SP: Marcha da Periferia da Brasilândia completa 10 anos de luta por respeito, reparação e justiça
A edição 2024 será realizada no próximo sábado, dia 23, a partir das 9h, com concentração na praça do Circo Escola
Maria Augusto, da Brasilândia — São Paulo (SP)
Fundada no Maranhão, a Marcha da Periferia completa 10 anos de existência na Brasilândia, uma das quebradas da cidade de São Paulo de grande peso do povo negro e que registra uma tradição importante de luta ao longo das décadas. Como parte do Novembro Negro, a Marcha da Periferia da Brasilândia ecoa a luta dos moradores em defesa do povo negro e dos trabalhadores do bairro, trazendo para o território a necessidade de nos organizarmos para denunciar os governos capitalistas e fortalecer a luta por nossas pautas.
Em sua primeira edição, em 2015, a Marcha refletia, juntamente com a luta contra o racismo, a mobilização dos jovens do bairro contra a reorganização das escolas então imposta pelo governo Alckmin, então governador de São Paulo pelo PSDB. Já durante a pandemia do coronavírus, a Marcha denunciou que o genocídio promovido por Bolsonaro (PL) afetava principalmente a população negra e pobre, exigindo medidas de prevenção, leitos nos hospitais e a vacinação, assim como a garantia de emprego e renda aos trabalhadores. Nos últimos anos, a Marcha abraçou fortemente a luta das famílias do bairro contra a violência do Estado, exigindo o fim do encarceramento da juventude e do genocídio. Realizamos um tribunal popular em que o Estado brasileiro estava no banco dos réus e foi considerado culpado por júri popular por suas ações contra o povo preto e indígena e os trabalhadores em geral. Denunciamos também o massacre racista cometido por Israel contra o povo palestino, expondo sua relação com a militarização crescente da Polícia Militar (PM) e exigindo de Lula (PT) e Tarcísio (Republicanos) o fim das relações com Israel.
Ao longo dos anos, a Marcha vem se tornando um símbolo da importância da união dos trabalhadores do bairro e do aprendizado de que só é possível conquistarmos nossas demandas através da nossa luta, sem apostar as fichas em nenhum governo e em falsas saídas de mãos dadas com aqueles que nos exploram e oprimem.
A favela ainda não venceu…
Neste ano, a Marcha acontece diante do aumento da violência praticada pela polícia de Tarcísio, tanto contra os moradores das periferias através de ações letais, quanto contra os lutadores que se opõe a sua política de privatização, como mostra a repressão a professores estudantes que ocupavam as ruas do centro da cidade contra o leilão das escolas estaduais ou aos que se manifestavam na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) contra a venda da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
A Marcha levanta o grito pela liberdade de Lucas Mirtzrael e Samuel Mohamed, que foram presos injustamente em 2023 e, apesar de todas as provas de sua inocência, continuam encarcerados pela justiça dos ricos. Exigimos também investigações sobre o desaparecimento do jovem Wesley, que segue sem a atenção das autoridades do bairro. Não menos importante é a luta por justiça a Matheus Menezes, começando pela realização de um júri popular e pela devida punição ao agente que o assassinou, passando pela necessidade da desmilitarização da PM e ampliação do uso de câmeras corporais e chegando à discussão sobre a criação de um modelo de segurança comandada pelos trabalhadores dos bairros que garanta que mais nenhum jovem seja morto.
Por outro lado, a restrição ao aborto legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha também foi um grande ataque do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e seus aliados aos direitos das pessoas que gestam, afetando principalmente as mulheres negras. Por isso, a Marcha reivindica não só a retomada do procedimento, mas também a ampliação do direito ao aborto e a promoção de políticas públicas de educação sexual e prevenção.
De maneira mais ampla, enfrentamos um momento em que todos os governos, seja Lula, Tarcísio ou Nunes, ampliam a venda da saúde, educação e demais serviços públicos a grandes empresas privadas que usam a riqueza do Estado, gerada pelos trabalhadores, para garantir seus enormes lucros, enquanto sucateiam ainda mais os serviços prestados à população e oferecem empregos precários a seus funcionários.
A esse cenário se soma o crescimento do trabalho informal em todo o país, principalmente entre a população preta, o que vem sendo chamado pela burguesia de empreendedorismo. Por um lado, isso reflete a necessidade de os trabalhadores encontrarem meios próprios de se manterem, se reinventando a cada momento e transformando suas habilidades e conhecimentos em sobrevivência, já que a oferta de empregos com carteira assinada e bons salários é cada dia menor. Há muito o nosso povo sabe que não pode contar com os governos e os patrões para sobreviver, além de que muitos de nós desejam, com razão, se libertar da exploração e opressão de seus chefes.
No entanto, por outro lado, essa realidade mostra que cada dia a vida dos trabalhadores está mais difícil, principalmente das mulheres negras, que são a maioria dos empreendedores e dos chefes de família. Apesar disso, influenciadores como Pablo Marçal (PRTB) vendem a ideia de que através do empreendedorismo é possível se tornar milionário e vencer na vida, dependendo apenas de esforço individual. Porém, sabemos que os altos ganhos prometidos são reservados a um punhado de empresários (que raras vezes realmente partem do zero), enquanto para a maioria da nossa classe empreender significa sobreviver à custa de muito trabalho duro, sem a perspectiva de ter férias, se aposentar ou de fato gozar de uma boa qualidade de vida, isso para não falar do terrível endividamento com os bancos.
Para a periferia vencer é necessário reparação!
Por isso, outra reflexão que trazemos para a 10° Marcha é que para o nosso povo não é possível vencer na vida apenas individualmente. Em primeiro lugar, não acreditamos no discurso simplista e cruel de que está apenas nas mãos de cada trabalhador obter sucesso. A conquista de uma vida digna será fruto da nossa luta coletiva contra aqueles que historicamente nos impõem as piores condições de vida e nos oprimem como forma de enriquecer e se manter no poder. Em razão disso, lutamos para que toda a nossa classe tenha acesso a seus direitos e viva livre de exploração e opressão.
Para a periferia vencer é necessário exigir saúde, educação, cultura e lazer públicos e de qualidade, assim como emprego, moradia, terra e renda. O acesso a esses direitos foi negado à população negra devido à falta de reparação após a abolição da escravidão e continua sendo negado a ela pelo Estado brasileiro, independente dos seus governos, pois a burguesia assim mantém seus privilégios.
Desse modo, se lutar por esses direitos já nos coloca contra a burguesia, quando lembramos que a riqueza dos capitalistas foi acumulada através da escravidão, fica ainda mais evidente o quanto a luta por reparação não pode ser vencida de mãos dadas com nossos inimigos.
A luta por uma verdadeira reparação ao povo negro contra o crime da escravidão praticado pelo Estado e sua classe dominante parte da compreensão que suas riquezas foram acumuladas através da exploração e do genocídio, e que a abolição não alterou essa situação – pelo contrário, foi realizada pela burguesia de forma defensiva para manter seus privilégios e evitar que uma possível insurreição negra questionasse sua propriedade e seu poder.
Portanto, a reparação ao nosso povo passa por conquistarmos de volta tudo que nos foi e é roubado, tomando em nossas mãos o poder e libertando do controle dos capitalistas suas propriedades, finalmente as colocando a serviço de nossas necessidades coletivas para usufruirmos de uma vida digna.
Venha somar na 10° Marcha
Se você é morador do bairro ou quer apoiar essa luta, fortaleça a 10° Marcha da Periferia da Brasilândia contribuindo com a divulgação, fazendo a doação do valor que puder e participando das atividades do dia, que acontecerão em 23/11 a partir das 9h. A concentração será na praça do Circo Escola e a caminhada irá em direção à Casa Luiza Mahin, onde realizaremos diversas atividades culturais.
Para mais informações, acesse as páginas do Instagram @casaluizamahin e @brasilandiaemluta.