A origem do Stalinismo
Saiba mais sobre origem do stalinismo dentro do comunismo

Na semana passada, demos início à publicação do conteúdo apresentado na série produzida para o Canal do PSTU no YouTube, com o texto introdutório “Stalinismo nunca mais!”, discutindo porque essa corrente política, bem como o chamado “neostalinismo”, não só é o oposto do socialismo, mas também tem sua história marcada por crimes e traições.
Agora, iremos discutir as condições objetivas que permitiram o surgimento do Stalinismo e a burocratização e degeneração do Estado operário e, também, como o trotskismo surgiu na luta contra tudo isto.
Neste segundo artigo da série, vamos explicar como surgiu o stalinismo e como o Estado operário que surgiu da Revolução de Outubro se degenerou e se transformou em um Estado dirigido por uma burocracia contrarrevolucionária.
A maioria dos ideólogos do capitalismo e outros inimigos liberais do comunismo afirmam que o stalinismo foi consequência direta da Revolução de Outubro de 1917 e que foi uma mera continuidade do Partido Bolchevique dirigido por Lênin.
Essas afirmações são totalmente falsas. Deixam de lado os fatos históricos e a intensa luta que se deu, depois da Guerra Civil (1918-1921), na sociedade soviética, no interior do Partido Bolchevique e do Estado. O processo que deu origem à burocracia stalinista foi um processo objetivo e está ligado ao desenvolvimento da luta de classes internacional e nacional.
No panorama internacional, houve um retrocesso da onda revolucionária que se seguiu ao fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A revolução foi derrotada na Hungria e, principalmente, na Alemanha, entre 1919 e 1923. Em outros grandes enfrentamentos de classe, como na Itália (em 1922), o proletariado também foi derrotado.
O declínio da revolução europeia levou ao isolamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), único Estado operário do mundo, cercado por potências imperialistas que não a reconheciam e a boicotavam.
A Guerra Civil devasta a URSS e traz fome e miséria
Internamente, o Exército Vermelho havia vencido a Guerra Civil contra os Exércitos Brancos (formados por nacionalistas, anticomunistas, conservadores, nobres e czaristas) derrotando também os exércitos de 14 países capitalistas (incluindo japoneses, britânicos, canadenses, norte-americanos, dentre outros) que os apoiavam. Mas, a Primeira Guerra Mundial e a Guerra Civil tinham destruído o país e enfraquecido a classe operária. Um milhão de operários, um terço do proletariado russo, perdeu a vida defendendo heroicamente a revolução.
Mesmo antes da guerra, o desenvolvimento das forças produtivas na URSS era precário. O império russo era o país mais atrasado da Europa. A I Guerra Mundial e a Guerra Civil terminaram de destruir a estrutura produtiva do país, como os meios de transporte, as fábricas e minas. Também esgotaram a produção agrícola. Ao fim da Guerra Civil, a miséria e a fome se espalharam por toda a sociedade. E a revolução na URSS também entava em retrocesso.
A Nova Política Econômica (NEP) e o processo de burocratização do Estado
Em 1921, os bolcheviques foram forçados a adotar a chamada Nova Política Econômica, a NEP, que permitia aos camponeses negociar, no mercado, os excedentes da colheita, para incentivar a produção de alimentos.
Essa política salvou o país da fome e permitiu o começo da reconstrução dos meios de produção e transporte, mas continha uma contradição perigosa: fortaleceu os camponeses ricos e produziu novos comerciantes e artesãos. Isso é, fortaleceu a pequena burguesia proprietária e as tendências e pressões pela restauração capitalista.
Por outro lado, o Partido Bolchevique herdou do czarismo um aparelho de Estado extremamente burocrático, que ele foi obrigado a aproveitar por falta de quadros técnicos. As exigências militares da Guerra Civil também fortaleceram as tendências burocráticas. Por isso, o próprio Lênin dizia que a URSS era um “estado operário com deformações burocráticas”, como escreveu em dois textos publicados na época: o artigo “A Crise Partidária”, em 19 de janeiro de 1921, e a resolução “Sobre os Sindicatos”, de 30 de dezembro de 1920.
A pequena burguesia, os burocratas do antigo aparelho do Estado czarista e os técnicos entraram no Partido Bolchevique, buscaram ser representados politicamente e exerceram pressões sobre ele. Por sua vez, um setor dos quadros do partido começou a adquirir privilégios diante da penúria da sociedade soviética.
Essa combinação de elementos constituíram a base social e o processo objetivo pelo qual se formou uma burocracia; isso é, uma casta burocrática de funcionários privilegiados. O stalinismo foi a expressão política dessa burocracia no Partido Comunista e no Estado. Portanto, o surgimento do stalinismo não é produto do processo e dos ideais da Revolução de Outubro; mas, sim, do retrocesso da revolução, tanto russa e quanto mundial.
Havia uma alternativa ao stalinismo?
Mas, existe uma pergunta que se impõe: O triunfo do stalinismo era inevitável? A resposta é não. Houve uma luta que durou anos e o stalinismo só pode triunfar eliminando toda a vanguarda revolucionária que resistiu e se aproveitando de novas derrotas da revolução mundial, que ele mesmo ajudou a produzir.
O stalinismo não é uma continuidade da política do Partido Bolchevique sob a direção de Lênin; mas, sim, uma ruptura com essa orientação. É uma corrente que atuou contra a política e os princípios leninistas, até modificar totalmente o caráter do partido e do Estado, degenerando-os. Vamos ver como isso se deu.
Havia uma alternativa à burocracia. A política de Lênin e Trotsky era combater o processo de burocratização do Estado soviético e do partido; começar a industrializar o país para reerguer a economia e ganhar tempo, até que uma nova onda da revolução internacional rompesse o isolamento da URSS. Lênin expressa bem essa orientação num dos últimos artigos que escreveu, intitulado “É melhor menos, mas melhor”, publicado em 04 de março de 1923, no jornal “Pravda”.
Lênin e Trotsky depositavam suas esperanças na Revolução Alemã e, depois de sua derrota, pensaram que o polo revolucionário poderia se deslocar para a Ásia. Não estavam errados. Em 1927, explodiu a Revolução Chinesa.
O último combate de Lênin: contra a burocracia
Antes de morrer, Lênin deu seu último combate contra a burocracia no Estado e no Partido. Por exemplo, lutando contra as ações repressivas de Stalin e seus aliados contra as nacionalidades oprimidas, principalmente no caso da Geórgia, e contra a tentativa de abandonar o monopólio do comércio exterior.
O ponto máximo dessa luta foi uma carta ao Comitê Central, escrita entre 23/12/1922 e 04/12/1923, que é considerada o “Testamento de Lênin”. Neste documento, a principal recomendação à direção do partido é que Stálin fosse removido do posto de Secretário-geral, em função de seus métodos grosseiros e burocráticos. No entanto, a direção do partido, já burocratizada, decidiu ocultar o Testamento dos delegados do Congresso e do partido.
Trotsky e a Oposição de Esquerda lutam contra a burocracia
Em 1923, a Oposição de Esquerda se lançou na luta contra a burocratização, enviando ao Comitê Central (e fazendo circular) o documento que ficou conhecido como a Declaração dos 46, firmada por importantes dirigentes do partido.
A Oposição de Esquerda tinha uma estratégia distinta e um programa alternativo global ao stalinismo, baseados na experiência da Revolução de Outubro. Esse programa se apoiava no marxismo e na confiança no proletariado mundial. Era oposto, pelo vértice, ao programa da burocracia. Em que consistiam seus pontos principais?
Revolução socialista mundial x “Socialismo em um só país”
A Oposição de Esquerda defendia que o único futuro possível para a União Soviética era romper o seu isolamento, com o desenvolvimento da Revolução Mundial. Por isso, combateu duramente a falsa teoria do “Socialismo em um só país”, inventada por Stalin e Bukharin, que afirmava que a URSS, por suas particularidades, extensão territorial e riquezas nacionais, podia alcançar o socialismo isoladamente.
Trotsky denunciava que isso era uma falácia, contrária aos princípios elementares do marxismo, que sempre postulou que o socialismo só pode ser construído como um sistema internacional. Isso é, ainda que a revolução começasse em um país atrasado, o socialismo só poderia ser alcançado em âmbito mundial, abarcando principalmente os países avançados.
A pretensa “teoria” do “Socialismo em um só país” também defendia que era possível a “neutralização” da burguesia mundial” e conduziu, mais tarde, à política da “coexistência pacífica” com o imperialismo, ao Pacto Stálin-Hitler (1939) e aos acordos contrarrevolucionários de Yalta e Potsdam (1945), o que vamos explicar nos próximos artigos.
Trotsky e a Oposição de Esquerda também se opuseram à política da “revolução por etapas” e ao apoio político à burguesia nacional que a Internacional Comunista, já dominada por Stálin e Bukharin, aplicou na Revolução Chinesa de 1927. Essa orientação levou à derrota de Revolução na China e ao massacre do proletariado chinês.
A teoria da “Revolução Permanente” em todo o mundo era e é a única teoria que se opunha à ideologia do “Socialismo em um só país” e constitui, ao mesmo tempo, uma estratégia e um programa coerente que poderiam ter impedido a degeneração do Estado Soviético.
No terreno nacional, o programa da Oposição propunha uma política de industrialização da URSS, que abastecesse os camponeses com bens de consumo. Defendia, também, que o Estado soviético enfrentasse e limitasse o poder dos camponeses ricos, os chamados “kulaks”, com impostos para impedir que esses se fortalecessem como classe exploradora.
Mas, ao mesmo tempo, a Oposição de Esquerda se opôs à coletivização forçada do campo, adotada pela burocracia soviética quando os “kulaks”, fortalecidos por anos de concessões, começaram a boicotar o abastecimento das cidades, política que provocou milhões de mortos e fome generalizada. A Oposição de Esquerda defendia uma política de coletivização gradativa e cuidadosa, com os camponeses, incluindo os “kulaks” e os camponeses pequenos e médios.
A luta pela democracia operária no partido e nos Soviets
Mas, o ponto mais importante do programa da Oposição era o retorno da plena democracia, no partido e nos Soviets, incluindo a permissão para a organização de agrupamentos internos no partido, para o debate das suas principais políticas, que havia sido suspensa no momento das maiores dificuldades para a Revolução.
A reivindicação da Oposição partia da constatação de que era necessário um debate aberto das alternativas para a União Soviética e para o movimento comunista mundial, que promovesse a regeneração do partido e da Internacional e permitisse encontrar uma orientação correta para os rumos do Estado operário e do proletariado mundial.
Stálin e a burocracia eram conscientes de que a democracia soviética e partidária seria fatal para seus privilégios. Por isso, defenderam com unhas e dentes o regime de partido único e a supressão definitiva da democracia interna, no Partido Comunista e na Internacional.
Atacaram duramente Trotsky e a Oposição de Esquerda, primeiro através de uma campanha contra o “trotskismo”, depois por meio de fraudes nas eleições partidárias, demissões de funções no Estado, expulsões, prisões, deportações para a Sibéria e, finalmente, com execuções em massas dos oposicionistas.
Nos próximos artigos, veremos como a burocracia stalinista se consolidou na direção do Estado soviético, como e porque desencadeou uma operação de extermínio de toda a velha guarda bolchevique, matando centenas de milhares de revolucionários comunistas oposicionistas e perseguindo especialmente os trotskistas.
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