Todo apoio às famílias ameaçadas de despejo na Fazenda Mutamba, em Marabá (PA)

Rosi Pantoja e Erasmo Teófilo, do Pará
A Defensoria Pública do Estado do Pará entrou com um pedido de suspensão da liminar de reintegração de posse, prevista para esta segunda-feira (6), determinada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, por meio do Juiz da Vara Agrária de Marabá, em favor da família Mutran. A suspensão visa evitar um confronto maior do que o ocorrido no ano passado, quando dois trabalhadores rurais foram assassinados e outras pessoas foram baleadas.
O pedido de reintegração de posse da Fazenda Mutamba amplia o clima de tensão na área, diante da impunidade relacionada às suspeitas de grilagem de terras e as denúncias de trabalho escravo, gerando mais revolta entre as famílias que vivem na região, submetidas a ameaças e violações de direitos.
Entenda o caso
Cerca de 300 famílias que vivem na antiga Fazenda Mutamba, em Marabá, no sudeste do Pará, estão ameaçadas de despejo após uma ordem de reintegração de posse. A disputa pela terra envolve três fazendas pertencentes à família Mutran: Fazenda Mutamba, Fazenda Balão e Castanhal João Lobo.
Os relatórios do Iterpa (Instituto de Terras do Pará) indicam que parte da área se sobrepõe a terras públicas incorporadas irregularmente ao domínio privado. Há também o histórico de trabalho escravo nas propriedades da família Mutran. Na própria fazenda Mutamba, em 2002, 25 pessoas foram libertadas de condição análoga à escravidão.
Desde então, as famílias travam uma luta pelo direito à terra para a agricultura familiar. Atualmente, estão organizadas por meio da Associação Terra Prometida, produzindo alimentos para subsistência com pequenos plantios de mandioca, milho, feijão, acerola, banana.
Grilagem, escravidão e violências no Pará
A família Mutran tem um histórico de suspeita de grilagem de terras. Embora aleguem ter a propriedade legal das áreas, a forma como são apropriadas é altamente contestada.
Nas décadas de 1950 e 1960, estas áreas eram de florestas e de castanhais concedidas pelos governos à família Mutran sob regime de aforamento, com a condição de que fossem destinadas à exploração da castanha do Pará e a preservação ambiental. No entanto, o que se vê hoje é o desmatamento e transformação da floresta em pasto para criação de gado. As famílias não sabem dizer se o gado é vacinado, pois alguns não tem marcação e nunca é vista a equipe da Adepará (Agência de Defesa Sanitária do Pará) realizando vacinação.
“Lista Suja” do trabalho escravo
A família é marcada por denúncias de grilagem, trabalho escravo, conflitos fundiários e violência. Em 2003 e 2004, três fazendas da família Mutran foram incluídas na “Lista Suja” do trabalho escravo*, além de diversas outras denúncias de violações.
Fazenda Cabaceiras, em Marabá: em 2002, 22 pessoas foram libertadas. Em 2003, mais 13 pessoas foram libertadas do trabalho análogo à escravidão;
Fazenda Mutamba, em Marabá: em 2002, 25 pessoas foram libertadas da condição de trabalho análogo à escravidão;
Fazenda Peruano, entre os municípios de Marabá e Eldorados dos Carajás: Em 2001, 54 pessoas foram libertadas de trabalho análogo à escravidão.
A reincidência no flagrante de trabalho análogo à escravidão nas mesmas fazendas mostra a confiança da família na impunidade de seus crimes. No entanto, a luta pela terra travada pelas famílias garantiu a desapropriação da Fazenda Cabaceiras, destinada à reforma agrária e à criação do Assentamento 26 de Março.
Violência e tensões na área
A impunidade dos poderosos amplifica a violência e violações de direitos. Foi o que aconteceu em 11 de outubro de 2024, quando um ataque violento ao acampamento resultou na morte de duas pessoas e deixou cinco feridas.
A CSP-Conlutas/PA esteve na área para ouvir os relatos das famílias. Os depoimentos impressionam pelo nível de violência. Quase um ano após o episódio, os agressores seguem impunes. Enquanto são as famílias que continuam sendo monitoradas por drones e agora estão ameaçadas de despejo.
Relatos de violência policial e abuso de poder
As vítimas relatam que no dia do ataque estavam dormindo em dois barracões próximos, usados para garantir a segurança do acampamento, já que havia ameaças dos fazendeiros de que haveria “derramamento de sangue”.
Segundo um dos sobreviventes, E., não foi apresentada nenhuma liminar judicial de reintegração de posse. A polícia chegou por volta das 4 horas da madrugada, já atirando. Estavam fardados e encapuzados, gritando: “Perdeu! Perdeu!”. Quem dormia não conseguiu fugir. As duas pessoas que morreram eram os trabalhadores Adão Rodrigues de Souza, de 53 anos, casado e pai de 5 filhos, e Édson Silva e Silva.
Ainda segundo E., quatro pessoas se jogaram no chão e foram presas, outras correram — dessas, cinco foram baleadas. Havia dois barracões: um para os homens e outro para mulheres e crianças. Naquele momento, apenas duas mulheres estavam presentes; não havia crianças.
As mulheres ouviram os tiros e saíram correndo para não serem atingidas. Segundo J., as viaturas da polícia só chegaram por volta das 6h da manhã, acompanhadas de um helicóptero que sobrevoava a área. Ela conta que retirou seus pertences por medo, e afirma que não havia motivo para a polícia atirar e matar dois pais de família que eram apenas trabalhadores. Muitos ficaram com medo de retornar ao local.
Outra vítima da violência também nos conta que eles chegaram atirando. Mesmo ferido continuou sendo espancado. Um deles morreu por volta das 8h, sem socorro algum e com os policiais dizendo: “Deixa aí que é pra morrer”.
Além disso, quatro pessoas foram presas e levadas para a sede da fazenda, onde sofreram violência física e tortura psicológica, antes de serem encaminhadas à delegacia somente ao meio-dia.
Uma outra vítima, relatou que não esperavam por tamanha violência, pois não havia mandado e os policiais já chegaram atirando. Ela conta que as pessoas foram levadas à delegacia com a justificativa de que iriam apenas prestar depoimento, mas acabaram presas.
Segundo informações das famílias, as pessoas presas foram indiciadas por crimes que desconheciam. Após o ataque, muitos ficaram psicologicamente abalados e não retornaram à área, enquanto outros só voltam nos fins de semana para cuidar dos plantios.
Nota divulgada pela Polícia Civil do Pará, à época, afirmava que a operação investigava o envolvimento de um grupo nos crimes por porte ilegal de arma de fogo, dano qualificado, furto qualificado, extração ilegal de madeira, incêndio e queimadas de área de preservação e desobediência a ordem judicial. Além de informar que dois homens morreram após troca de tiros, e que foram apreendidos armas, celulares e munição. Ao lado a imagem dos materiais apreendidos: celulares e espingardas utilizadas em caças, comum nesta região.
As pessoas presas foram soltas, pois não existiam provas de crimes cometidos por elas.
Apesar da nota da polícia não citar a disputa de terras, pois não existia reintegração de posse, a operação teve por proposito a intimidação e violência contra moradores.
O morador M., também vítima da violência, conta que não estava no barracão, mas pensou que todos haviam morrido devido à quantidade de tiros. Por volta das 7 horas, a polícia começou a abordar moradores em suas casas. M. afirma ter sido algemado, espancado e ameaçado, além terem sido disparados tiros de um avião contra ele e os demais que estavam em sua casa. Isso o deixou bastante abalado, pois nunca tinha passado tanta violência e humilhação:
Um dia a gente dorme pouco porque vive com medo; no outro, dorme demais, porque não dormiu no dia anterior, essa é a nossa vida aqui (vítima de violência policial na fazenda Mutamba).
Impunidade e urgência de ação
As famílias relatam que advogados do movimento tomaram providências para responsabilizar os policiais por abuso de autoridade. Até o momento, ninguém foi punido. Apesar da afirmação da polícia de ter havido troca de tiros nenhum policial foi atingido, o que levanta dúvidas sobre a veracidade da versão apresentada.
A pergunta que não se cala: quem deu a ordem para entrar na área às 4h da manhã, sem mandado, e causar mortes e violência contra famílias indefesas?
As famílias vivem um sofrimento constante, cercadas pela insegurança e pela ameaça iminente da reintegração. Tudo o que desejam é tranquilidade para trabalhar e produzir seu sustento.
Defender a reforma agrária sobre o controle dos trabalhadores contra a exploração e violências
Próximo a COP 30 o governo do estado, Hélder Barbalho, finge que não tem nada a ver com essa tragédia praticada pelas instituições estatais. Já o governo Lula se cala diante das injustiças e permite que seja anunciada a reintegração de posse numa área de trabalho análogo a escravidão, quando já é estabelecido por lei que as áreas de trabalho escravo devem ser destinadas à reforma agrária.
Destinar a Fazenda Mutamba às famílias de pequenos agricultores é uma medida reparadora diante das violências praticadas pelo estado. Trata-se de uma área símbolo das históricas disputas por terra no Pará, marcadas por trabalho escravo, grilagem e conflitos agrários.
Repudiamos a ação praticada pela polícia. E o governo do estado tem que apurar o acontecido e punir todos os policiais envolvidos no assassinato, violência e tortura contra as famílias.
Exigimos que o presidente Lula se posicione favorável à desapropriação sem indenização da Fazenda Mutamba para ser destinada à reforma agrária.
Reforma agrária sob o controle dos trabalhadores!