esquerda da ordem” segue incinerando a independência da classe trabalhadora e, também, o necessário enfrentamento, pra valer, com os imperialismos, no altar do apoio político ao governo e de uma agenda subordinada a mais uma campanha eleitoral, a de 2026.