Nacional

Tarcísio, centrão e extrema direita são contra a taxação dos bilionários. Mas, e o governo Lula?

Diego Cruz

10 de outubro de 2025
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Comemoração na Câmara dos Deputados após derrota da MP do governo Lula Foto Lula Marques/Agência Brasil

Na noite desta quarta-feira, 8, a Câmara dos Deputados impôs uma dura derrota ao governo Lula, ao rechaçar a Medida Provisória 1303 por 251 votos contra 193. A MP foi baixada em julho pelo governo para compensar a malfadada tentativa de aumentar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), e, ao não ser votada pelo Congresso Nacional, caducou nesta quinta.

Diante do revés, Lula declarou que “quem foi derrotado foi o povo”, pois a medida taxaria os bilionários e promoveria “justiça tributária”. Um discurso que segue o roteiro da votação da isenção do Imposto de Renda (leia aqui). Diante do resultado, o governo Lula retomou a campanha “Congresso inimigo do Povo”, poucos dias após o presidente ter afirmado que o “Congresso Nacional votou tudo o que a gente precisava que fosse votado”.

O que era a MP 1303?

A Medida Provisória chamada pelo governo de MP dos BBB’s (Bancos, Bets e Bilionários) compunha uma série de medidas para elevar a arrecadação a fim de se cumprir a meta de Superávit Primário exigida pelo Arcabouço Fiscal. A princípio, aumentava de 9% para 15% o imposto para as fintechs (bancos digitais), elevava de 12% para 18% os tributos sobre as bets (casas de aposta eletrônica), e taxava em 5% a LCI (Letras de Crédito Imobiliário) e LCA (Letras de Crédito do Agronegócio), hoje isentas.

Vale lembrar que o aumento do imposto sobre as fintechs (como Nubank, Inter, etc), é uma exigência dos próprios bancos tradicionais, que se vêem numa situação de desvantagem diante da concorrência dessas instituições que crescem cada vez mais. Assim como a isenção da LCI/LCA é visto por parte do mercado financeiro como uma “distorção” diante de outros produtos e investimentos. Mas, mesmo assim, pegaria um naco, ainda que ínfimo, dos grandões. Assim como os impostos sobre as bets.

O problema é que esse dinheiro não “iria para o pobre”, como afirma a propaganda do governo. Iria direto para o caixa do governo a fim de cumprir o arcabouço e arcar com os juros da dívida pública. Ou seja, parte dos R$ 20 bilhões que o governo esperava arrecadar com a medida seria, ao final das contas, revertida para os próprios bilionários, os banqueiros e grandes fundos estrangeiros detentores de títulos da dívida. Ficaria, então, na ciranda financeira que enriquece os próprios bilionários.

Acontece que, durante a negociação no Congresso Nacional, com o centrão e a extrema direita, o governo recuou da tímida taxação da LCI/LCA, sob pressão do agro e do mercado financeiro, assim como a elevação do tributo sobre as bets. No relatório final do deputado Carlos Zaratinni (PT-SP), portanto, já não havia qualquer medida, por mínima que fosse, que arrancasse qualquer pedacinho do grande capital (mesmo que fosse para outro setor financeiro). O que acabou ficando, afinal?

Uma MP contra os trabalhadores

Permaneciam três medidas que atacavam duramente os trabalhadores. Primeiro, incluía o programa Pé de Meia (que garante benefício de R$ 200 para alunos do Ensino Médio cadastrados no Cadastro Único para Programas Sociais, o CadÚnico) no Piso Constitucional da Educação. Depois, limitava as despesas com o seguro-defeso (benefício pago a pescadores em épocas em que a pesca é proibida para garantir a reprodução dos peixes) ao orçamento e à limitação de gastos do arcabouço. E, finalmente, impunha um prazo de apenas 30 dias para perícia médica a fim de se obter o auxílio-doença.

Incluir o Pé de Meia no Piso Constitucional (hoje 18% do orçamento deve ir para a Educação) tiraria, na prática, R$ 12 bilhões por ano do Ministério da Educação (MEC), ou metade do que é gasto no Ensino Integral. Além de tirar de imediato esses recursos da Educação para o arcabouço, é uma medida que avança no sentido de implodir o mínimo constitucional da Educação. E isso tem uma razão. Desde que aprovou o Arcabouço Fiscal, o Ministério da Fazenda deixou explícito que ele é incompatível com os pisos não só da Educação, mas também da Saúde (15%).

Já o seguro-defeso aos pescadores, que hoje é considerado um “gasto obrigatório” iria para a Pasta do Ministério do Trabalho, e seu valor seria definido anualmente, de acordo com a disponibilidade orçamentária. Ou seja, seria pago só se tivesse dinheiro. Cerca de 2 milhões de pescadores iriam ficar, literalmente, a ver navios, sem poder trabalhar e sem receber esse direito que garante sua subsistência e de suas famílias nos períodos de proibição da pesca.

A medida que ataca o auxilio-doença, por sua vez, era mais um golpe perverso contra os mais pobres. A MP reduzia de 180 dias para apenas 30 a possibilidade de se ter o benefício com o atestado digital. Isso triplicaria as filas para a perícia, que, pelas regras de hoje, já ultrapassam 1 milhão de pedidos. O governo argumenta, de forma cínica, que a medida não tem objetivo arrecadatório, mas de “combater fraudes”, o mesmo argumento que vem utilizando para restringir cada vez mais o BPC (Benefício de Prestação Continuada). A verdadeira razão para isso é dificultar, ou até mesmo impossibilitar, a concessão do benefício para economizar dinheiro para cumprir as metas de Superávit.

Congresso Nacional é inimigo dos trabalhadores, e o governo Lula?

O centrão e a extrema direita não estão preocupados com os trabalhadores. Agiram, na MP, para garantir os interesses das bets, do agro e das fintechs. Fizeram um acordo com o governo para só manter os ataques aos trabalhadores no relatório final e, no plenário, com a articulação comandada pelo governador e presidenciável Tarcísio de Freitas, passaram uma rasteira ao não aprovarem a MP.

O objetivo da extrema direita é aprofundar ainda mais os cortes do governo nas áreas sociais, conter o avanço de Lula nas pesquisas e impulsionar seu candidato, que, por hoje, é Tarcísio, para 2026. Já o governo Lula se esforça por administrar o orçamento a serviço dos capitalistas, priorizando o Arcabouço Fiscal e avançando nos cortes e austeridade fiscal. Ao fim e ao cabo, de maneiras diferentes, ambos atuam para os bilionários, contra o povo.

Abaixo os ataques aos pobres e o arcabouço fiscal

As manifestações do dia 21 de setembro mostraram como a pressão das ruas pode barrar os descalabros do Congresso Nacional, como a PEC da Bandidagem e a anistia aos golpistas. Jogou água abaixo a tese de que não há correlação de forças para se enfrentar o centrão e a ultradireita. O governo Lula, no entanto, ao invés de se apoiar na mobilização, num momento em que isso se mostra possível e favorável, para beneficiar os trabalhadores, aposta no contrário, em acordos com o centrão para atacar ainda mais os trabalhadores e os mais pobres.

Há hoje uma crise fiscal, mas não porque o governo gasta demais com os pobres, ou com “medidas populistas”, como a direita e a imprensa repetem. Mas porque garante mais de R$ 500 bilhões em isenções ao agro e às grandes empresas, porque subsidia os grandes monopólios capitalistas e paga um dos maiores juros do mundo através do mecanismo da dívida. Os R$ 20 bilhões que o governo tanto queria para cumprir sua meta de Superávit Primário poderia ser facilmente obtido apenas reduzindo um pouco as isenções ao agronegócio e às grandes empresas.

Se o projeto do governo Lula fosse realmente mudar o país, em favor da classe trabalhadora, poderia atuar para taxar de verdade os bilionários, acabar com a farra das isenções às grandes empresas e ao agro, proibir a remessas de lucros para fora e parar de pagar a dívida aos banqueiros. Isso não só resolveria qualquer “crise fiscal”, como abriria caminho para resolver problemas históricos, como o de saneamento básico, reverter a precarização e melhorar os serviços públicos, aumentar o salário mínimo e mesmo atualizar, de verdade, a tabela do Imposto de Renda, cobrando imposto de quem vive de renda, e não do trabalho.

A PEC 1303 mostrou, mais uma vez, que, se o Congresso Nacional é “inimigo do povo”, o governo Lula também é. E a necessidade de se enfrentar tanto o Congresso Nacional e o projeto neoliberal do governo, nas ruas, derrotando o Arcabouço Fiscal e a política de austeridade do governo.

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