Nacional

Subordinação à China não é alternativa à dominação dos EUA

Em meio à disputa entre o imperialismo norte-americano e a ascendente China, não existe uma subordinação “menos pior”

Diego Cruz

23 de maio de 2025
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A recente viagem de Lula à China, cercado por uma grande comitiva, que incluía 11 ministros e vários deputados – do Progressistas (PP) à deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) –, resultou numa série de acordos e promessas de vultosos investimentos.

Essa movimentação foi divulgada, e comemorada, por setores da esquerda como o fortalecimento de um suposto polo multilateral frente à recente ofensiva protecionista de Trump. Quase que no mesmo sentido, grande parte da imprensa e setores expressivos da burguesia enxergam esse processo como uma oportunidade para um novo ciclo de desenvolvimento, crescimento econômico e empregos.

Contudo, as questões que ficam são as seguintes: Essas promessas de investimentos de Pequim no Brasil fariam parte de uma política progressiva, já que, à primeira vista, se contrapõem ao imperialismo norte-americano? Seria esse o caminho para o desenvolvimento do Brasil?

Significado dos acordos com a China

A realidade é que, sob um discurso de “acordos mútuos” e “cooperação”, esconde-se a entrega do Brasil, agora ao capital chinês. Lembrando que o Brasil já é dominado pelo capital estadunidense e europeu.

Ao contrário do que defende grande parte da esquerda, isso não traz nada de progressivo; mas, sim, significa o aprofundamento do retrocesso do país na divisão internacional do trabalho, com a reprimarização da economia, (com sua centralização na exportação de matérias-primas e não de produtos industrializados), o aumento das exportações das commodities (produtos primários, como soja e minérios, de baixo valor agregado) e a desnacionalização cada vez maior da economia (com a compra de empresas e a privatização de setores estratégicos), com a consequente perda, ainda maior, da soberania, desta vez para uma potência capitalista em ascensão, que é a China.

Parte da esquerda defende a China como uma alternativa à dominação imperialista ianque. Querem fazer parecer que os investimentos de Pequim são diferentes dos de outras potências capitalistas e que as relações estabelecidas com a China teriam um outro caráter, mais “fraternal” e dentro de uma suposta relação igualitária “Sul-Sul”. Uma espécie de “capital do bem”.

Não há imperialismo “menos ruim”

É, por exemplo, o que expressa a deputada do PSOL. “A visita à China, neste momento de disputas entre potências, foi também um gesto político: dizer ao mundo que o Brasil não está preso a alianças automáticas, que não aceita ser tratado como quintal de ninguém“, escreveu Talíria Petrone, em artigo da revista “Carta Capital”.

Como se dissesse: diante de uma disputa entre potências, temos a autodeterminação de escolhermos a quem seremos subordinados. Não existe, porém, uma dominação imperialista mais ou menos ruim para país dominado.

Um investimento não é uma doação generosa da China, em prol do desenvolvimento do país, sem contrapartida. É o contrário: uma relação de exploração, com o objetivo de extrair as riquezas produzidas pela classe trabalhadora, como ocorre com qualquer relação imperialista.

O exemplo da África

Exemplo evidente dessa relação é a pilhagem realizada pela China no continente africano. Nos últimos 20 anos, o continente recebeu uma enxurrada de investimentos chineses em infraestrutura, como estradas, ferrovias e portos.

Tudo para conquistar o controle da produção de matérias-primas, como as minas e poços de petróleo, e escoá-las para o país, devolvendo em troca produtos industrializados e de alta tecnologia. Isso sem falar que grande parte dos ditos investimentos chineses são empréstimos que se transformam em dívida. Cerca de 20% da dívida dos países africanos é justamente com a China.

Uma relação que o próprio presidente do Banco Africano de Desenvolvimento, Akinwumi Adesina, classificou como “predatória”.

Fonte: Escritório Nacional de Estatísticas da China

Disputa interimperialista

As promessas de acordos e investimentos

Em meio ao Fórum da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), a China prometeu o equivalente a 9 bilhões de dólares (R$ 51 bilhões) em investimentos na América Latina e no Caribe. Seriam, essencialmente, investimentos em projetos de infraestrutura. Tudo embalado num discurso de parceria e acordos mútuos entre iguais.

Antes mesmo do Celac, o governo brasileiro divulgou acordos com empresários chineses que preveem investimentos de R$ 27 bilhões no Brasil nos próximos anos. Entre as áreas que receberiam o capital chinês estão os serviços de “delivery”, com a empresa Meituan, carros elétricos e a mineração, através da gigante Bayin Nonferrous.

A investida chinesa na região se dá em meio ao aprofundamento da disputa interimperialista entre os EUA e a China, que escalou após o anúncio por Trump de um tarifaço generalizado, um ataque ao conjunto dos países, mas cujo alvo principal é Pequim. Apesar do anúncio de uma trégua temporária com a China, com a redução das tarifas, a tensão entre as duas potências capitalistas está longe de terminar.

A China, diante da ofensiva trumpista (que é uma demonstração da decadência dos EUA enquanto potência imperialista hegemônica), aproveita a oportunidade para tomar vantagem na disputa pelos mercados dos países semicoloniais. Algo fundamental para manter (e impulsionar) sua tendência de crescimento e conseguir fazer frente aos EUA enquanto principal país imperialista.

A chamada “Iniciativa Cinturão e Rota da China” faz parte dessa estratégia chinesa, com investimentos na Ásia, Europa e África. Com a precipitação da disputa com os EUA, a China está acelerando seus planos para a América Latina.

Presença chinesa e desindustrialização

A presença chinesa no mercado brasileiro já vinha numa crescente. Entre 2019 e 2024, as importações da China subiram de 10,2% para 18,7%. Só em 2025, as importações chinesas cresceram 28,1%, segundo o painel de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).

Um memorando recente, assinado pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, prevê um Plano de Cooperação com bilionários investimentos no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No pacote, entrariam ferrovias (com trens, metrôs e veículos leves sobre trilhos/VLTs), além da privatização de estradas, portos e aeroportos.

Resumindo: uma abertura aos produtos industrializados e ao capital chinês, centrada em infraestrutura para controlar e escoar commodities, associada ao agronegócio, num movimento que, longe de significar uma reindustrialização do país, aponta exatamente para o aprofundamento, ainda maior, do processo de reprimarização e desindustrialização já em curso.

Outro imperialismo é possível?

O que a China quer no Brasil?

No Brasil, já acumulamos exemplos do “modus operandi” do imperialismo chinês. A Ford Camaçari, na Bahia, foi comprada pela chinesa BYD e, no final de 2024, 163 operários chineses foram resgatados da unidade em condições análogas à escravidão. Ou seja, foi um investimento que não aumentou a capacidade produtiva, não gerou empregos, se beneficiou de isenções e subsídios e, ainda, colocou operários em condições subumanas de trabalho.

Da mesma forma que a BYD fez com a Ford na Bahia, outras gigantes automobilísticas chinesas estão assumindo fábricas das montadoras tradicionais, como a GWM, que comprou a fábrica da Mercedes em Iracemápolis (SP). Outra chinesa, a GAC, anunciou mais de US$ 1 bilhão para começar a produzir no país, adquirindo a fábrica da HPE Automotores (que produz a Pajero e veículos da Mitsubishi e Suzuki), na cidade de Catalão (GO). Já a Geely firmou um acordo com a Renault para começar a produzir no país, na planta em São José dos Pinhais (PR).

Traduzindo: são “investimentos” que apenas substituem o capital norte-americano ou europeu pelo capital chinês.

Infraestrutura para quem?

Mesmo que se concretizem os investimentos da China no país, no sentido de ampliar a infraestrutura, como em ferrovias e portos, será dentro dessa mesma lógica imperialista. Ou seja, para explorar os recursos naturais, superexplorar a mão-de-obra e pilhar as riquezas do Brasil. Um investimento que tem por trás não o desenvolvimento ou qualquer tipo de progresso, mas ainda mais subordinação, decadência e retrocesso.

O imperialismo chinês, portanto, não é alternativa ao imperialismo norte-americano. Uma verdadeira soberania pressupõe a luta contra a dominação de todos os imperialismos, desde o norte-americano, amplamente dominante no país, até o imperialismo chinês, que vem numa crescente e tenta multiplicar seus tentáculos em meio à crise e decadência dos EUA.

Saída

Nenhuma submissão a qualquer potência capitalista

A história do Brasil é marcada por mais de 500 anos de exploração e rapina. Da metrópole portuguesa, passando pelo imperialismo britânico, até a dependência dos capitais norte-americano e europeu, no século 20, a exemplo da explosão da dívida externa durante a ditadura.

Hoje, a maior parte da economia está nas mãos do capital estrangeiro e imperialista, seja dos EUA, da Europa e, cada vez mais, da China. A saída para a classe trabalhadora e para o país não está na escolha a quem vamos nos submeter. Mas, ao contrário: está no rompimento com o imperialismo.

Isso pressupõe a nacionalização, com a expropriação, sob o controle dos trabalhadores, das 200 maiores empresas, para que produzam de acordo com as necessidades da grande maioria da população, e não para meia dúzia de bilionários, sejam norte-americanos, europeus ou chineses.

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