Um ano de promessas: Afinal, cadê o fim da Escala 6×1?
Há um ano, a luta pelo fim da escala 6×1 – que já se organizava desde 2023 – se massificou no país. A possibilidade de uma folga a mais por semana virou assunto nas rodas familiares, nos locais de trabalho, nas universidades e até nos botecos. No dia 15 de novembro daquele ano, atos tomaram as ruas de todo o Brasil.
O debate atravessou fábricas, chegou aos setores terceirizados e uberizados, despertando simpatia majoritária da população pela abolição da escala 6×1. Símbolo de um regime de trabalho que corrói a saúde e destrói o convívio social, o fim da escala 6×1 foi uma das raras pautas capazes de romper a polarização eleitoral, tendo apoio majoritário entre a população pobre e trabalhadora, seja os que se dizem de esquerda ou de direita.
Mas a pergunta que ecoa nas fábricas e balcões é: afinal, quando será abolida a escala 6×1?
Lula, se é uma escala “cruel”, por que não proibir?
A força do movimento e o apoio massivo forçaram Lula a se posicionar depois de meses de silêncio. No 1º de maio, em rede nacional, Lula chamou a 6×1 de “escala cruel” e se comprometeu a aboli-la. No entanto, de lá pra cá, nenhuma medida efetiva foi tomada pelo governo.
Assim como às vésperas das eleições passadas, quando Lula prometeu revogar a reforma trabalhista e nada fez; ou quando criticou o teto de gastos, mas impôs o “arcabouço fiscal”, mantendo o ajuste sobre as áreas sociais; e, agora, mais uma vez, verbaliza indignação com a escala 6×1, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) libera a pejotização e desmonta o que resta da CLT.
Na realidade, o governo tenta transformar o tema em peça de retórica eleitoral para 2026. Fala em “valorização do trabalho”, mas aprova o PL dos Aplicativos, por exemplo, que criou a modalidade do “trabalhador autônomo por aplicativo”, legalizando jornadas de até 12 horas diárias!
No mesmo sentido, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, escorrega como um sabonete nas suas declarações. Primeiro, afirmou que a 6×1 deve ser negociada diretamente entre patrão e empregado, apoiando-se na lógica do “acordado sobre o legislado”, lavando as mãos quanto à responsabilidade do governo. Recentemente, afirmou defender a redução gradual da jornada para 40 horas e uma lei contra a escala 6×1. Contudo, o ministro faz um discurso para agradar sua base eleitoral enquanto o avanço da pejotização e dos contratos precarizados – nas quais a jornada de trabalho é bem maior que as atuais 44 horas – acabam com regime único de contratação pela CLT.
Assim, o ministro se apoia numa manobra: diz que é possível o fim da escala 6 por 1 para os contratados pela CLT, mas com as “novas relações de trabalho” a maioria dos trabalhadores brasileiros, em regime MEI, PJ, temporários ou em trabalho por peça, já não terão acesso sequer a carteira assinada e a CLT; e cada empresa poderá escolher dentre os vários regimes de contratação qual é melhor para explorar.
O ministro Haddad foi ainda mais explícito nesse jogo duplo: defendeu o fim da escala 6×1, mas insinuou que isso exigiria “trabalhar mais tempo ao longo da vida”, ou seja, abriu brecha para a defesa de uma nova reforma da Previdência, que seu governo já vem estudando há tempos.
A declaração de Haddad traduz a essência do governo: ajustar as reivindicações da classe trabalhadora aos limites da governabilidade a serviço do capital. No mesmo sentido vai a nomeação de Guilherme Boulos (PSOL) como ministro. O governo tenta sinalizar uma interlocução com os movimentos sociais e, ao manter o compromisso com os grandes empresários e o capital financeiro, o papel de Boulos será o de cooptar os movimentos para o apoio ao governo, mas não garantirá nenhum avanço real nas nossas demandas.
Não é com eles, mas contra eles
Na base do governo, o VAT (Vida Além do Trabalho) e parlamentares do PSOL apresentaram ao Congresso uma PEC pelo fim da escala 6×1, e cantaram vitória declarando que até o final deste ano, com apoio de Lula e pressão sob os parlamentares da direita e Hugo Motta, ela seria votada. Contudo, o resultado foi bem diferente do que se previa: a proposta segue parada. Realizaram-se audiências, seminários e debates na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e do Senado, mas o projeto não avançou e não há previsão de quando será votado.
A estratégia de confiar no parlamento, esperando que a “pressão institucional” gerasse resultados, se mostrou impotente. Em vez de impulsionar uma mobilização permanente e independente dos trâmites nas alturas, subordinou a luta à lógica da pressão institucional.
Ainda que a luta tenha continuado nos locais de trabalho, é preciso avaliar porque, até agora, não houve avanço nessa pauta e quais as razões do fracasso dessa estratégia.
A primeira razão é a própria composição do Congresso: dominado pela extrema direita e, por essência, um balcão de negócios das grandes empresas — as mesmas que lucram com a 6×1. Mesmo os parlamentares de esquerda só aderiram ao pedido de tramitação da PEC quando o tema se tornou útil ao governo, que usa o discurso da “falta de correlação de forças” no Congresso inimigo do povo para fortalecer a narrativa contra a extrema direita.
Segundo porque a dinâmica das novas relações de trabalho não caminham rumo à redução da jornada, mas ao oposto. Mesmo nos países que experimentam a “semana de 4 dias”, isso ocorre de forma limitada e funcional à produtividade capitalista. No Reino Unido, enquanto uma minoria usufrui da semana de 4 dias, milhões – principalmente os imigrantes – vivem sob o regime de “zero hora”, em que o trabalhador recebe apenas pelas horas que efetivamente trabalhou, não havendo garantia de um número mínimo de horas ou de salário fixo.
No Brasil, a jornada de 44 horas foi conquistada na Constituição de 1988, que reduziu de 48 para 44 horas semanais. De lá pra cá, o mundo do trabalho mudou profundamente: automação, inteligência artificial e plataformas digitais estão transformando a organização da produção, aumentando o ritmo e produtividade no mundo todo e também no Brasil. Mas longe de significar a redução da jornada, essas mudanças têm aprofundado o desemprego e a intensificação da jornada.
O exemplo da Grécia, onde o governo aprovou jornadas de até 13 horas diárias, mostra para onde vai o capitalismo em crise. E mesmo nos EUA, setores inteiros têm adotado a escala 996, importada do regime chinês, em que se trabalha das 9h às 21h, seis dias por semana.
A tendência é evidente: o capitalismo em crise exige aumento da exploração para compensar a queda da taxa de lucro.
Mesmo a conquista das 44 horas em 1988 só foi arrancada pela força das greves, não pela boa vontade dos constituintes. Hoje, não há mais pacto social a ser “negociado”. A própria burguesia, diante da crise mundial, rompeu o acordo de 1988 e avança sobre todos os nossos direitos.
A crença de que o parlamento possa reconstruir relações de trabalho favoráveis aos trabalhadores é pura ilusão. Em tempos de crise mundial, não há reformas progressivas duradouras. A redução da jornada para 30 horas, com direitos e sem redução salarial, só será conquistada nas ruas, pelas greves e pela reorganização independente da classe, pois essas medidas irão atacar os lucros das grandes empresas, que se beneficiam da superexploração e precarização.
O caminho para vencer: retomar as ruas com independência de classe
Isso não significa abandonar o terreno institucional, mas compreendê-lo como um campo secundário da luta. Devemos apresentar propostas alternativas ao Congresso que possam mobilizar a classe em torno das suas lutas mais justas, como a redução para 30 horas, sem redução de salários. Mas sem ilusões de que a conquista de tais medidas virá de “boa vontade” quando o capital está em crise e acelera a ofensiva contra a classe trabalhadora.
Enquanto o governo e o Congresso manobram, a classe trabalhadora segue resistindo nos locais de trabalho e moradia. É preciso retomar a força que se viu em novembro passado, unificar os setores em luta e construir uma mobilização nacional pelo fim da escala 6×1, independente do governo e dos patrões.
Estaremos lado a lado, organizando desde a base às grandes manifestações, pois nossa luta com independência é o que pode arrancar essa conquista. É hora de preparar um novo novembro de luta! Afinal, o que está em jogo não é apenas uma folga a mais, é o direito de viver, e não apenas sobreviver.